quarta-feira, 18 de março de 2015

O que Cavaco quis dizer em Paris / Por Luís Osório.


O que Cavaco quis dizer em Paris
Por Luís Osório
publicado em 18 Mar 2015 in (jornal) i online

Cavaco Silva foi em Paris de uma espantosa clareza. No encontro com portugueses, ou ontem na conferência feita em conjunto com François Hollande, mostrou estar alinhado com Passos Coelho e para muitos observadores isto provou que o Presidente decidira terminar a carreira política defendendo o PSD. Nada de mais errado. Não o fez por isso.

Há dez anos, ainda nos lembramos que uma das críticas mais recorrentes era a de o perfil de Cavaco não se adequar à função, a sua vontade de mandar não seria compatível com os estofos e lustres de Belém. Outra ideia transformada em dogma, após a derrota de Sócrates, passava pela constatação de que o Presidente não suportava Passos. Não se concretizou a primeira premissa nem a segunda, a existir, teve consequências de maior. Cavaco fez do silêncio sepulcral estratégia; um verdadeiro manto de silêncio sobre encontros, reuniões, confissões e desmandos. Com isso tentou ou estabeleceu um link de influência que, aos olhos desarmados, não teve qualquer repercussão. O país viveu uma das piores crises da sua história, o BCP foi tomado de assalto, Ricardo Salgado destruiu o nome Espírito Santo até às calendas, a PT entrou em colapso, mas o Presidente da República refugiou-se sempre num insuportável silêncio cortado em ocasiões especiais em que mais valia ter ficado calado. Quanto à proximidade com Passos, nada se alterou de substancial. Como no passado, pouco continua a aproximar o Presidente do primeiro-ministro. Talvez uma certa ideia de frugalidade. De resto, nada. Academicamente, no percurso partidário, na ideologia ou nos costumes, zero. Cavaco e Passos são aliados circunstanciais.

O Presidente está preocupado com a história, é isso que o move agora, a forma como será visto pelas gerações que nos substituírem. Neste aspecto a sua lógica é diferente da de Soares ou Cunhal. O fundador do PS criou a sua própria fundação, escreveu livros e memórias, deu entrevistas e marcou a história com uma presença activa, um ferro em brasa. Já Cunhal fê-lo com o silêncio. Nos últimos anos pouco ou nada falou, tornou-se um mito pelo que não disse, pelo que se intuiu do que poderia ter dito, pensado ou feito.

O que Paris provou foi que Cavaco, egocêntrico e providencial, está interessado em transmitir a ideia de que é o homem por detrás do êxito patriótico que nos salvou da bancarrota. O homem por detrás do funcionamento da justiça que, por uma vez, conseguiu prender políticos como Sócrates que, não por acaso, com ele entrou numa guerra sem quartel. Que é o homem por detrás dos acordos internacionais, das descidas das taxas de juro. Que é o homem que, a partir de Belém, qual rei mago, manobrou para que não nos perdêssemos.

Ontem, ao lado de Hollande, ou anteontem com portugueses, falou como se fosse primeiro-ministro. Com a confiança dos grandes senhores desceu do palácio para dizer ao ouvido do povo que não havia nada para recear pois ele sempre estivera numa posição de vigilância, nada nos poderia correr mal. Não sejamos ingénuos. Cavaco não quer ajudar o PSD ou Passos Coelho. Quer menorizá-los na exacta medida da sua própria glória. Quer que a história o reconheça como a boa moeda no país das moedas duvidosas.


Passos Coelho não quererá levar esta farsa muito mais longe. Um abraço de Cavaco em tempo de eleições é um abraço que o estrangulará. Cavaco não é aliado com quem valha a pena fazer sala aos olhos do país.

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