Milhões em 'luvas' a altos
quadros
Catarina
Guerreiro e Joana Ferreira da Costa | 17/03/2015 / SOL online
A detenção, nos
últimos meses, de vários altos dirigentes do Estado envolvidos em esquemas de
corrupção de milhões de euros é resultado da crise que atingiu o país. A
explicação é dada ao SOL por especialistas e agentes do sector, que consideram
que as medidas de austeridade impostas aos portugueses forçaram os políticos e
a Justiça a promoverem um maior combate à corrupção na Administração Pública.
“Com a tomada de
medidas que diminuíram o rendimento das famílias e aumentaram o nível de
pobreza, houve uma campanha fácil para se exigir do lado do Estado maior
transparência na sua actuação” - diz Rui
Teixeira dos Santos, professor do Instituto Superior de Gestão e autor de
diversos estudos sobre o tema, considerando que a crise levou “o Parlamento a
aprovar leis que definem o combate à corrupção como uma prioridade criminal”.
Com a descoberta
recente de, pelo menos, três redes no coração
da Administração Pública - nas áreas da Administração Interna, da
Justiça e da Segurança Social - a opinião pública ficou mais alerta e exigente,
dizem os especialistas. “A alta corrupção tornou-se actualmente num tema
central das campanhas eleitorais”, sublinha Carlos Pimenta, do Observatório de
Economia e Gestão de Fraude.
“Há uma situação
de alarme social do cidadão face à corrupção”, concorda João Paulo Batalha,
director-executivo da organização Transparência e Integridade, Associação
Cívica. “Por alguma razão nas últimas semanas o Parlamento foi inundado de
propostas contra a corrupção que estavam a marinar e que os partidos
repescaram”, refere Batalha, acrescentado: “A própria Justiça está a ser mais
pressionada a agir por força da opinião pública”.
Procuradora promete combate
António Cluny,
procurador-geral adjunto representante de Portugal no Eurojust, organismo
europeu para a cooperação judiciária, também não tem dúvidas de que há “uma
sensibilidade muito maior em relação ao crime de corrupção, a nível nacional e
europeu”. E concorda que “foi a crise económico-financeira que agudizou essa
sensibilidade, levando as pessoas e as instituições a estarem mais atentas”.
Aliás, a
procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, anunciou, há um
semana, a criação de um grupo de trabalho para delinear uma estratégia de
combate à corrupção, que definiu como uma aposta do seu mandado. Isto depois de
ter reconhecido a gravidade do problema:
há “uma rede que utiliza o aparelho do Estado e outro tipo de aparelhos da
Administração Pública para realizar actos ilícitos”, muitos envolvendo
“corrupção”.
De acordo com os
peritos, o desmantelamento destas redes que operavam na Administração Pública
mudou a percepção da opinião pública sobre a corrupção no país. “O fenómeno era
até agora sobretudo visto em situações menores, como nas autarquias e juntas de
freguesia”, diz Carlos Pimenta. E Rui Teixeira dos Santos recorda que, numa
sondagem que fez em 2008, para o seu estudo sobre a corrupção em Portugal, os
portugueses não mencionavam sequer os altos dirigentes como protagonistas de
esquemas de 'luvas': “Achavam que a maioria dos casos ocorria nos centros de
saúde e hospitais e nas autoridades tributárias”.
A aposta no
combate a este fenómeno e o consequente aumento de meios nas polícias e no
Ministério Público é também apontado como uma das explicações para a detecção
de tantos casos nos últimos tempos. “Importa reconhecer que, entre nós, as
magistraturas e os órgãos de polícia criminal estão agora melhor apetrechados:
mais especialização, mais dotações logísticas e um maior sentido de
proactividade”, afirma ao SOL Cunha Rodrigues, antigo PGR, acrescentando
verificar, “com surpresa e aplauso, que se tornou possível mobilizar dezenas ou
mesmo centenas de agentes de órgãos de polícia e da fiscalização tributária
para uma só operação”.
“Há 15 ou 20
anos, a requisição de dois ou três inspectores de polícia reclamava demoradas e
tortuosas negociações entre representantes das magistraturas e membros do
Governo”, recorda.
Para o antigo
procurador-geral da República, “o fenómeno da corrupção teve tradicionalmente,
em Portugal, um significado larvar e cultural” que mudou com a “entrada dos
fundos comunitários”, na medida em que os “riscos passaram rapidamente a
irradiar para sectores sensíveis da Administração”.
Cunha Rodrigues
considera, por isso, que “o Estado reagiu tarde e com excesso de prudência”.
Isto porque, “por um lado, o sistema penal não estava calibrado para este tipo
de criminalidade” e, “por outro, porque, no interior do poder, havia quem não
estivesse interessado em dotar a Justiça dos instrumentos necessários e, pior
ainda, quem temesse e se limitasse a induzir factores de suspeição sobre a
Justiça”.
'Luvas' de 50 milhões nos vistos
gold
Para o fundador
do Movimento Anti-corrupção, criado em 2010 por vários cidadãos, é certo que
houve um aumento da eficácia das autoridades judiciais. “Há mais e melhor
investigação”, acredita Micael Sousa, recordando que quando o movimento foi
lançado com o objectivo de chamar a atenção para a necessidade de mudar a
cultura portuguesa, os seus responsáveis chegaram a fazer uma proposta ao
Conselho de Prevenção da Corrupção, liderado por Guilherme de Oliveira Martins,
para tornar o tema obrigatório nas escolas,
nas aulas de educação cívica, ideia que acabou por não avançar.
Luís de Sousa,
investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e
presidente da organização Transparência e Integridade, Associação Cívica,
defende que um dos problemas é exactamente a falta de prevenção. E garante que
apesar dos serviços do Estado terem hoje quase todos planos anti-corrupção,
eles não funcionam por serem desfasados da realidade. “O plano de prevenção de
riscos do SEF não previa os riscos ligados à atribuição dos vistos gold”,
exemplifica.
E neste caso as
'luvas' da corrupção poderão atingir os 50 milhões de euros, estima Rui
Teixeira dos Santos, autor do trabalho 'Economia Política da Corrupção', que
pela primeira vez, em 2008, monitorizou o impacto deste crime em Portugal.
“Mantendo os pressupostos do estudo de 2008 relativamente à incidência da
corrupção sobre o volume de investimento público, no caso da prestação de
serviços dos vistos gold, o que me parece razoável, estimo que as 'luvas'
envolvidas neste processo rondaram os 50 milhões de euros”, adiantou o
especialista, referindo-se ao cálculo apurado, e baseado em sondagens, de que
5% do volume total do investimento público é desviado para 'luvas'. Terá sido
essa, acredita, a percentagem desviada do investimento de mais de mil milhões de
euros trazido pelos vistos gold - medida do Governo para atrair investimento
estrangeiro.
Luís de Sousa
sublinha que este e outros esquemas resultam em parte dos “fracos mecanismos de
prestação de contas” dentro das instituições do Estado. E deixa um alerta:
“Vamos continuar a descobrir mais casos de corrupção na Administração Pública”.
O especialista prevê mesmo que o risco de corrupção vai aumentar com as novas
regras propostas pelo Governo, que alargam a atribuição de vistos gold a quem
invista em fundações públicas ou privadas, associações culturais e entidades
associativas municipais. Num estudo que o organismo que lidera está a concluir
- e que pretende tornar público em breve -
já foram detectados graves problemas. “O investimento nestas instituições
pode mascarar financiamentos eleitorais ilegais e estimular o tráfico de
influências para a obtenção de investimento em determiandos municípios ou
instituições”, garante por sua vez o director-executivo da associação, João
Paulo Batalha.
catarina.guerreiro@sol.pt
joana.f.costa@sol.pt
Ex-director do SEF deixa prisão
domiciliária mas não pode sair do país
MARIANA OLIVEIRA e
MARIA LOPES 18/03/2015 - PÚBLICO
Manuel Jarmela Palos estava com pulseira electrónica desde dia 25 de
Novembro.
O Tribunal da
Relação de Lisboa atenuou esta quarta-feira as medidas de coacção aplicadas ao
ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) substituindo a prisão
domiciliária de Manuel Jarmela Palos por outras duas obrigações: a proibição de
se ausentar do país e a obrigação de se apresentar às autoridades duas vezes
por semana. Nesse âmbito, terá de entregar o passaporte.
O ex-director do
SEF é suspeito de fazer parte de uma alegada rede que se dedicaria a facilitar,
a troco de contrapartidas, a obtenção dos chamados vistos gold, nome pelo qual
o processo ficou conhecido.
As duas juízas
que analisaram o recurso mantiveram as restantes medidas de coacção aplicadas a
18 de Novembro pelo juiz Carlos Alexandre, que fundamentou a necessidade da
permanência de Jarmela Palos na habitação devido ao perigo de perturbar as
investigações. O ex-director do SEF continua, por isso, proibido de contactar
com elementos que trabalhem ou tenham trabalhado no SEF, nos Serviços de
Informações e Segurança, na Polícia Judiciária, no Ministério da Administração
Interna e com qualquer magistrado, seja juiz ou procurador.
Não é claro ainda
se o Jarmela Palos, quadro do SEF, poderá retomar o trabalho, já que
formalmente não está suspenso. Contudo, a proibição de contactos com
profissionais daquele serviço inviabiliza na prática o reinício de funções. Recorde-se
que Jarmela Palos pôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo do
Círculo de Lisboa para impedir que o Ministério da Administração Interna lhe
suspenda o pagamento do salário.
O advogado do
ex-responsável do SEF no processo-crime, João Medeiros, afirmou ao PÚBLICO
estar “muito contente” com o fim da prisão domiciliária do seu cliente, que
estava confinado à sua habitação desde 25 de Novembro, ou seja, há perto de
quatro meses. Esta quarta-feira o antigo dirigente do SEF já pode sair de casa.
“À medida que
conheço com mais profundidade o processo, fico mais convicto da inocência do
meu cliente. O próximo passo é batermo-nos por isso em julgamento”, acrescentou
o advogado. O defensor adiantou que esta quarta-feira apenas foi notificado do
resultado do recurso interposto na Relação, mas ainda não conhece os
respectivos fundamentos.
Antes de ser
sujeito a prisão domiciliária, Manuel Jarmela Palos esteve sete dias detido no
Estabelecimento Prisional de Évora, dedicado a acolher elementos das forças
policias por questões de segurança. É a mesma prisão onde se encontra desde dia
24 de Novembro o antigo primeiro-ministro José Sócrates.
Jarmela Palos, a
ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, e o
empresário Jaime Gomes (sócio-gerente da empresa JMF Projects & Business)
foram os únicos arguidos a quem, o juiz do Tribunal Central de Instrução
Criminal deu a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela prisão
domiciliária, desde que existissem condições técnicas para essa alteração.
No processo estão
em causa crimes de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de
vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de
influência. No âmbito da chamada “Operação Labirinto”, foram detidas 11
pessoas, mantendo-se, neste momento, apenas duas delas em prisão preventiva. Trata-se
do antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), António
Figueiredo, que ainda aguarda o resultado de um recurso interposto na Relação
de Lisboa contestando a aplicação da mais gravosa medidas de coacção, e do
empresário chinês Zhu Xiadong.
Mantém-se ainda
em prisão domiciliária a ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria
Antónia Anes, e o empresário Jaime Gomes, sócio da filha do ex-presidente do
IRN e do ex-líder do PSD Luís Marques Mendes. Miguel Macedo foi sócio da mesma
empresa entre 2009 e 2011, tendo cedido a sua quota a Jaime Gomes. Estas
ligações levaram à demissão de Miguel Macedo, então responsável pela
Administração Interna.
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