Nova lei mantém reserva da
produção da arquitectura para os arquitectos
JOANA AMARAL
CARDOSO 13/03/2015 - PÚBLICO
Leis da construção aprovadas quinta-feira no Parlamento continuam a motivar
críticas. "Injustiça social", dizem os engenheiros,
"discriminação negativa", dizem os arquitectos.
Depois de quase
um ano de discussão na especialidade, as polémicas propostas de lei 226 e
227/XII foram quinta-feira aprovadas plenário no Parlamento. Os arquitectos,
que temiam perder a exclusividade na assinatura de projectos em Portugal, vêem
agora esse desejo garantido. Mas identificam ainda problemas na lei, enquanto o
bastonário dos Engenheiros fala de “injustiça social” em relação aos
engenheiros civis. Aquela Ordem está mesmo a avaliar a potencial inconstitucionalidade
dos diplomas.
As propostas de
lei 226/XII e 227/XII, uma iniciativa do Ministério da Economia e do Emprego no
âmbito do Memorando de Entendimento da troika e da Comissão Europeia para
adequar a legislação portuguesa à directiva comunitária n.º 2006/123/CE,
tiveram a sua votação final na quinta-feira e foram aprovadas com os votos a
favor dos partidos da maioria e do PS, e com os votos contra do PCP, do Bloco
de Esquerda e do Partido Os Verdes.
A primeira versa
sobre o regime jurídico da actividade da construção e a segunda é relativa às
qualificações que um técnico responsável pela elaboração e subscrição de
projectos, mas também pela fiscalização e direcção de uma obra, deve possuir. As
suas primeiras versões motivaram uma petição pública subscrita por mais de 18
mil pessoas, entre as quais Álvaro Siza, a presidente da Assembleia Municipal
de Lisboa Helena Roseta ou Marcelo Rebelo de Sousa. E muitas queixas da Ordem
dos Arquitectos, cinco anos depois da histórica lei n.º31/2009, a primeira
iniciativa legislativa de cidadãos portuguesa e que revogou o decreto-lei 73/73
– uma conquista de exclusividade dos arquitectos e um momento de concórdia com
os engenheiros com quem antes dividiam estas valências.
Introduziu-se na fiscalização e
direcção técnica de obra uma discriminação negativa dos arquitectos
Nuno Sampaio,
director da Casa da Arquitectura
A tutela dissera
já ao PÚBLICO no início da semana que o Governo respeitava o princípio
estabelecido em 2009 “de reservar a arquitectura aos arquitectos”,
exemplificando mesmo que não propôs “a renovação do período transitório de
cinco anos [da lei de 2009] durante o qual era assegurada a outros
profissionais, em particular engenheiros e agentes técnicos de arquitectura e
engenharia, a prática de actos de arquitectura”.
Mas ainda assim,
diz Nuno Sampaio, director executivo da Casa da Arquitectura e um dos principais
envolvidos no processo da lei de 2009, os dois novos diplomas “romperam com o
consenso de 2009” .
Nuno Sampaio
considera que “demos dois passos atrás e um passo à frente” em relação à
proposta inicial do Governo. E detalha: ao contrário do que a classe temia, a
lei 227/XII “não impediu os arquitectos de fazer coordenação de projectos e
ficou garantido que os projectos de arquitectura só podem ser assinados por
arquitectos”. Mas, prossegue, “introduziu-se na fiscalização e direcção técnica
de obra uma discriminação negativa dos arquitectos, porque mesmo na obra mais
simples e acessível a fiscalização e a direcção técnica da obra pode ser feita
por todos os profissionais, mas ao arquitecto é exigido que tenha, ao contrário
dos restantes profissionais, três anos de experiência. No resto da Europa não
há estas limitações”, sublinha o arquitecto. Além disso, refere, “continua a
ser o critério do volume financeiro e não da complexidade da obra” que define
que profissionais podiam exercer certos actos de arquitectura num outro ponto
do diploma.
A nova lei faz um upgrade em
termos de competências atribuídas aos arquitectos, retirando também actividade
aos engenheiros na condução de obras
Carlos Matias
Ramos, bastonário dos engenheiros
João Santa-Rita,
presidente da Ordem dos Arquitectos, que reservou apreciações em detalhe para
mais tarde, uma vez que é um diploma de 200 páginas “extremamente complexo de
análise e consulta”. Tal como Nuno Sampaio, mantêm-se as suas preocupações
quanto à coordenação de projectos e direcção e fiscalização de obra.
Do lado da Ordem
dos Engenheiros, que manifesta surpresa pela rapidez de uma votação em plenário
não agendada, a proposta de lei 227 merece fortes críticas. A versão aprovada
da proposta de lei 227 “retira o que em princípio estava acordado até há cerca
de um mês”, diz o bastonário Carlos Matias Ramos: a garantia de que “sem
prejuízos dos actos que por lei estejam exclusivamente cometidos a arquitectos,
podem ainda elaborar projectos de arquitectura os engenheiros civis a que se
refere o anexo 6 da directiva 2005/36/CE” – aqueles formados em quatro
universidades portuguesas. O Ministério da Economia, contudo, considerou ao
PÚBLICO que “a observância da directiva não é posta em causa”.
A nova lei,
critica Matias Ramos, “faz um upgrade em termos de competências atribuídas aos
arquitectos, retirando também actividade aos engenheiros na condução de obras –
os arquitectos estão a invadir terrenos que eram tradicionalmente e do ponto de
vista das competências profissionais específicos dos engenheiros”, diz sobre
mais uma tipologia de obra em que os arquitectos poderão agora exercer a
direcção técnica. O bastonário dos Engenheiros diz ainda que o novo diploma
conflitua com outra directiva comunitária (86/17/CE) que faz com que os
engenheiros civis portugueses fiquem “impedidos da prática de actos de
arquitectura, mas poderão exercê-los noutros Estados-membros” e que os seus
homólogos europeus possam praticar actos de arquitectura em Portugal.
Carlos Matias
Ramos fala de “injustiça social” porque nos últimos 40 anos “o país precisou”
dos engenheiros “quando não havia arquitectos suficientes no país, e deu-lhes
enquadramento legal para o seu exercício”. Agora, considera, “porque o número
de arquitectos é exagerado no nosso país, há muito desemprego em arquitectura”,
há um conjunto de engenheiros civis que fica prejudicado, defende, e “não se
entende como é que o nosso país não obedece às directivas nesta matéria, o que
pode levar à inconstitucionalidade deste processo de decisão”. A Ordem dos
Engenheiros já pediu um parecer sobre a sua constitucionalidade.
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