Os minutos em que os submarinos
ofuscaram o BES
CRISTINA FERREIRA
e PAULO PENA 17/03/2015 - PÚBLICO
Picardia entre Paulo Portas e
socialista José Magalhães sobre a compra de submarinos marcou uma parte da
audição do vice-primeiro-ministro, em que este admitiu que Salgado lhe pediu
ajuda a 20 de Maio de 2014.
Paulo Portas
recebeu Ricardo Salgado, José Honório e José Manuel Espírito Santo a 20 de Maio
de 2014, quando lhe foi pedido apoio público ao Grupo Espírito Santo (GES),
explicou o vice-primeiro-ministro, nesta terça-feira, na Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) ao colapso do GES/BES. Portas contou ainda que recebeu uma
cópia da carta que o grupo dirigiu ao Banco de Portugal a queixar-se da
actuação do supervisor.
Na 51.ª audição
da CPI, inquirido pela deputada do BE Mariana Mortágua, Paulo Portas garantiu
que só teve conhecimento do que se passava no GES na reunião de 20 de Maio,
embora tivesse tomado conhecimento dos factos que a comunicação social foi
divulgando. Portas salientou ainda que Salgado lhe facultou dois documentos,
entre eles um memorando que abordava a situação do GES, e não do BES, e a carta
enviada ao BdP com as "críticas à actuação" de Carlos Costa. "Isto
foi o essencial.” O governante contou também que deu conhecimento do encontro a
Passos Coelho, que lhe deu também conta das reuniões em São Bento, mas garantiu
que o tema nunca foi debatido dentro do Governo.
Portas reconheceu
que quem tem, como é o seu caso, "como função apoiar a internacionalização
das empresas e as exportações, tem de cooperar não só com o sector
privado" e por arrastamento com o sector financeiro. "Como sabe, o
BES tinha um papel importante no sector exportador.”
No memorando que
Salgado entregou a Portas, o líder do GES pedia o apoio do Governo para sanear
o grupo empresarial, o que envolvia um empréstimo da CGD. Portas afirmou que
era consensual dentro do executivo não ser legal "nem aceitável" dar
instruções ao banco público para salvar um grupo privado. E lembrou que
Portugal já viu uma nacionalização e que o dossier correu mal. Um tema que
Portas classificou como "muito doloroso do ponto de vista financeiro"
por ter implicado uma nacionalização que "foi um desastre”: “Estou a
referir-me à nacionalização do BPN”, explicou.
Sobre a medida
encontrada pelo Governo para evitar o colapso do BES, Portas defende que o
recurso ao Fundo de Resolução foi a solução certa: “Acho normal que a ministra
das Finanças tenha afastado a nacionalização". Portas notou que o BdP
afirmava naquela altura que a falência do BES teria "efeitos
sistémicos" e que "todas as soluções para resolver erros e desmandos
do sistema financeiro, devem ser procuradas tendo em conta a sua estabilidade" e protecção dos
contribuintes. "Os contribuintes não têm de pagar os erros dos
governantes", notou Portas, que voltou a recuperar o tema BPN: " Se
há memória, é a nacionalização do BPN. Foi o contribuinte a pagar. Afastar as
soluções de nacionalização, é a todos os títulos, conceptualmente,
aceitável."
O
vice-primeiro-ministro considerou que a responsabilidade do dossier GES/BES foi
exclusivamente do Banco de Portugal e admitiu que falou com Carlos Costa sobre
o tema quando foi a Angola, participar numa feira empresarial, pois admitia que
o tema pudesse ser abordado pela comunicação social. Mas garantiu que
desconhecia que medidas de estabilização foram negociadas entre os governadores
do BdP e do Banco Central Angola. “Discrição é coisa que cada um entende em ter
em maior ou menor grau. Não me ouviu fazer comentários sobre a situação do BES,
por ter a noção dos efeitos que o problema poderia ter na economia."
"Nacionalização?
Nunca mais”, disse Portas
Mariana Mortágua
insistiu junto de Portas para saber de que falaram os governadores do BdP e do
BCA. O governante respondeu que sabe “que os dois" estiveram à conversa,
mas recusou dar mais detalhes sobre o tema. “Tem de perguntar ao governador”,
disse Portas, concluindo: "Não tem mais história."
Para a deputada
do BE, é muito "difícil acreditar que o Conselho de Ministros não soubesse
que o BES ia ser intervencionado”. Por isso inquiriu o vice-primeiro-ministro:
“A 2 de Agosto, sabia ou não que o banco ia ser intervencionado?" E Portas
respondeu: "Não."
Mais tarde, a
responder ao deputado do PSD Duarte Pacheco, Portas reforçou a tese de que
"o Governo manteve sempre o princípio de que o interesse público é
qualquer coisa de diferente da mera soma dos interesses particulares". E
defendeu que o sistema financeiro não pode ser usado "como pronto-socorro
do interesse privado."
Portas alegou
mesmo que "o país tem razão para estar causticado sobre o que se passou no
sistema financeiro”.
Sobre as
declarações do presidente do BPI que esta terça-feira, pela manhã, esteve na
CPI, a criticar a medida do Fundo de Resolução e a alegar que a intervenção no
BES deveria ter ocorrido mais cedo, Portas chamou a atenção para o facto de
Fernando Ulrich estar sobretudo "a defender os seus accionistas, o que é
legítimo". Mas o banco "dele também foi ajudado pelo Estado". E
notou que o "dr. Fernando Ulrich veio aqui dizer que o Governo [ao optar
pela solução do Fundo de Resolução] está a jogar à roleta russa com o sistema
financeiro”. Uma tese que mereceu uma resposta do vice-primeiro-ministro: “Foi
o sistema financeiro que esteve a jogar à roleta russa com os
contribuintes".
Portas admitiu,
por outro lado, que a resolução não é isenta e riscos, mas protege mais os
contribuintes. "Nacionalização? Nunca mais”, disse, lembrando que o BPN
implicou uma perda de 5000 milhões de euros.
Sobre o colapso
do BES, Portas argumentou que "há manifestamente falhas na gestão, há
manifestamente falhas nas auditorias e nos sistemas de controlo internos para
evitar estas situações. E há manifestamente falhas na supervisão",
afirmou, acrescentando: "No BPN, a supervisão nem descobriu, nem evitou. No
BES a supervisão descobriu e não evitou" o colapso.
Para o Governo,
evidenciou Portas, o objectivo é que a venda do Novo Banco seja “o mais
confortável possível do ponto de vista do interesse do país”, que evite
contaminar (com perdas) os restantes bancos. “Prefiro ter uma visão com
esperança nessa matéria”, diz o governante, para quem hoje “há mais razões para
ter esperança”.
O confronto Portas-Magalhães
Um dos momentos
mais intensos da audição de Paulo Portas foi o embate com o deputado socialista
José Magalhães. Os dois “pegaram-se”, a ponto de obrigar Fernando Negrão, que
lidera os trabalhos, a intervir para pedir “contenção” e “perguntas concretas”.
Portas virou-se
para Magalhães e observou: "O senhor é igualzinho à dr.ª Ana Gomes.”,
atirou o líder do CDS, acusando Magalhães: "O senhor deputado tem uma
mente totalitária. Quando a realidade não bate certo, tenta mudar os factos. É
igualzinho à dra Ana Gomes protegendo-se na imunidade parlamentar”. Portas
reagiu assim a uma pergunta de Magalhães, na tentativa de relacionar o CDS/PP
com o BES, sobre como que justifica "o milhão de euros depositados em
contas do CDS em 2004?”.
"O senhor
acha que vai tirar lã dos outros, mas vai acabar tosquiado", observou
Portas. "Se eu quisesse favorecer o BES não tinha feito um leilão
bancário. Escolhia a dedo como foi feito em Governo anterior ao meu."
Portas defendeu
que o negócio dos submarinos [efectuado em 2004 quando era ministro da Defesa
de Durão Barroso e que culminou no pagamento de comissões ao GES, que
intermediou a operação] foi "um negócio melhor" do que o dos
helicópteros realizado quando José Sócrates era primeiro-ministro. Para o
governante "o principal partido da oposição tem uma obsessão sobre a
aquisição submarina”.
Magalhães
retorquiu que o vice-primeiro-ministro "é imbatível a
auto-elogiar-se." Para o deputado socialista, o vice-primeiro-ministro
apresentou ali versões que “não batem certo” com a realidade. Depois da troca
de palavras entre Magalhães e Portas, Negrão passou a palavra à deputada do PP
Cecília Meireles, dizendo: "Vamos então regressar à
normalidade."
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