Até que ponto importa a moral de
Salgado?
Mariana Mortágua
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7:00 Sexta feira,
13 de março de 2015 / http://expresso.sapo.pt/ate-que-ponto-importa-a-moral-de-salgado=f914925
"A moral
importa, mas as pessoas são capazes de praticar atos imorais quando acreditam
que são moralmente superiores" escrevia William Black, antigo regulador e
criminologista financeiro. Mas não só, há ainda as pessoas que praticam atos
imorais porque acreditam que estão a prevenir males maiores, e as outras, para
quem, dadas as circunstâncias, a 'imoralidade' é a coisa mais racional a fazer.
No meio de todas estas haverá uma minoria que age por 'puro mal', ganância ou
egoísmo. O ser humano é moralmente complexo, e não um soldadinho de chumbo. A
história está pejada de 'atos imorais' praticados por pessoas que acreditavam
ser honradas - de banqueiros a bancários, de reguladores a governantes. A
questão de fundo é: pode a estabilidade de um sistema depender unicamente da
'honradez e moral' dos seus intervenientes?
Olhemos para o
início da crise financeira, nos Estados Unidos da América. Contrafação de
créditos hipotecários, que se sabia serem de péssima qualidade, lavados por
agências de rating - cheias de profissionais sérios - e comercializados por
reputados bancos de investimento, como o Goldman Sachs ou o Citigroup. Não foi
a única vez na história. Uma das mais famosas peças legislativas em termos de
regulamentação de mercado foi elaborada para travar os intentos da família
Rockefeller, dona da Standard Oil Co. Inc. A
multinacional, uma das primeiras holding, era especialista em elaborar
esquemas corporativos para contornar regras anti-monopólio... em 1890.
Há pelo menos 125
anos que a história nos demonstra que a fraude não faz nem mais nem menos parte
do sistema capitalista que a honradez. E que, por mais que os fundamentalistas
encham livros e revistas científicas, tomem conta das salas de aula e dos
bancos centrais, os mercados não regulam ninguém, e muito menos a si mesmos:
não são uma fonte fidedigna de informação, não avaliam o risco corretamente,
não produzem automaticamente os preços certos, ou os incentivos apropriados.
A fraude é um
mecanismo de acumulação, em particular durante períodos de estagnação ou crise
económica, especialmente se coincidirem com épocas de liberalização e
desregulamentação da finança.
O economista
americano James Galbraith identificou duas fases particulares entre o stress
inicial (uma crise, por exemplo), e o colapso. Na primeira, as empresas
procuram obter recursos baseados em premissas falsas, um excessivo otimismo
suportado na ideia que 'alguma coisa vai acontecer' par inverter o processo. Na
segunda fase, conscientes da gravidade da situação, os administradores acabam
por se envolver em esquemas mais sofisticados e mais fraudulentos. O objetivo é
aceder a quaisquer fontes de rendimento, tanto quanto for possível, enquanto a
reputação da empresa o permitir. Quanto menos há a perder, maior a gravidade
das práticas.
Já ouvimos esta
história. É, em traços gerais, a história dos Espírito Santo, contada por um
americano antes do colapso do grupo. O que é que isto quer dizer? Bom,
basicamente quer dizer que a existência de Ricardo Salgado é importante para os
contornos específicos (judiciais e políticos) deste caso, mas relativamente
indiferente para o problema de fundo: o funcionamento do sistema financeiro.
Há muito para
fazer neste campo - dos hedge funds aos derivados - mas, se pensarmos bem, o
problema não está apenas nas práticas como também na expansão da finança para
áreas da sociedade que dela deviam estar protegidas: a saúde, a educação, a
proteção na velhice e, acima de tudo, a democracia. O controlo público da banca
não resolve todos os males, mas é uma das formas mais eficazes de alinhar os
interesses do sistema com os da sociedade e da economia, haja vontade política
para o fazer.
Mas voltemos ao campo
da regulação. Não impede a instabilidade endógena ao sistema financeiro, mas
pode ir muito mais longe. Pode (e deve) limitar conflitos de interesses - daí a
proposta de proibir a venda de produtos de dívida de sociedades próprias ou
relacionadas ao balcão dos bancos, de acabar com os 'conglomerados mistos' e as
participações cruzadas entre sector financeiro e não financeiro, e de deixar a
escolha das auditoras privadas ao próprio regulador, e não ao banco auditado. A
regulação pode (e deve) reforçar a proteção dos clientes, daí a proposta de
obrigar as sociedades a uma maior supervisão sempre que emitirem produtos de
dívida para 'investidores não qualificados'. A regulação pode (e deve) exigir
mais transparência - daí a proposta de proibir transações financeiras com
jurisdições não cooperantes ou com entidades cujo beneficiário último seja
desconhecido, e de obrigar à divulgação do verdadeiro dono das ações do próprio
banco. Por fim, a regulação pode (e deve) aumentar os seus próprios poderes -
daí a proposta de deixar de fazer depender de uma efetiva condenação a
possibilidade de retirada de idoneidade de um banqueiro por parte do Banco de
Portugal, e de garantir a presença do regulador nos comités internos de
auditoria.
Estas são algumas
das propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda. Resolvem todos os problemas
da banca? Não. Mas são com certeza um contributo para o debate que queremos
fazer, e mais um pau na engrenagem da grande fraude que, afinal, é boa parte do
sistema financeiro.
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