Uma questão de método
LUÍS DE SOUSA
19/03/2015 - PÚBLICO
Nas comissões de inquérito a escândalos de corrupção política e fraude
bancária, os resultados têm sido parcos.
Num artigo de
opinião publicado no Correio da Manhã em 02-01-2015, Paulo Morais afirmara que
uma das principais causas da derrocada do BES teria sido uma alegada “fuga de
capitais para Angola sem controlo, através do BES Angola (BESA)”.
O artigo fazia
referência a uma lista de nomes, já divulgada pela comunicação social
independente angolana, de alegados beneficiários de empréstimos por parte do
Banco Espírito Santo – Angola (BESA) para negócios pessoais ficando os
depositantes do BES “a ver navios”. Como concluíra oportunamente a deputada
Mariana Mortágua, membro da Comissão de inquérito ao BES, num artigo de opinião
publicado no www.esquerda.net em 26-12-2014, “O problema não é [o BES] ter
emprestado dinheiro a Angola. É ele ter sido gasto de forma potencialmente
danosa e fraudulenta.”
Contudo, não foi
a divulgação de um conjunto de nomes associados ao regime de Angola que
despertou o interesse dos deputados e causou a estupefacção de alguns
jornalistas de corte, mas o facto de Paulo Morais ter afirmado que essa longa
lista de empréstimos era “ignorada pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao
BES”. Essa “acusação” não podia passar em branco.
Não obstante
Paulo Morais assine o seu artigo como professor universitário, foi através da
Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) que o Presidente da
Comissão parlamentar de inquérito ao BES solicitou, em carta de 13-02-2015, que
Paulo Morais fornecesse, entre os documentos que possuía sobre os alegados
beneficiários (sendo que a palavra “documentos” nunca fora utilizada pelo
visado), o “Anexo à Garantia Soberana do Estado de Angola sobre os créditos do
BESA”, como se Paulo Morais ou a TIAC tivessem a obrigação de ter isso consigo
ou tivesse se quer poderes de inquérito judicial para recolher essa prova.
Neste episódio, a
confusão de papéis é um mal menor: Paulo Morais era, para todo os efeitos,
dirigente da TIAC; mas o que não é admissível é a aparente indiferença da
Comissão perante informação do domínio público que pode (ou não) ajudar a
desvendar o destino desse dinheiro e à recuperação do capital desviado. Em vez
de agir sobre informação que era já pública – e que em Portugal era
olimpicamente ignorada – nomeadamente, convidando a testemunhar os jornalistas
e activistas angolanos que se ocupam de escrutinar diariamente os negócios da
classe política do seu país, a Comissão agiu sobre quem trazia esta informação
a lume, pedindo ao mensageiro que entregasse a prova documental que só as
instâncias judiciais (incluindo a própria comissão de inquérito) têm autoridade
e recursos para desvendar.
Esta passividade,
perante aquela que é provavelmente a única alegação pública sobre os
destinatários dos empréstimos do BESA, é a reação normal das autoridades
portuguesas sempre que em qualquer país terceiro surgem informações ou notícias
sobre suspeitas de que empresas nacionais subornaram funcionários ou políticos
estrangeiros, ao arrepio da Convenção da OCDE de 1997. Não por acaso, a
conclusão dos avaliadores da OCDE sobre o desempenho das autoridades
portuguesas nesse domínio assenta que nem uma luva à comissão de inquérito:
“The lead examiners are gravely concerned that Portuguese authorities
repeatedly fail to investigate foreign bribery allegations thoroughly and
proactively” (Phase 3 Report on Implementing the OECD anti-bribery convention
in Portugal, Junho 2013).
As comissões de
inquérito em S. Bento funcionam com diferentes níveis de intensidade e
qualidade; contudo, no que concerne as comissões de inquérito a escândalos de
corrupção política e fraude bancária, os resultados têm sido parcos. Falta
vontade política, mas falta também método.
No Reino Unido,
as comissões de inquérito recorrem com frequência a notícias veiculadas na
comunicação social, fóruns e redes sociais para recolher evidências, mesmo que
estas careçam de documentação de suporte ou uma certeza sobre a sua fonte
primária, sendo a comissão responsável pela verificação da credibilidade dos
conteúdos e pela decisão da sua utilização ou não no decorrer dos trabalhos. Em
Portugal, as comissões de inquérito dão-se ao luxo de excluir alegações de
práticas fraudulentas nos media estrangeiros na fase preliminar dos trabalhos.
Assim não vamos lá...
Presidente da
TIAC (lmsousa@ua.pt)
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