O plano B (e C e D e E e F e G)
PAULO RANGEL
17/03/2015 - PÚBLICO
É absolutamente crucial que as autoridades e as elites portuguesas se
encontrem preparadas para desenvolvimentos surpreendentes e porventura dramáticos
do cenário europeu e internacional.
1. Sou um
convicto defensor de uma solução federal para a União Europeia (UE) e acredito
que a presente crise só se vence com mais integração. Insisto, todavia, a cada
passo e a cada novo arranjo do caleidoscópio europeu, na necessidade de estudar
e considerar os riscos e ameaças que teimam em aparecer e até em agravar-se.
Um dos aspectos
que mais me preocupa é o de Portugal – ao nível oficial (em especial, nas áreas
dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional) e ao nível da reflexão
académica e intelectual (em especial, nas Universidades e na produção
doutrinal) – não estar a criar planos de contingência para uma panóplia de
eventualidades que estão hoje no horizonte das possibilidades verificáveis. É
absolutamente crucial que as autoridades portuguesas e que as elites
portuguesas (universitárias, empresariais, religiosas, culturais) estejam
cientes e se encontrem preparadas para desenvolvimentos surpreendentes e
porventura dramáticos do cenário europeu e internacional. Estudar os cenários,
debater as alternativas e organizar as possibilidades de resposta em nada
convoca a lógica performativa das “self-fullfilling prophecies”.
2. O primeiro
plano – o plano B – tem de lidar com uma possível saída da Grécia da zona euro.
O governo grego não dá qualquer garantia de conseguir (ou talvez de querer) a
manutenção na moeda única. As consequências de um êxodo grego, mais ordenado ou
mais caótico, têm sido discutidas e prefiguradas em vários fóruns, em especial
britânicos e alemães. Uns inclinam-se para um cenário muito negativo e
dificilmente controlável; outros apontam para uma relativa turbulência que
acabará por acalmar e ter efeitos positivos. De todo o modo, uma saída grega –
tornada mais plausível nas últimas semanas – atrairá sempre atenções sobre
Portugal. Muitos têm estudado o que sucederia a Portugal se saísse do euro, mas
não exactamente o que nos aconteceria se Atenas – e só Atenas – deixasse a
moeda única.
3. O segundo
plano – o plano C – tem de considerar uma guerra, não “na”, mas “da” Ucrânia.
Neste momento, não pode excluir-se que uma guerra europeia ou até uma III
Guerra Mundial não tenha já começado. Só o futuro próximo e a distância poderão
dizê-lo. Mas a deterioração da situação é enorme e pode contemplar uma anexação
russa dos territórios que vão de Mariupol até à Crimeia e/ou que vão da
Transnístria até Odessa (procurando eliminar o acesso marítimo da Ucrânia).
Nada nos garante, por outro lado, que não haja uma intervenção nos bálticos
para defesa das populações russas e russófonas ali estabelecidas. Se deflagrar
uma guerra, que envolva a NATO, que fará Portugal? Que diálogo temos
estabelecido até agora com os nossos aliados e, designadamente, com os EUA e o
Reino Unido? Como conciliar a nossa posição prudente e distante, potencialmente
neutral (enquanto extremo ocidental da Europa), com a posição dura e activa de
alguns dos nossos aliados e, em especial, dos britânicos?
4. O terceiro
plano – o plano D – liga-se à eventual mutação do mapa geopolítico peninsular.
Não pode escamotear-se a desenvolução do processo eleitoral que decorrerá na
Catalunha em Setembro. E não pode outrossim desvalorizar-se o resultado das
eleições gerais de Novembro em Espanha. Se um partido como o Podemos –
republicano, defensor da abolição da monarquia, e ambíguo quanto ao direito à
independência da Catalunha ou do País Basco – vence as eleições, não está
afastado o cenário de enorme perturbação social ou, pior, de desagregação
acelerada da Espanha. Se o processo catalão derrapa, as tensões no nordeste da
península podem exacerbar-se. Que estratégia temos para conviver com esta
alteração radical de mais de cinco séculos da equação “uma península, dois
estados”?
5. O quarto plano
– o plano E – prende-se com o terrorismo fundamentalista islamita. Com o Estado
Islâmico operacional no Magrebe, com a repetida vontade de estender o califado
à península, com a ameaça de fazer atentados “low cost” com recurso a nacionais
dos Estados vítimas, com o risco de atingir directamente símbolos religiosos
(Fátima, por exemplo) e, sem pejo, em fustigar cidades médias, a pergunta é se
continuamos na ilusão de uma eterna imunidade…
6. O quinto plano
– o plano F – relaciona-se com as eleições britânicas e com os dois desafios
que elas suscitam. Primeiro, a questão do referendo e de uma eventual saída da
UE. Como deve Portugal encarar o êxodo britânico, que atingiria fatalmente o
eixo atlântico da UE? Não deveríamos estar já a dialogar com a Irlanda, a
Holanda, a Suécia e a Dinamarca, que partilham connosco uma perspectiva mais
“marítima” e menos “continental” da Europa? Segundo, a reincidência do
nacionalismo escocês. Os resultados do Scottish National Party e o seu papel na
estabilidade governativa podem repor a questão da desagregação. E então
teríamos os nossos dois mais importantes aliados, britânicos e espanhóis, à
beira da implosão…
7. O sexto plano
– o plano G – tem de contar com o advento e o triunfo dos populismos radicais,
do Syriza na Grécia à Frente Nacional na França, passando por fenómenos idênticos
na Holanda, Áustria, Hungria, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Itália, Espanha,
Noruega e Suíça e, com menos força, na Alemanha, Bélgica e Polónia. E isto sem
olvidar o UKIP – sempre convenientemente omitido pelos anglófilos lusos –, que
é um dos mais perigosos partidos xenófobos europeus. O crescimento destes
partidos nacionalistas, visceralmente anti-europeus, financiados por Putin (que
aposta dedicadamente na desestabilização interna dos Estados-membros e da UE),
pode mesmo pôr em causa a existência da União. E também essa hipótese, ainda
que remota, não pode deixar de ser equacionada. Nem sequer por um europeísta.
Corrijo: não pode deixar de ser equacionada sobretudo pelos europeístas…
Deputado Europeu
(PSD) Vice- Presidente do Grupo Parlamentar do PPE;
paulo.rangel@europarl.europa.eu
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