Grécia em contra-relógio impõe-se
no Conselho Europeu
Tema não está na agenda, mas vai
marcar cimeira de hoje e amanhã
Os líderes europeus também se vão
debruçar sobre a estratégia para uma união da energia, apresentada pela
Comissão Juncker a 25 de Fevereiro, que a crise ucraniana tornou urgente
Apesar de não
estar na agenda do Conselho Europeu de hoje e amanhã, a delicada situação
financeira da Grécia vai concentrar as atenções nos próximos dias, sendo certo
que, à margem da cimeira, haverá uma reunião que juntará o primeiro-ministro
grego, Alexis Tsipras, a chanceler alemã, Angela Merkel, o Presidente francês,
François Hollande, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Participarão ainda no encontro o presidente do BCE, Mario Draghi, o presidente
do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente do Eurogrupo, Jeroen
Dijsselbloem.
Não é claro o que
Tsipras vai pedir aos seus interlocutores, já que a opção de um desembolso
parcial antecipado da última tranche do empréstimo europeu à Grécia estava
dependente do progresso rápido das negociações técnicas entre o Governo de
Atenas e os representantes das instituições europeias e do FMI. E a falta de
progresso nessas negociações está a desesperar os responsáveis europeus.
Na tarde de
terça-feira, a pedido de vários dos parceiros europeus, decorreu uma teleconferência
de urgência entre altos funcionários dos ministérios das Finanças da zona euro
e as instituições europeias e o Fundo Monetário Internacional (FMI), para
discutir o bloqueio das negociações. O que se sabe dessa reunião não autoriza
grande optimismo. Segundo a Bloomberg, altos responsáveis do FMI terão dito que
as autoridades gregas são as menos cooperativas com que a instituição já
trabalhou nos seus 70 anos de vida, e os representantes alemães afirmaram que
tentar convencer o Governo grego a delinear um programa económico credível é
como “montar um cavalo morto”.
Na segunda-feira,
o porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, reconheceu que “a
situação é grave”. Ontem, também Jean-Claude Juncker declarou que continua
“preocupado”. “Não estou satisfeito com os progressos que pudemos realizar
durante os últimos dias”, admitiu, numa conferência de imprensa conjunta com o
primeiroministro francês, Manuel Valls.
A possibilidade
da saída da Grécia da zona euro, antes refutada vigorosamente pela generalidade
dos responsáveis europeus, parece hoje menos remota do que nunca. Numa
entrevista ao jornal alemão Die Welt, publicada ontem, o comissário europeu
para os Assuntos Económicos e Monetários, Pierre Moscovici, que sempre se
recusou a considerar qualquer hipótese de fracasso nas negociações com Atenas,
avisou: “Não manteremos a Grécia na zona euro a qualquer custo.” Acrescentou,
no entanto, que uma saída traria “graves danos” à Europa.
Divisão sobre a
Rússia
Na cimeira
europeia, que se iniciará esta tarde, os chefes de Estado e de governo dos 28
vão começar por debater, na presença da alta representante da União Europeia
(UE) para os Assuntos Externos, Federica Mogherini, as relações com os países
da Parceria Oriental (Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Moldávia e
Ucrânia), à luz da crise ucraniana e da relação com Moscovo, que é o ponto
central.
O ponto mais
controverso da discussão será a questão das sanções contra a Rússia, com alguns
países a defender que se deve já avançar neste Conselho Europeu com uma
extensão automática das sanções actuais — umas expiram em Julho e outras em
Setembro — até Dezembro. Nesse grupo incluem-se o Reino Unido, a Polónia, a Suécia
e os países bálticos. A chanceler alemã também se inclina para esta solução,
que depende do cumprimento integral do segundo acordo de Minsk.
No entanto,
muitos Estados-membros preferiam deixar a decisão de prolongar ou não as
sanções para o Conselho Europeu de Junho. “Não é necessário tomar uma decisão
já. As sanções estão em vigor até ao Verão, portanto ainda há muito tempo para
uma decisão”, assegurou o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco,
Sebastian Kurz, à entrada do Conselho de Assuntos Externos de segunda-feira, em
Bruxelas.
Para chegar a um
texto de compromisso, Donald Tusk tem trabalhado de perto com Merkel e
Hollande, explicou uma fonte próxima do presidente do Conselho Europeu, porque
está convencido de que uma proposta apoiada pelos
dois líderes
europeus que estiveram na negociação do cessar-fogo em Minsk terá mais
hipóteses de recolher a aprovação dos outros líderes. A solução poderá passar
por uma formulação que crie uma ligação directa entre a revogação das sanções
actualmente em vigor e a aplicação completa dos acordos.
Quanto à situação
na Líbia, que também será discutida em Bruxelas, não deverá motivar grande
debate. Nesta segunda- feira os chefes da diplomacia europeus adoptaram uma
posição comum, em que expressam o seu apoio ao processo de diálogo político
entre as diferentes facções líbias, que decorre actualmente em Rabat sob a
égide das Nações Unidas.
Os líderes
europeus também se vão debruçar sobre a estratégia para uma união da energia,
apresentada pela Comissão Juncker a 25 de Fevereiro, que a crise ucraniana
tornou urgente. O ponto que mais discórdia tem gerado é a atribuição à Comissão
do poder de avaliar todos os acordos energéticos entre Estados-membros e países
fornecedores, nomeadamente a Rússia, mas também entre empresas de energia
europeias e de países terceiros. O objectivo será garantir que estes contratos
sejam conformes ao direito europeu e que não comprometam a segurança energética
da UE.
Alguns
Estados-membros vêem nessa intenção do executivo comunitário uma ingerência de
Bruxelas. No mês passado, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, afirmou
mesmo que a união energética era uma ameaça à soberania da Hungria.
Haverá tempo
ainda para uma discussão sobre os objectivos estabelecidos pela Europa para a
conferência das Nações Unidas sobre o clima, que terá lugar em Paris no mês de
Dezembro. A UE submeteu a 6 de Março a sua proposta de reduzir até 2030 as
emissões de gases com efeito de estufa em 40% em relação aos níveis de 1990.
Espera-se, por isso, uma declaração de apoio dos chefes de Estado e de governo
a esse objectivo, que a França quer obter para garantir que a “sua” conferência
sobre o clima resulta num acordo ambicioso.
A Europa brinca com o fogo?
Análise / Teresa
de Sousa / 19-3-2015 / PÚBLICO
1.Jogo de póquer?
Berlim faz bluff ? Ou é Atenas? As respostas ainda estão à espera de alguns
esclarecimentos adicionais. A primeira, que diz respeito a Berlim, é
fundamental. Angela Merkel entregou a gestão da crise grega ao seu ministro das
Finanças, através do Eurogrupo. Não quer a Grécia na agenda oficial da cimeira
que hoje começa em Bruxelas, mas parece estar disposta a falar com o seu
homólogo grego, Alexis Tsipras, à margem da reunião, por forte insistência
deste último, e na companhia do Presidente francês e dos presidentes da
Comissão e do BCE. Antes tinha confirmado que receberia o seu homólogo grego na
segunda-feira em Berlim. Reserva totalmente o jogo. Entretanto, Wolfgang
Schäuble eleva a parada, aproximando-se de um ponto de não retorno. Não é
apenas a inflexibilidade quanto às reformas. O ministro voltou a colocar o
cenário da saída do euro em cima da mesa e acrescentou-lhe outro, ainda mais
preocupante: o chamado “Grexident” (a Grécia pode entrar em default por
acidente, tornando a sua saída irreversível).
As interpretações
do seu jogo não são unânimes. Para alguns analistas, trata-se de exercer a
pressão máxima sobre Atenas para que mantenha os compromissos com as reformas e
as metas definidas pelos credores. Para outros, Berlim chegou à conclusão de
que uma saída da Grécia não teria um custo demasiado elevado, como teria tido
em 2010, graças à menor exposição da banca europeia à dívida grega e à panóplia
de novos instrumentos que a zona euro entretanto criou para limitar um
contágio. Muitos governos europeus discordam, como discorda totalmente a
Comissão Europeia. Aceitam-se apostas.
2. Do outro lado
surgem sinais contraditórios que dificultam o entendimento sobre o que tenciona
fazer o Governo grego. O Syriza encontra-se na posição “insustentável” de ter
de “adiar” as promessas que fez aos gregos nas eleições de Janeiro. Calculou
mal os apoios europeus e avaliou ainda pior a sua capacidade de pressão sobre
Berlim, convencido que o risco de saída assustaria toda a gente. A posição de
Alexis Tsipras é extremamente difícil. Continua a insistir que a Grécia não se
deixará chantagear. Mas, ao mesmo tempo, move-se quase desesperadamente para
encontrar uma solução, indo ao ponto de avisar que os cofres gregos estão
perigosamente vazios. Aparentemente, Atenas tem uma escolha difícil: ou paga a
dívida que vence este mês, ou as pensões e os salários da função pública. Nesta
situação, Tsipras tem de calcular muito bem os passos que dá, sob pena de
realizar a profecia da saída “acidental” de Schäuble. Por enquanto, continua a
jogar com um pau de dois bicos. No dia em que a chanceler aceitou recebê-lo em
Berlim no dia 23, o Governo grego anunciou a sua deslocação a Moscovo no dia 8
de Abril. É, mais uma vez, uma jogada arriscada que surge numa altura em que “o
efeito Varoufakis” já não faz rir ninguém e o ar cordato de bom rapaz que
Tsipras exibe em Bruxelas também já não conta para muito. Ontem, os únicos
aliados de que dispõe, Juncker e Pierre Moscovici, o comissário responsável
pelos Assuntos Económicos e Monetários, revelaram o seu desânimo quanto às negociações,
aumentando também eles a pressão sobre Atenas.
3. Se era preciso
mais algum sinal de que a questão grega envolve riscos enormes, mesmo que de
outra natureza, ele veio de Washington. O Presidente Obama tem pressionado os
responsáveis europeus para que resolvam rapidamente e a bem o problema grego. Decidiu
enviar a Atenas Vitoria Nuland, subsecretária de Estado para a Europa e a
Eurásia, para avaliar in loco a situação. Para Washington, a questão é
fundamentalmente geopolítica. Deixada à sua sorte, a Grécia poderia inclinar-se
cada vez mais para Moscovo, quebrando os laços com o Ocidente que a União
Europeia garante. “A Rússia tem um grande interesse em ver a crise grega
agravar-se”, diz ao Guardian Dimitris Keridis, professor de Ciência Política na
Universidade de Atenas. “Precisamente porque [uma saída] afectaria a zona euro,
enfraqueceria a Europa e afastaria a Grécia do Ocidente.” O diário britânico
lembra que poucos sítios são tão importantes na região como a ilha de Creta,
“onde estão instaladas capacidades de comando e controlo e apoio logístico aos
Estados Unidos e à NATO”. “Se a Grécia saísse, a Turquia poderia ir a seguir.”
Pelo menos
publicamente, esta preocupação não parece incomodar os europeus, embora a
questão mais séria que Merkel quer discutir no Conselho Europeu seja a relação
com a Rússia. Há, todavia, entre os europeus outro debate que é mantido quase
em surdina e que diz respeito a um outro contágio, mas de natureza política. Muita
gente defende que é preciso mostrar que o Syriza acabará por fracassar no seu
objectivo de mudar as regras do jogo. O cenário contrário seria uma oferta ao
Podemos e ao Cidadãos em Espanha, dando aos movimentos populistas mais um bom
argumento para conquistar votos.
O problema é que
há coisas “impossíveis” que rapidamente se tornam possíveis. Já ninguém fala da
Crimeia, ocupada e anexada pela Rússia, porque uma coisa impossível aconteceu. A
saída “impossível” da Grécia pode rapidamente tornar-se possível. Claramente, a
Europa não está a conseguir definir aquilo que é o seu interesse fundamental,
que permita ver os vários desafios que enfrenta num contexto global. Também não
se espera que haja esse debate no Conselho Europeu. As decisões tomamse cada
vez mais à margem das cimeiras por um núcleo reduzido de protagonistas. É
também por isso que os extremos ganham força política.
Primeira lei do novo Governo
grego é de luta contra a pobreza
Mal-estar entre o executivo de
Atenas e os credores internacionais voltou a perceber-se pela reacção grega à
intervenção de responsáveis europeus que defenderam “consultas” prévias à
votação do diploma
Com o apoio dos
principais partidos da oposição, o Governo grego fez ontem aprovar a primeira
lei desde que chegou ao poder, no fim de Janeiro. É um pacote social destinado
a aliviar as dificuldades dos mais atingidos pela crise.
Executivo de
“salvação nacional” liderado por Alexis Tsipras avisa que não cederá a ameaças
europeias
João Manuel Rocha
/ 19-3-2015 / PÚBLICO
O ambiente que
rodeou a aprovação do primeiro diploma do “Governo de salvação nacional”, como
lhe chamou o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, confirma que o diálogo entre o
executivo de Atenas e os credores continua tenso, numa altura em que decorrem
negociações que permitam à Grécia receber a última fatia do empréstimo da
troika: cerca de sete mil milhões de euros.
Mas esse ambiente
mostrou também um grande consenso interno sobre a necessidade de uma resposta
humanitária à crise. Além do natural apoio dos Gregos Independentes, parceiro
nacionalista do partido de esquerda Syriza, a lei recebeu os votos favoráveis
dos conservadores da Nova Democracia, principal força da oposição, e dos
socialistas do Pasok.
O diploma dá
forma a promessas eleitorais do Syriza de resposta à “crise humanitária”. Prevê
o fornecimento de 300 kw de electricidade gratuita até ao fim do ano a famílias
que não a podem pagar, apoios ao arrendamento que podem ir de 70 a 220 euros mensais e ajuda
alimentar a cerca de 300 mil pessoas. Inclui também, segundo a AFP, medidas de
auxílio a desempregados e a pessoas que ficaram sem Segurança Social. Está
ainda prevista a criação de um “secretariado” de luta contra a corrupção.
O mal-estar entre
Atenas e os credores voltou a tornar-se visível, depois de, na terça-feira, o
Governo ter reagido com dureza a informações que entendeu como pressão da
Comissão Europeia para evitar a aprovação do pacote social. As reacções
aconteceram após a publicação de um texto no blogue do jornalista Paul Mason,
do Channel 4 News britânico, segundo o qual o representante europeu no grupo de
credores, Declan Costello, recomendou “consultas” prévias à votação da lei.
Segundo a transcrição feita pelo jornalista de uma mensagem, Costello escreveu:
“Recomendamos vivamente consultas políticas prévias”, para avaliar a coerência
com os “esforços de reformas”. “Fazer de outra forma seria proceder
unilateralmente e de modo fragmentário, o que não seria coerente com os
compromissos assumidos, nomeadamente no Eurogrupo de 20 de Fevereiro”.
A mensagem teria
também em mente uma segunda lei que o Governo grego tem na forja — permitir o
pagamento fraccionado de impostos em atraso.
Sem se referir em
concreto ao texto de Declan Costello, Gabriel Sakellarides, porta-voz do
executivo grego, falou em “veto” e em “pressão”.
O comissário
europeu Pierre Moscovici também reagiu depressa para dizer que Bruxelas defende
“plenamente o objectivo de ajudar os mais vulneráveis” e negou “um qualquer
veto” a medidas urgentes de natureza humanitária. Costello “quis sublinhar que
há um acordo-quadro e que as autoridades gregas devem trabalhar com as
instituições, o que implica consultas” para “avaliar o impacto orçamental”,
disse o comissário.
Atenas “não tem medo”
Mas, já depois da
declaração de Moscovici, Tsipras disse que o seu Governo “não tem medo” de
“ameaças”. A primeira lei do novo executivo “responde com determinação a alguns
dos nossos credores, a alguns tecnocratas, que dizem que as medidas contra a
crise humanitária constituem uma acção unilateral”, afirmou, citado pela AFP.
“Em nome de que Europa se ousa falar de acção unilateral”, quando se trata de
lutar contra a pobreza, questionou, indignado, o chefe do Governo grego.
“Alguns pediramnos para congelar essas leis, nós respondemos votando essas
leis.”
Alexis Tsipras
declarou-se, contudo, “aberto a propostas internas e externas”. Manifestou o
desejo de “respeitar o acordo de 20 de Fevereiro” com os credores, mas disse
que “os parceiros devem fazer o mesmo”. O entendimento do mês passado prolongou
por quatro meses a ajuda financeira à Grécia, mas a libertação de fundos está
dependente de uma avaliação positiva dos credores.
A incerteza sobre
a evolução da situação grega reflectiu-se na Bolsa de Atenas, que encerrou a
sessão de ontem a perder 4,13%. Os bancos caíram 8,26% e as taxas de obrigações
gregas a dez anos subiram para 11,185%.
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