Câmara de Lisboa favoreceu
Espírito Santo e Grupo Mello, diz BE
Ricardo Robles Com a renúncia de Ana Drago e o afastamento temporário de
Mariana Mortágua, o engenheiro civil tornou-se o cabeça de cartaz do BE na
Assembleia Municipal de Lisboa, onde tem conquistado protagonismo e gerado
incómodo
“É um descaramento violento da
parte do Governo nos últimos meses do seu mandato estar a fazer uma alteração
tão profunda num serviço público essencial na cidade”, acusa Ricardo Robles,
referindo-se à Carris e ao Metropolitano
Inês Boaventura /
22-3-2015 / PÚBLICO
Ricardo Robles contesta
a política de urbanismo do município, feita a pensar em investidores e
turistas, e condena o recurso aos contratos emprego-inserção. “É uma vergonha
para a cidade”, diz. Assinala-se agora o primeiro ano da reforma administrativa
de Lisboa. Que balanço faz? A reforma administrativa é um processo que se
impunha há muitos anos, a cidade precisava de uma descentralização que
permitisse a aproximação às pessoas. Sempre que nos candidatámos a Lisboa,
tivemos propostas de reforma administrativa. Não era exactamente este modelo,
era um modelo mais de distritos urbanos. Quanto ao balanço que fazemos, é
evidente que houve muitas melhorias. Não fazia sentido um passeio estar
destruído ou por arranjar durante meses, quando havia um órgão mais próximo,
que era a freguesia, que podia resolver isso. A crítica que fazemos é à forma
como os trabalhadores foram envolvidos. Esta reforma foi muito agressiva com os
trabalhadores, não os envolveu como devia. Está convencido de que tem aumentado
a precariedade na câmara? O Bloco tem insistido muito com a questão da
precariedade e este tem sido um dos motivos que têm criado maior crispação com
António Costa. E nós percebemos porquê. É uma vergonha que na cidade haja
relações com os trabalhadores do município que são, como foi classificado por
Helena Roseta, de escravatura moderna, como é o exemplo dos contratos
emprego-inserção. São trabalhadores recrutados à força, nos centros de emprego,
que trabalham por 83 euros e que têm as mesmas funções que os outros
trabalhadores. A câmara não deveria recorrer a esse mecanismo? a câmara faltou
à verdade quando a confrontámos com isto. Em relação ao número de
trabalhadores? Sim. Em Janeiro de 2014, o presidente disse-nos que eram à volta
de 100 e, na realidade, eram 160, disse-nos o Instituto do Emprego e Formação
Profissional. E em Novembro de 2014 o vicepresidente voltou a dar dados
errados, dizendo-nos que eram 22, quando eram 56. Achamos que são muitos. Mas
mesmo que fosse só um, o que mais ressalta deste problema, que é uma vergonha para
a cidade e para o município, é a forma como o presidente interpreta esta
questão. Ele olha para os contratos empregoinserção como uma oportunidade para
os desempregados, uma forma de eles terem uma remuneração e poderem estar em
melhores condições para se candidatarem no futuro.
E não é verdade?
Não. Há 55 mil contratos empregoinserção no país e não há registo de que algum
fique. São fornadas que são sucessivamente renovadas e ninguém fica. Achamos
que envergonha o município haver trabalhadores com este regime. O BE foi muito
crítico da venda do “triângulo dourado”, em Alcântara, e do terreno junto ao
Hospital da Luz. Porquê? Olhamos para a política de urbanismo deste executivo e
vemos que há, desde a revisão do plano director municipal, uma preocupação mal
orientada para a rentabilidade de quem quer investir no imobiliário. No caso do
“triângulo dourado” e do Hospital da Luz, é um bocadinho esse paradigma: os
planos de pormenor e os planos de urbanização são adaptados de forma a
corresponderem às expectativas dos interessados nesses terrenos. Achamos que o
urbanismo deve ser feito a pensar na cidade, nas pessoas. Naturalmente tem que
ter em conta quem vai investir, mas não pode ser orientado para esses. Os
planos foram alterados a pensar nas manifestações de interesse que tinha
havido? Sim, a história desse Plano de Pormenor do Eixo Urbano Luz-Benfica e do
Plano de Urbanização de Alcântara é essa. São investidores imobiliários, a
Espírito Santo Saúde e o Grupo Mello, que começam por manifestar interesse num
determinado lote, registam esse interesse junto da câmara, a câmara procede à
revisão dos instrumentos de gestão territorial que regem a utilização desse
espaço para os adaptar às ambições desses grupos, aprovaos, depois cria uma
hasta pública para vender esses terrenos e em ambos os casos aparece um único
comprador que compra pelo valor de um euro acima da base de licitação. Achamos
que isto não é de todo transparente, que não é razoável construir-se e pensarse
a cidade em função destes interesses. A câmara favoreceu essas duas entidades?
Sim. O BE tem a convicção de que estas revisões de planos de pormenor e de
planos de urbanização foram feitas para isso, porque o resultado foi esse. E,
portanto, há um favorecimento. O Bloco perguntou à câmara se há um procedimento
que os serviços devam seguir quando há uma manifestação de interesse num
terreno. A não haver, é uma porta aberta à corrupção? Sim. Uma das críticas que
fazemos a este executivo é que tem pugnado pouco pela transparência. O BE tem
insistido muito com requerimentos para poder ter acesso a documentação e muitos
deles têm mais de um ano e ainda não foram respondidos. Apresentaram também uma
recomendação para que essas manifestações de interesse passassem a ser
divulgadas. Isso iria contribuir para acabar com a falta de transparência? Sim.
Sabemos que é no urbanismo que são feitos os grandes negócios e, portanto,
quanto maior for o escrutínio, quando maior for a transparência, a clareza
sobre quem são os interessados e quem são os concorrentes, maior é a facilidade
de poder controlar eventuais processos de corrupção, ou de favorecimento de
alguns dos concorrentes. Neste mandato, mais de metade dos requerimentos da
assembleia não tiveram resposta e muitas respostas chegaram fora do prazo. É
mais uma vez uma questão de transparência? Este mandato está a ser marcado na
assembleia municipal por um elevado ritmo de trabalhos, mas também por um
esforço para que a fiscalização do executivo seja de grande intensidade e de
grande eficiência. E de alguma forma esta pressão exercida sobre a câmara tem
criado algumas situações desconfortáveis.
Relembro a
questão da Colina de Santana, que foi uma iniciativa da assembleia para que um
processo que estava fechado dentro da câmara pudesse ser discutido pela cidade.
E foi uma derrota enorme do executivo que um projecto de especulação
imobiliária gigantesco, de 16
hectares no coração de Lisboa, tivesse sido bloqueado e
parado pela assembleia. No relatório sobre o primeiro ano de actividade da
assembleia, constata-se que o BE é uma das forças políticas com maior
percentagem de reprovação das propostas. Helena Roseta atribuiu isso ao facto
de elas terem uma forte carga política. Revê-se nessa leitura? Somos o grupo
municipal que mais propostas apresentou. Também é verdade que muitas delas são
chumbadas. Mas nós achamos que a assembleia municipal é um órgão político, que
deve fazer propostas e recomendações políticas, sobre política da cidade, que
interessa aos lisboetas. E por isso insistimos nisso, mesmo que às vezes haja
desconforto por parte de outras forças políticas. E o debate que a assembleia
promoveu sobre os transportes, foi importante?
Os próximos meses
vão ser fundamentais para perceber o que vai acontecer. Esse vai ser um grande
teste a António Costa. Achamos que a estratégia que ele está a seguir é
profundamente errada.
Porquê? Porque a
única exigência que faz é ser tratado de igual forma que os outros
concorrentes, coisa com a qual o secretário de Estado dos Transportes tem
concordado e tem dito que essa é a única condição que consegue garantir. Estão
os dois sintonizados desse ponto de vista. Mas o erro estratégico de António
Costa é que ele não pode posicionar-se ao lado dos outros concorrentes, por
duas razões. A primeira é porque existem direitos históricos de Lisboa sobre
estas empresas de transportes e que devem ser salvaguardados a todo o custo. E
a segunda é porque não há outra entidade que possa gerir os transportes públicos
tão bem como o município. Como é que vê o anunciado lançamento de um concurso,
até atendendo às circunstâncias políticas? É um descaramento violento da parte
do Governo nos últimos meses do seu mandato estar a fazer uma alteração tão
profunda num serviço público essencial na cidade. Porque lançado o concurso em
Março, ele será fechado, em princípio, em Junho. Estaremos em pré-campanha
eleitoral para as próximas legislativas e, portanto, é de uma agressividade de
privatização... O Governo devia ter pudor em avançar. Como olha para o caso da
isenção de taxas ao Benfica? Houve uma tentativa de desresponsabilização da
câmara? O executivo de António Costa, não só neste mandato como nos anteriores,
tem-se caracterizado por várias isenções, que num período de carência de
receitas fazem muita diferença. Relembro os grandes eventos na cidade de
Lisboa, o Rock in Rio, as regatas no rio Tejo, que representam vários milhões
de euros, que muita falta fazem ao município. Mas agora vemos um tratamento
preferencial para um clube de futebol, que é totalmente inadmissível, do ponto
de vista político e até do ponto de vista técnico. Os serviços da câmara
pronunciaram-se contra esta isenção, e o executivo não podia ter assobiado para
o lado e remetido essa responsabilidade para a assembleia municipal. A câmara
devia ter rejeitado a pretensão do Benfica? Devia ter seguido as indicações dos
serviços e não fazer uma jogada política de responsabilização da assembleia. António
Costa já devia ter saído da câmara? O BE não tem nenhuma posição fechada sobre
isso, achamos que deve ser o próprio a tomar essa decisão. E não nota que o
trabalho na câmara esteja a ser prejudicado pela acumulação de cargos? A cidade
é prejudicada muitas vezes por uma posição bastante presente do presidente. António
Costa tem dito que quer estender ao país a política anticrise que concretizou
na cidade. Mas, quando foi discutido o último orçamento, o Bloco dizia que a
resposta social à crise em Lisboa está a falhar. Têm sido feitas algumas
coisas, mas a dimensão da crise na cidade precisa de muito mais recursos do que
aqueles que estão a ser aplicados. Desse ponto de vista, achamos que o
executivo não tem assumido os meios para dar uma resposta eficiente à crise. Aliás,
o fundo de emergência social não tem sido aplicado na sua totalidade e,
portanto, existe uma incapacidade de aplicar na realidade o pouco que está a
ser consignado a este combate. Como vê a possibilidade de Fernando Medina
assumir a presidência da câmara? Achamos que o peso político de António Costa
não se compara ao de Fernando Medina, mas a nós interessa-nos sobretudo a
definição de políticas e a execução dessas políticas. Não tanto o intérprete,
mas sim a política que será praticada com a eventual saída de António Costa. E
essa não é de esperar que varie? Julgamos que não. O PS tem tido uma coerência
na aplicação do seu programa e, portanto, prevemos que se vá manter. Quais têm
sido os grandes problemas dessa política? A política de urbanismo marca com
certeza este mandato e é um dos principais problemas na gestão do executivo. E
a questão da transparência. António Costa teria todas as condições para criar
uma câmara municipal com maior transparência, que permitisse uma democracia com
mais intensidade e maior escrutínio da sua execução e não o tem feito. Mas
sobretudo a questão da resposta à crise social, que tem sido manifestamente
insuficiente. Outra área em que há pouco tempo o Bloco dizia que o trabalho
feito tem sido insuficiente é a da habitação... Lisboa perdeu centenas de
milhares de habitantes nas últimas décadas e é preciso inverter esse curso. Têm
sido tomadas algumas medidas, mas que são uma gota de água no oceano. Mas,
sobretudo, achamos que o problema da habitação se cruza com a política do
urbanismo. Este executivo aposta numa política de reabilitação urbana
concentrada na zona histórica, destinada ao investimento no turismo. E não é
possível repovoar o centro de Lisboa quando a esmagadora maioria das
intervenções de reabilitação urbana é para hotéis, e sobretudo para hotéis de gama
alta. É preciso inverter esta lógica. O BE tem feito sempre uma proposta de que
nas intervenções de reabilitação urbana haja uma quota de 25% de habitação a
custos controlados. A cidade tem sido planeada a pensar nos turistas? O turismo
é importantíssimo para a cidade. É um gerador de receita importante e é
importante que a cidade saiba receber bem os turistas. Mas o problema deste
executivo é que só olha para essa vertente e, portanto, temos um centro que
está a ficar descaracterizado. Não existem pessoas a viver na Baixa, no Rossio,
na Praça da Figueira. Existem hotéis apenas. A médio prazo, isto pode ter
custos elevados para o próprio turismo, porque uma cidade que fica
descaracterizada é uma cidade-montra. Como vê as críticas de António Costa
dizendo que o Bloco é alérgico a assumir responsabilidades? O BE foi o grupo
municipal que apresentou mais propostas. Além disso, quando discutimos o
orçamento com o vice-presidente, levámos propostas escritas. Queremos assumir
as nossas responsabilidades em Lisboa, temos propostas e queremos lutar por
elas e que sejam implementadas. Naturalmente não temos nenhum medo do poder,
queremos é que esse poder sirva para que as melhores propostas vinguem. Damos prioridade às propostas e não ao poder.
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