Nós por cá todos mal
TERESA DE SOUSA
08/03/2015 – PÚBLICO
1. Olhando à
nossa volta, para o país e para a Europa, a necessidade de um entendimento
estratégico entre as principais forças políticas portuguesas é tão evidente que
tudo o resto parece resumir-se a quase nada. Mas é com esse “quase nada” que
estamos a viver de uma forma cada vez mais dramática. Só nos últimos meses,
assistimos à queda do Grupo Espírito Santo e à queda, por arrasto, da PT. Temos
um ex-primeiro-ministro na cadeia em prisão preventiva cuja necessidade não se
percebe. Vivemos um episódio triste com a Grécia, em resultado do desespero
próprio de quem vê ameaçada a sua estratégia do aluno diligente e um tanto
graxista. Assistimos à triste figura do PSD quando resolveu achar graça, tanta
graça, e ainda mais graça, já a tocar a graçola, à frase de António Costa
(desnecessária, é verdade) dita perante um grupo de chineses, como se não
tivessem mais nada para dizer. Observamos a agitação de um PS nervoso porque
quer o poder a todo o custo e o seu líder, eleito para esse fim, não começa o
dia a fustigar o Governo e a prometer o que não pode. E, finalmente, um
primeiro-ministro que nos disse para aceitarmos os sacrifícios e não sermos
piegas, que chegou a dizer que ficar desempregado podia ser uma oportunidade e
que agora reconhece que fugiu a alguns desses sacríficos por ter tido
dificuldades na vida (quem as não tem). O problema não são as dificuldades, é a
total falta de coerência entre o que diz e o que faz. Passos Coelho era “um
homem com uma missão” regeneradora, cortando com a elite anterior que fez
pouco, gastou muito e está bem instalada na vida.
Estamos na recta
final para as eleições. Não vai ser fácil a Passos recuperar a sua imagem de
pessoa proba e modesta que tirou o país do desastre. Mas a tarefa de António
Costa não será mais fácil. O líder do PS não pode fazer o mesmo que o actual
primeiro-ministro fez nas legislativas de 2011, quando prometeu que a receita
da troika, com ele, ia ser um passeio. Costa sabe até que ponto a Europa
condiciona o nosso destino, mas sabe também que a sua missão é mostrar que as
coisas podem ser diferentes para incentivar a economia e melhorar a vida das
pessoas. Encontrar um equilíbrio é a sua tarefa “impossível”.
3. Entretanto, em
Bruxelas, a eurocracia tornou-se uma máquina a rodar em seco, sem qualquer
noção da realidade, que acredita ser uma “vanguarda iluminada” distante dos
pobres coitados que não têm capacidade para se governar a si próprios. Funciona
sem qualquer controlo político, debitando avaliações e descomposturas, numa vã
tentativa de manter os privilégios. Em Berlim ninguém lhe liga.
Em Frankfurt,
Mario Draghi, que foi decisivo para salvar o euro da sua maior crise de sempre,
continua a desafiar a ortodoxia alemã. Está a fazer, mais ou menos, a mesma
coisa que fizeram a Fed ou o Banco de Inglaterra no início da crise financeira
e da Grande Recessão que se lhe seguiu. A única condição é que os governos
cumpram os seus compromissos. A Grécia vai ter de cumprir. A França decide
protelar a meta do défice para 2018 e François Hollande diz que a economia está
a dar a volta e que é preciso cuidado para não travar o crescimento. Por mais
que a eurocracia grite (e que coloque a França e a Itália sob vigilância, como
nos colocou a nós), em Paris já poucos a ouvem. Há duas coisas particularmente
perniciosas em Bruxelas. A primeira é a ignorância sobre a realidade de cada
país. A segunda é a ignorância do mundo actual. Misturadas podem ser letais. O
problema é que se mantém arreigada em algumas forças partidárias, sobretudo no
centro-esquerda, a ideia de que ainda podemos voltar aos bons velhos tempos em
que a Comissão interpretava o interesse geral e em que os europeus aceitavam
mais integração. Ou que o mundo, tal como ele é hoje, ainda pode vir a
encontrar no modelo europeu a sua fonte de inspiração. São ilusões que ajudam
pouco. Mas, se pensarmos bem, o que a social-democracia defende, com o
investimento nos avanços científicos e nas capacidades das pessoas, faz todo o
sentido. A questão é como. Não é impossível. A BMW, depois de andar à procura
de um local para instalar uma nova fábrica nos países de mão-de-obra mais
barata, acabou por instalá-la no Alabama. Porquê? A produtividade dos
trabalhadores compensava qualquer salário baixo e a proximidade do mercado era
ideal. A economia americana já deu a volta. O desemprego caiu esta semana para
5,5%, abrindo as portas à Fed (que tem de o levar em consideração) para começar
a pensar no aumento das taxas de juro, com o impacte mundial que a decisão vai
ter. Tudo isto, enquanto Xi Jimping concentra como nunca o poder nas suas mãos
para gerir uma aterragem suave da economia chinesa (como ele próprio diz, uma
mudança de modelo de crescimento) e Dilma dá voltas à cabeça para fugir à
recessão. Quem diria? Há sempre uma esperança.
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