O que se passa com António Costa?
JOÃO MIGUEL
TAVARES 12/03/2015 - PÚBLICO
Tudo indica que elogiar os progressos do país num casino cheio de chineses
tenha prejudicado mais Costa do que os atrasos de pagamento à Segurança Social
prejudicaram Passos Coelho.
Uma notícia de
ontem do Jornal de Negócios, apoiada no barómetro da Aximagem de Março,
afirmava que o Partido Socialista estava a cair nas sondagens pelo sexto mês
consecutivo. A queda acumulada atinge já os quatro pontos percentuais: o PS
está agora com 36,1% das intenções de voto e a soma dos votos de PSD e CDS
colocam os dois partidos a apenas 1,1% dos socialistas, bem dentro da margem de
erro. Pior do que isso: embora a sondagem da Aximagem tenha já sido realizada
após as notícias das desventuras de Passos Coelho com a Segurança Social, a
verdade é que António Costa dá um trambolhão no índice de popularidade superior
ao do primeiro-ministro. Ou seja, tudo indica que elogiar os progressos do país
num casino cheio de chineses tenha prejudicado mais Costa do que os atrasos de
pagamento à Segurança Social prejudicaram Passos Coelho.
Mas isso não
explica tudo. No final do mês passado, quando se completaram os primeiros 100
dias de Costa à frente do PS, o Observador fez uma pequena entrevista de
balanço a Ferro Rodrigues, que admitiu as dificuldades que o partido estava a
ter em passar a sua mensagem. E justificou-as de duas formas. Primeiro: “Quando
três comentadores das televisões em canal aberto são dois ex-líderes do PSD —
só o Morais Sarmento é que não foi — estamos numa situação um pouco estranha do
ponto de vista da comunicação.” É a velha estratégia de culpar os mensageiros
pela falta de qualidade da mensagem — um argumento absurdo tendo em conta a boa
imprensa (que começa agora a passar) de António Costa.
O segundo
argumento é, contudo, bem mais interessante, e é curioso ter sido proferido tão
claramente por Ferro Rodrigues, quando ainda há cinco meses ele estava a tecer
loas a José Sócrates em plena Assembleia da República, garantindo nessa altura
à comunicação social que o PS “não é o Partido Comunista da União Soviética,
que eliminava pessoas das fotografias”. Hoje, o discurso rodou 180 graus, e
Ferro Rodrigues daria tudo para rasgar o álbum 2005-2011 de uma ponta à outra. Palavras
do actual líder parlamentar do PS ao Observador: “O PS tem uma situação
bastante infeliz com o facto de o antigo primeiro-ministro estar em prisão
preventiva, uma situação que causa evidentemente grandes dificuldades.”
Ai causa, causa.
E é bom que alguém do topo da hierarquia do PS tenha a lucidez de afirmar isso
de forma tão explícita, após tanta romaria a Évora. Aliás, a declaração de Ferro
Rodrigues tem certamente uma dupla intenção: justificar o presente mas também
prevenir o futuro. Daqui até ao Outono há mais do que tempo para surgirem
notícias que comprometam o PS muito para além de Sócrates. A ser verdade o que
anda a ser publicado, não é possível que a manipulação de concursos estatais e
o forrobodó das obras públicas possam ter sido realizados sem uma razoável teia
de cumplicidades. E se mais suspeitas caírem em cima dos socialistas até às
eleições, tudo pode vir a ser posto em causa.
Parte do que se
passa com António Costa tem, pois, a ver com a dificuldade de renovação do PS e
com uma maior proximidade aos socráticos do que aquela que António José Seguro
tinha. Com Costa vieram demasiadas caras antigas, demasiados assessores antigos,
demasiada tralha socrática — e o que seria um trunfo em Outubro transformou-se
num pesadelo a partir da noite de 21 de Novembro de 2014. O que se passa com
António Costa é isto: o peso do passado está a comprometer o seu futuro. E a procissão ainda vai no adro.
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