O amor não está no ar, mas Merkel
e Tsipras esforçaram-se
Primeira visita do
primeiro-ministro grego a Berlim decorreu sem diferenças de substância e num
tom conciliador, apesar das divergências de posição entre os dois países na
crise da dívida
Maria João
Guimarães / 24-3-2015 / PÚBLICO
O relato da conferência de imprensa após o
encontro entre o primeiroministro grego, Alexis Tsipras, e a chanceler alemã,
Angela Merkel, na primeira visita de Tsipras a Berlim, focava-se mais na
interacção dos dois, no modo como falavam, e em pequenos detalhes do que foi
dito do que em declarações decisivas para a crise da dívida grega.
A conferência de
imprensa teve questões incómodas mas decorreu sem incidentes
Jornalistas
dedicavam-se a analisar imagens da mesa da reunião entre as duas equipas (“há
mais pastas do lado alemão”, comentava um veterano da crise do euro) e de quão
longe iriam palavras elogiosas e gestos simpáticos. Em termos de linguagem
corporal, a dada altura parecia existir um claro desequilíbrio entre um ar enfadado
da chanceler Angela Merkel e um ar (esforçadamente?) simpático de Alexis
Tsipras. Na pequena pausa para as fotos no final da conferência, Merkel posa
com rapidez mas sorridente.
O discurso de
Merkel não foi diferente do que se esperaria — a Alemanha é só um dos 18 países
do Eurogrupo, pelo que não irá avaliar o plano de reformas grego sozinha. O
encontro serviu para um melhor conhecimento entre dois líderes de dois países
com ligações fortes — muitos gregos trabalham na Alemanha, muitos alemães passam
férias na Grécia, notou a chanceler.
“Queremos uma
Grécia forte, com crescimento, e queremos que o desemprego, especialmente entre
os jovens, seja reduzido”, disse Merkel, acrescentando o habitual contraponto:
“A Grécia precisa de reformas estruturais e um orçamento sólido como base para
o regresso ao crescimento.”
O
primeiro-ministro grego agradeceu a Merkel a oportunidade para trocar ideias
sobre o futuro da Europa e começou por uma declaração para consumo alemão:
“Podem imaginar que não vim a Berlim para pedir à chanceler alemã para pagar os
salários e reformas dos gregos”. Seguiram-se promessas de que a Grécia irá
honrar os seus compromissos. Isto desde que não seja à custa do aumento da
crise humanitária que a Grécia vive. Uma crise para a qual, frisou o
primeiro-ministro grego desta vez, não se deve culpar simplesmente os
estrangeiros: “também há razões internas para a situação da Grécia”.
Nas perguntas e
respostas, houve muitas referências à II Guerra Mundial. Merkel diz que a
questão das reparações da Alemanha à Grécia está “política e legalmente
encerrada”, mas admitiu que muitos alemães não têm plena noção do que sofreu a
Grécia. Ao lado da chanceler, Tsipras repetiu a reivindicação grega: Atenas não
desiste das reparações.
Merkel mencionou
a discussão sobre um fundo (da II Guerra), e Tsipras negou que houvesse alguma
intenção de confiscar propriedade alemã na Grécia (como o Goethe Institut em
Atenas), algo sugerido por um ministro do seu Governo. Em qualquer caso, notou
Tsipras, esta questão não deve ser ligada à discussão sobre a crise da dívida
grega.
O
primeiro-ministro grego criticou ainda comparações entre a Alemanha de hoje e a
do nazismo. “Não se pode identificar a Alemanha de hoje com os crimes do
Terceiro Reich”, declarou. Criticou um cartoon que fazia esta analogia que saiu
num jornal do seu partido. E deixou um elogio pessoal à chanceler: “A minha
experiência é que é uma pessoa que está disposta a ouvir.”
Se Tsipras queria
ter ouvido elogios às reformas propostas pelo seu Governo, isso não aconteceu. Se
a expectativa do encontro era minorar alguns estereótipos que ambos têm
permitido, já houve algum avanço.
Verbas acabariam em Abril
O encontro entre
Merkel e Tsipras surge na sequência de um sprint para tentar assegurar que há
uma solução aceite tanto pelo novo Governo grego, eleito em Janeiro, como pelo
Eurogrupo (e BCE e troika), que equilibre as contas gregas, faça reformas
adiadas e contenha algumas medidas para aplacar a crise social destes seis anos
de recessão em que o PIB caiu 25%.
A Grécia propôs
uma série de reformas que receberam luz verde inicial mas os credores continuam
à espera que sejam clarificadas para efectuar a transferência da última
tranche do
empréstimo, 7,2 mil milhões de euros. Até agora, o Governo grego aprovou no Parlamento
as medidas de assistência social (sobretudo ajuda alimentar e electricidade
para famílias que não a conseguem pagar).
Pouco antes do
encontro em Berlim, o diário britânico Financial
Times divulgou
uma carta de 15 de Março que Tsipras enviou a Merkel avisando-a de que Atenas
poderia não conseguir pagar a sua dívida aos credores se a União Europeia não
desbloqueasse no curto prazo a verba dos parceiros europeus (a última tranche
do empréstimo está bloqueada desde antes das eleições por não terem sido feitas
reformas consideradas chave).
Tsipras dizia que
o país poderia ficar sem dinheiro até ao final de Abril e que nesse caso seria
forçado a escolher entre pagar salários e reformas ou entrar em incumprimento
com o pagamento previsto ao FMI. A segunda hipótese iria “levar a uma
degradação aguda na situação já deprimida da Grécia”, por isso o Governo grego
iria escolher a primeira.
“Com esta carta,
peço-lhe que não permita que um pequeno problema de liquidez e uma certa
inércia institucional se tornem num grande problema para a Grécia e para a
Europa”, escreveu o primeiro-ministro grego.
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