Os burros também dão coices aos
banqueiros
PEDRO SOUSA
CARVALHO 13/03/2015 / PÚBLICO
Estávamos em
2007, dos EUA chegavam notícias de uma coisa esquisita chamada subprime e os
bancos, desconfiados uns dos outros, deixaram de emprestar dinheiro entre si. Dia
sim, dia não, a Euribor (que é a taxa a que os maiores bancos na zona euro
emprestam dinheiro uns aos outros) não parava de subir até que atingiu um
máximo histórico nos 5,448% (Euribor a seis meses) em 2008. Na altura, quem
tinha crédito à habitação levava as mãos à cabeça, pois além da Euribor ainda
tinha de pagar o spread (que é a margem de lucro do banco).
Foi nessa altura
que o falecido BES lançou uma campanha publicitária num tom humorístico com o
actor José Pedro Vasconcelos e com um burro chamado Euribor. No filme, o actor
tentava controlar o burrico, mas o burro ignorava olimpicamente as ordens. O
actor suplicava: "Pára, Euribor, pára!", e o Euribor desatava a
correr. O actor implorava “desce, Euribor, desce!", e o Euribor subia
impavidamente. A ideia da campanha era mostrar que as taxas Euribor tinham um
comportamento aleatório que o cliente não controla e, como tal, o BES convidada
os clientes a fazerem créditos à habitação com taxa fixa. Claro que quem fixou
a taxa no pico do mercado ainda hoje deve estar arrependido.
Entretanto veio a
crise, o BCE colocou as suas taxas de depósitos em terreno negativo e, num
período de excesso de liquidez, o tal burro desceu pela ribanceira abaixo, a
alta velocidade, e estatelou-se no chão. Hoje, a Euribor a um mês já está em
valores negativos e para lá caminham as de três, seis e 12 meses, as mais
utlizadas no crédito à habitação. Quem agora leva as mãos à cabeça são os
banqueiros que nos emprestaram dinheiro para comprar casa. Agora é a vez de os
banqueiros suplicarem “sobe, Euribor, sobe!". E a Euribor desce todos os
dias.
A generalidade
dos contratos de crédito à habitação em Portugal prevê que os clientes paguem
uma taxa de juro que resulta da soma da Euribor e do spread. Com a Euribor
negativa, o spread encolhe automaticamente e até podemos chegar a uma situação
bizarra em que a taxa de juro efectiva que o cliente “paga” ao banco é
negativa. Ou melhor, neste caso o cliente não paga, é o banco que pagaria para
emprestar dinheiro ao cliente, o que naturalmente subverteria toda a lógica do
crédito.
Os bancos, claro
está, já vieram protestar e defendem que quando a Euribor é negativa ela deva
assumir o valor de 0%, o que significa que em qualquer cenário o banco tem
sempre garantido o seu spread, ou seja, a sua margem mínima de lucro. É curioso
que em 2007 ou 2008, quando as Euribor atingiram máximos históricos, e milhares
de portugueses viram a prestação mensal da sua casa duplicar quase de um dia
para outro, não apareceu nem um único banqueiro a defender um plafonamento das
taxas. Teve de ser o Governo de José Sócrates a anunciar uma moratória nos
créditos para os desempregados, sendo que o custo era suportado pelo Estado e
não pela banca. E quem não conseguiu a moratória teve mesmo de entregar a casa
por não a conseguir pagar.
Agora é preciso
ter muita lata para vir dizer, como disse esta semana a Associação Portuguesa
de Bancos, que as taxas negativas não devem ser passadas aos clientes. O risco
da descida da Euribor faz parte do risco da actividade bancária. Quem pede um
crédito à habitação também está por sua conta e risco se a Euribor desatar a
subir e a dar coices. Mais disparatadas ainda são as declarações de Faria de
Oliveira, a dizer que caberá a cada banco decidir o que fazer com as Euribor
negativas, como se se tratasse de uma questão de escolhas. Uma coisa é blindar
os contratos futuros a situações extremas de taxas Euribor negativas, que é o
que tem vindo a fazer a banca, outra coisa é achar que nos contratos já
existentes a banca pode escolher a taxa que lhe dá mais jeito ao arrepio do
contrato feito com o cliente.
Espera-se agora
que o Banco de Portugal diga de sua justiça, mas já foi avisando que está
analisar a questão do ponto de vista “quer do equilíbrio das relações entre os
clientes e os bancos, quer da rentabilidade das instituições financeiras”. A
primeira premissa está correcta, e a segunda está errada. Não se trata aqui de
proteger a rentabilidade dos bancos, mas tão-só de respeitar contratos. É uma
questão jurídica, aritmética e moral. E se Carlos Costa se atravessar pela
banca, o Governo deve legislar e colocar um travão ao plafonamento da taxa
mínima.
Apesar de o
argumento até poder ser válido e defensável do ponto de vista jurídico, ninguém
no seu perfeito juízo acha normal que se da soma da Euribor mais o spread
resultar uma taxa negativa sejam os bancos a pagar os empréstimos que derem às
pessoas. Por essa lógica também tinham de nos cobrar (em vez de nos pagar
juros) quando depositamos o nosso dinheiro, o que seria igualmente patético. Mas
quando a Euribor é negativa, ela deve ir anulando o próprio spread (coisa que a
banca não quer), o que significa que, no limite, o cliente poderia estar alguns
meses apenas a amortizar o capital. Qualquer interpretação que não seja esta
seria tomar as pessoas por burras.
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