ENTREVISTA
"A principal influência de
um líder é a pedagogia dos seus actos"
NUNO SÁ LOURENÇO
25/03/2015 - 20:01
Henrique Neto candidata-se a Presidente porque quer forçar os partidos e o
país a debaterem uma estratégia nacional. Um debate essencial num país sem
estratégia desde que aderiu à União Europeia
Aos 78 anos, já
reformado, o empresário e ex-deputado do PS critica todos os governos que
passaram por São Bento. Continua à espera da “visão” de António Costa para o
país. Considera a detenção de Sócrates “previsível”, não acredita na capacidade
de Guterres como Presidente e penaliza-se com o processo de fuga fiscal em que
viu envolvida uma das suas empresas
Porque anunciou a
candidatura no Padrão dos Descobrimentos?
É monumento
simbólico, do período em que Portugal teve uma estratégia clara que nos colocou
à frente do mundo. Quis, de alguma forma, dizer que não há razão para não
repetir isso.
Qual a estratégia
que defende?
Sempre defendi
uma estratégia euro-atlântica. O que fizemos depois de termos entrado na CEE
foi esquecer toda essa tradição do século XV, a cultura e até as estruturas que
tínhamos para nos dedicarmos a ser os
bons alunos da União. Isso empobreceu muito o país, do seu prestígio
internacional e economicamente. Como bons alunos, seguimos tudo o que a UE nos
disse e abandonámos a agricultura que foi o nosso sustento ao longo dos
séculos. Tínhamos que modernizar, sem dúvida, mas nunca abandonar. Abandonámos
as pescas. Mesmo na indústria, acabámos com a metalo-mecânica pesada,
acreditámos que o calçado e a confecção iriam desaparecer, apostámos numa
economia de serviços.
Essa estratégia
implica o quê?
Portugal deve ser
a porta da Europa para as Américas, África e Oriente. Reduzir a nossa
estratégia ao espaço europeu torna-nos periféricos.
Defende que nos
tornemos intermediários no comércio internacional?
Não apenas. Eu
defendo há muitos anos o porto de Sines, o que implica uma logística. A nossa
economia é pequena e a vocação de Sines é o transshipment, ou seja, os grandes
navios que cruzam o Atlântico com contentores terem um local onde descarregam e
depois, outros navios distribuem pelo Norte da Europa. Se tivermos massa
crítica, seremos o local da Europa mais desejável para investir no que eu chamo
de empresas integradoras, como a Auto Europa. Hoje, para se produzir um
automóvel, um aspirador, um telemóvel, os componentes vêm de todo o mundo. O
local onde os navios passam trazem os componentes de todo o mundo de forma
barata para uma empresa que se queira localizar nessa região. E depois os
produtos finais são enviados para o mundo com o mínimo de custos.
Essa visão é para
levar a cabo pelo governo e não por um Presidente…
Não
necessariamente, a intenção desta candidatura - e por isso avançámos relativamente
cedo – é dialogar com os portugueses mas também com os partidos sobre o país
nos próximos 10 ou 15 anos. É evidente que essa estratégia terá de ser assumida
por um governo. Temos a ambição que essa estratégia – que serão duas páginas –
venha a ser a base de um entendimento entre partidos se houver necessidade
pós-eleitoral. É essencial que os partidos digam qual a sua estratégia. Não
podemos viver a gastar milhares de milhões de euros em investimentos inúteis
porque não servem uma estratégia.
Do que já ouviu
de António Costa, acha que tem uma estratégia?
Gostaria que
tivesse. Ainda não consegui perceber. O problema não é apenas do PS ou de
António Costa. É de todos.
A Agenda para a
Década não é uma estratégia?
É uma listagem
que depois ninguém lê! Fazem-se as legislativas e vamos supor que não há
maioria absoluta e que PS e PSD se sentam para discutir uma coligação. O PS
apresenta a sua Agenda para a Década. Nunca chegarão a acordo, porque está ali
tanta coisa que o PSD recusa. Se o PSD fizer o mesmo, o PS vai dizer que metade
daquilo é impossível. Mas se alguém apresenta algo mais conciso, já dá para se
sentarem. Permitindo um acordo de princípio que depois poderá ser trabalhado.
Caracteriza o
país como uma ilha ferroviária, o que lembra a aposta de José Sócrates no
sector…
O TGV poderia ter
sido um passo na direcção certa, mas quando pensou nisso o país já não estava
em condições. Porque andou a fazer auto-estradas, endividar o país para lá da
razoabilidade, esquecendo as gerações futuras, fazendo-o de forma anárquica,
com as PPP. Se Sócrates tivesse estratégia, teria prioridades. Quando esses
Governos optaram pelo transporte rodoviário à outrance, a opção era a da Europa
há 40 ou 50 anos. Quando Sócrates aposta nisso já era evidente que o futuro era
a ferrovia. Por razões ambientais, energéticas, de congestionamento e até, no
nosso caso, por sermos periféricos. Exportar para a Europa por camião traria
mais problemas.
Como encara a
detenção do ex-primeiro-ministro?
É uma questão
muito séria. É um grande problema para o país. É grave que apareça nos jornais
do mundo que Portugal tem um ex-primeiro-ministro detido por aqueles motivos. Claro
que era previsível. Mas que fique claro que não tenho ódio a José Sócrates.
Porque diz que
era previsível?
A principal
influência de um líder é a pedagogia dos seus actos. Costumo dizer que, quando
se toma uma decisão, o mais importante é a pedagogia. O primeiro-ministro é
visto pelo país inteiro, como o Presidente da República. Se esses exemplos são
maus, se são autoritários no mau sentido, se não são transparentes, se não
explicam as coisas, se se escondem factos, a pedagogia errada passa para o
país. O caso BES, o caso PT não seriam possíveis se o Estado, os Governos, as
Presidências tivessem levantado problemas à ausência de pedagogia do poder. Isso
impressionou-me sempre. De hiatos que não eram explicados, de uma tentativa de
controlo dos meios de comunicação e da Justiça. Vi muitas coincidências a
amontoar-se, muitas empresas quase de vão de escada a surgirem por apoio do
poder político e dos bancos que estavam quase sob a administração do poder
político, toda a gente recorda o BCP, a OPA à PT. E o primeiro-ministro de
então estava metido nisso até às orelhas.
É um retrato de
um país sem regular funcionamento das instituições?
A minha
candidatura pretende fazer uma interpretação exigente disso. Quando os
jornalistas pedem informação aos órgãos de poder, ministérios, estando na lei
que a informação é devida e não é dada, para mim isso não é o regular
funcionamento das instituições democráticas. Também não é normal que um Governo
decida um investimento como o previsto para o Barreiro sem o explicar. Ao não
se explicar, o país começa logo a pensar ‘lá estão eles com os interesses’.
Que faria perante
um governo assim?
Se, de forma
continuada, um governo mantivesse uma postura desse tipo e se isso começasse a
dar azo a conflitos, se estivesse – como neste momento – com dificuldade em
assumir as reformas necessárias, dissolveria o Parlamento. Apesar de ser pela
estabilidade.
As notícias sobre
a carreira contributiva de Passos Coelho também não fazem pedagogia?
É um caso
completamente diferente, não tem em escala, dimensão ou estilo de governação
qualquer comparação com José Sócrates. Mas é uma pequena mancha com que Passos
Coelho fica.
Prejudica a
imagem de Passos Coelho?
Sim, mas os
portugueses é que vão decidir. Não vale a pena tanto debate com coisas que os
portugueses têm poder para julgar. O problema do país são as grandes questões
em relação às quais os portugueses não têm poder de julgamento. De que não se
mostra ao país o prejuízo que daí resulta.
Não é importante
o apoio do PS?
Dizer que o PS
não é importante é um erro. Sou militante socialista e quando António Costa diz
que a minha candidatura não é relevante, tenho de dizer que o PS para mim é
muito relevante. Mas esta candidatura é independente. Tenho consciência que o
apoio dos partidos – nomeadamente do PS - é meio-caminho para a vitória. Todavia,
as candidaturas partidárias têm sempre compromissos iniciais e futuros, que não
estou disponível a aceitar. É mais realista manter esta decisão de ser um
candidato independente.
A candidatura de
António Guterres fá-lo-ia desistir?
Já não. António
Guterres é um homem com qualidades muito especiais e por quem nutro admiração. Mas
teve práticas políticas na sua governação – não ter uma estratégia – a ponto de
eu lhe ter escrito uma carta aberta em que já expunha algumas destas coisas de
que falo. Guterres foi eleito, entre outras coisas, com críticas fortes à
política de betão de Cavaco Silva. Ele aumentou a política de betão. Também
trabalhou na política da educação mas a política de betão foi fatal. Além
disso, foi muito influenciado por pessoas que o rodeavam. Não considero que
António Guterres possa regressar a Portugal e fazer as mudanças que o país
necessita.
Há dois anos foi
noticiado que teve de regularizar junto do fisco…
…Não fui eu, foi
a empresa.
A Iber-Oleff teve
de regularizar um pagamento de 30 mil euros…
Foram cerca de 17
mil euros…
Devido a
irregularidades fiscais…
Fuga ao fisco,
não fuja às palavras (risos)…
Isto prejudica a
sua candidatura?
(Longo suspiro)
Nunca se sabe. Posso dizer-lhe que prejudicou a minha vida como empresário. Tinha
11% do capital da Iber-Oleff, não tinha nenhum cargo na empresa. A maioria de
capital era de uma empresa alemã. Essa empresa abriu falência. Essa empresa
começou a desnatar a Iber-Oleff através de facturas de serviços que não
existiam. Sendo legal, comecei a preocupar-me, a ver as contas com mais
atenção. Mas não me apercebi que, paralelamente, tinham feito um off-shore e
que enviavam dinheiro para depois reenviar para a empresa. Isso não sabia
embora desconfiasse. Porque tínhamos um director financeiro na Iberomoldes que
era também director financeiro na Iber-Oleff e comecei a ver comportamentos,
como ir para o estrangeiro sem eu saber onde. Até que um dia me entrou pela
casa dentro um procurador a dizer-me que tinha de aceder aos computadores. Viram
os computadores, foram a minha casa não encontraram nada, mas na empresa
encontraram qualquer coisa. O procurador disse-me que haveria um processo.
Acontece que eu tinha recebido da empresa cerca de 17 mil euros com uma
justificação de viagens, disto e daquilo. Fui descuidado em relação a esses 17
mil euros. Sou culpado disso, não o nego.
Quando desconfiou não reagiu?
Quando vi que a
empresa estava a ser descapitalizada, pus o problema aos sócios. Dizer que isto
não me afectou é faltar à verdade. Apesar de ser uma soma ridícula, causou um
grande mal-estar na sociedade. Quer na Iber-Oleff, quer na Iberomoldes. O
financeiro que fez isso foi para a rua, impus entre aspas a minha entrada no
conselho de administração, mas a relação dos sócios estava inquinada. Foi a
razão principal para que acabasse com a minha presença na empresa e acabasse
também por me reformar. Lamento e não é uma coisa de que me orgulhe.
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