Atenas insiste em ser compensada
pela Alemanha pelos crimes nazis
Alexis Tsipras acusou Berlim de
usar “truques legais” para fugir ao pagamento de 162 mil milhões de euros.
Alemanha diz que já pagou tudo o que tinha a pagar, em 1960
Ana Gomes
Ferreira / 12-3-2015 / PÚBLICO
O Governo grego está decidido a abrir uma nova
frente de batalha com a Alemanha, ao insistir no pagamento de compensações pelos
crimes e destruição dos nazis durante a II Guerra Mundial. O tema não é novo,
mas ontem o ministro grego da Justiça, Nikos Paraskevopoulos, disse estar
pronto para aplicar uma decisão do Supremo Tribunal de Atenas e exigir milhares
de milhões de euros a Berlim.
“A título
pessoal, penso que a autorização para aplicar a decisão [do Supremo] deve ser
dada e estou pronto para fazê-lo”, disse o ministro num debate parlamentar
sobre os crimes cometidos pelos nazis na Grécia.
O
primeiro-ministro, Alexis Tsipras, não sendo tão directo, foi mais duro:
“Depois da reunificação [da Alemanha], em 1990, foram criadas as condições
políticas para resolver o assunto. Mas, desde então, os governos alemães
escolheram o silêncio, os truques legais e o adiamento. E pergunto-me, numa
altura em que tanto se fala de moral na Europa: é esta uma atitude moral?”
A compensação que
a Alemanha deve à Grécia é um tema antigo. Tsipras quer reabrir o dossier e
fazer regressar ao trabalho a comissão parlamentar criada em 2012 para
investigar o assunto mas suspensa em Dezembro do ano passado, quando foram
marcadas as eleições antecipadas que deram a vitória ao Syriza.
“O Governo grego
tem por objectivo debruçar-se sobre o assunto com sensibilidade e
responsabilidade, através do diálogo e da cooperação, e espera a mesma atitude
do Governo alemão, por razões políticas, históricas e simbólicas”, disse o
primeiroministro. Tsipras apelou também à compreensão dos outros países
europeus ao dizer: “É nosso dever para com a História, para com os combatentes
de todo o mundo que deram a vida para derrotar o nazismo”.
A Alemanha reagiu
a mais esta investida grega, feita num momento de grande tensão política entre
os dois países. A Grécia está a negociar com a União Europeia e o Fundo
Monetário Internacional as condições para a entrega da última parte de um empréstimo
de 240 mil milhões de euros. Em todo o processo, e dos países com real poder de
decisão, a Alemanha foi o país mais intransigente quanto às condições do
empréstimo e às reformas que os credores consideram obrigatórias para que o
dinheiro chegue a Atenas.
“É nossa firme
convicção que a questão das compensações teve uma solução legal e política”,
disse ontem Steffen Seibert, o porta-voz da chanceler alemã Angela Merkel. Referiu
que, na década de 1960, a
então Alemanha Ocidental pagou à Grécia 115 milhões de marcos (cerca de 58
milhões de euros).
Antecipando esta
reacção, Tsipras disse no Parlamento de Atenas que esse foi um pagamento feito
às vítimas dos nazis. Perto de 300 mil pessoas morreram de fome na Grécia entre
Abril de 1941 e Outubro de 1944, vários milhares morreram de represálias. Mas,
continuou Tsipras, ficaram por pagar os danos feitos ao país: as
infra-estruturas foram praticamente todas destruídas e os empréstimos forçados
que o Banco da Grécia foi obrigado a fazer à Alemanha entre 1942 e 1944
destruíram por completo a economia.
Nas declarações
de Tsipras há quem leia um posicionamento sobretudo para consumo interno —
manter pressão sobre a Alemanha, que muitos gregos consideram responsável pelos
programas de austeridade que empobreceram os gregos, caso seja preciso fazer em
Bruxelas cedências que poderão desagradar aos eleitores. Porém, as palavras do
ministro e de Tsipras devem ser levadas a sério, até porque esta foi uma das
suas promessas eleitorais.
Os gregos exigem
a Berlim o pagamento de uma dívida antiga no valor de 162 mil milhões de euros
(108 mil milhões pela destruição de infra-estruturas) — não é um número
aleatório, foi definido na Conferência Internacional de Paris de 1946 — e 54
mil milhões relativos aos empréstimos forçados.
O Governo de
Berlim considera que um acordo bilateral assinado em 1960 apagou essa dívida de
guerra que a Conferência Internacional de Paris determinou que existia. Posteriormente,
considerou que o processo de reunificação encerrara definitivamente o assunto
das compensações de guerra. Porém, há 20 anos que os familiares e próximos das
vítimas exigem nos tribunais indemnizações. Em 1997, um tribunal grego condenou
a Alemanha a pagarlhes 28,6 milhões de euros. E foi uma queixa dos familiares e
próximos das vítimas que levou o Supremo Tribunal de Atenas, em 2000, a considerar que há
base legal para o pagamento de compensações ao Estado grego — o Governo de
então, socialista, decidiu não aplicar a sentença que Nikos Paraskevopoulos
quer recuperar.
O ministro da
Justiça reconheceu que o caso é “juridicamente muito complexo” e que a data
para aplicar a decisão depende de negociações entre Atenas e Berlim “e da
autorização do Parlamento grego”.
Sem comentários:
Enviar um comentário