Onde está a crise humanitária na
Grécia?
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 09/03/2015 - PÚBLICO
O Syriza quer medidas de alívio da crise humanitária. Enquanto decorrem
negociações com o Eurogrupo em que o partido promete que não sobrecarregará os
cofres do Estado, é no modo como está a vida dos gregos que se joga o seu apoio
interno.
A crise na Grécia
está em pequenos e grandes dramas. Muitos não chegam às páginas dos jornais,
outros sim.
Uma mãe e um
filho morreram ao cair de um quinto andar na semana passada. A mãe, de 63 anos
e doente com Alzheimer, e o filho, de 27, não tinham qualquer rendimento depois
de deixarem de receber uma pequena pensão de deficiência. Há três anos e meio
que não conseguiam pagar a renda da casa. O senhorio sabia dos problemas da
família e ajudava, tinham também um pequeno apoio de um fundo de ajuda do
município de Chakida, na ilha de Eboia, onde viviam.
A morte foi
tratada como mais um suicídio de pessoas que desistiram de viver por não
conseguirem o mínimo. O blogue Keep Talking Greece, feito para divulgar a
realidade da Grécia por quem lá vive, dava alguns pormenores. O blogger que
escreveu a notícia conta que ficou tão sensibilizado que interrompeu um
silêncio: há alguns meses tinha decidido não escrever mais sobre suicídios. “A
dada altura deixei de escrever sobre eles. Não aguentava”, conta o blogger, que
nunca se quer identificar, numa troca de mensagens pelo Twitter. Até este caso.
“Tive de escrever. Fez-me trabalhar até à meia-noite. Ainda fico com pele de
galinha ao pensar nisto.”
“Procurando pelos
casos antigos fiquei chocado com o número e os meus próprios artigos que já
esqueci”, diz. “Os suicídios aumentaram em cerca de 43% quando comparado com os
anos antes da crise”, sublinha.
Esta é uma das
faces mais visíveis da crise. Outras estão mais escondidas, em pessoas que
parecem fazer a sua vida normal, encontrando-se nos cafés de Atenas, ouvindo
música, fumando e rindo. Mas nestes grupos animados raras vezes não há alguém
atingido pela crise.
Fillo Louvari, 40
anos, está num café-cooperativa (que surgiram como alternativa para muitos
desempregados) perto de um parque arqueológico do norte de Atenas, com amigos,
em conversa animada por um bem-disposto ouzo. Olhando para eles, não se diria
que apenas um tem emprego.
E não é Fillo. Ela,
que viveu Paris e em Lisboa, dançando em várias companhias, voltou para Atenas
justamente quando rebentou a crise. Actriz e bailarina, não conseguiu encontrar
trabalho, e voltou para casa da mãe. Aos 38 anos. É aqui que sua aparente boa
disposição se desmorona, começa a torcer as mãos, baixa os olhos. “É um pouco
humilhante… voltares para casa da tua mãe aos 40 anos. Perderes a tua
independência, que sempre prezaste... Não conseguires tratar de ti, não
ganhares dinheiro para sobreviver sozinha”.
Está longe de ser
a única. De vários casos que encontrámos em Atenas, um exemplo: Katerina, 62
anos, à espera da reforma (pediu há dois anos, parou de trabalhar, e ainda não
recebeu nada), vive com a mãe de 81 e a filha de 37, professora desempregada. A
reforma da mãe de Katerina é que mantém toda a família.
Cuidados de saúde
Os números
mostram uma situação sem paralelo na zona euro: 35,7% dos gregos está em risco
de pobreza. A taxa de desemprego é de 25,8% (e chega a cerca de 50% entre os
jovens). O desemprego acarreta vários problemas: o primeiro é que o subsídio de
desemprego dura apenas um ano, o segundo é que passado pouco tempo acaba a
cobertura de saúde e o acesso a cuidados nos estabelecimentos públicos. Muitos
jovens que nunca tiveram emprego também nunca tiveram acesso a cuidados de
saúde.
Há médicos a ver
cancros como nunca tinham visto: estes não são removidos e os tumores crescem
até não ser possível fazer nada. Não são considerados os casos urgentes para os
quais há tratamento para quem não tem seguro. Mesmo nestes, o responsável pelas
contas do hospital irá rapidamente tentar perguntar ao doente ou à família se
não há algo que possa ser vendido ou penhorado para pagar a conta.
Os cortes na
saúde afectam os mais velhos e os mais novos: há doenças que estavam
erradicadas a voltar a aparecer porque muitas crianças não são vacinadas.
A Grécia é o país
dos paradoxos. Na tentativa de conseguir dinheiro onde quer que ele possa
aparecer, surgem taxas e impostos. Um exemplo: os hospitais cobram uma taxa de
parto. Depois de histórias de grávidas a correr de hospital em hospital
tentando encontrar um em que não tivessem de pagar antes do parto, surgem
relatos de exigência do pagamento dos cerca de 300 euros antes que seja dada
alta ao bebé. Mas ao mesmo tempo, muitas mães abandonam os recém-nascidos nos
hospitais por não terem como os sustentar (o aumento de recém-nascidos
abandonados de 2011 a
2014 foi de 300%).
Instituições como
as Aldeias SOS começaram a receber pedidos para ficarem com crianças de pais que
não sentiam conseguir dar-lhes o suficiente. Aceitaram os primeiros, mas
rapidamente perceberam que não podiam receber todos e criaram antes apoios para
que estas crianças pudessem ficar com as famílias.
O país vive muito
de várias iniciativas sociais de organizações como as Aldeias SOS que já
existiam e alargam a sua acção, ou de pessoas que se juntam para ajudar. Muitos
desempregados acabaram a desenvolver projectos destes, como Constantinos
Polychronopoulos, que depois de perder o emprego criou a organização “o outro
humano” que faz comida para quem não tem. Em 2011 conseguiam distribuir pelas
ruas 50 a
60 refeições por dia, agora são 450.
A Igreja também
tem tido um papel importante na distribuição de comida e comités de vizinhos
identificam casos problemáticos e dão apoio – muitas pessoas são demasiado
orgulhosas para pedir ajuda, ou não sabem como fazê-lo. Há pequenas acções
menos organizadas: em muitos bairros vêem-se sacos de plástico pendurados nos
contentores do lixo com pão ou comida para quem anda à procura.
Às escuras
Estas ajudas são
dadas num quadro mais organizado ou informal, mas legal. Depois, há ajuda
ilegal, mas tolerada, como a que permite restabelecer electricidade cortada.
Muitos casos são consequência de contas especialmente altas depois de o Estado,
ao não conseguir mais receita de outro modo, impor uma taxa nas contas da luz,
que leva muitas pessoas a não conseguirem pagar. Mas apesar da ajuda – muitas
organizações vão restabelecer a electricidade a casas, há tutorais no YouTube a
mostrar como qualquer pessoa com equipamento básico o pode fazer – há muita
gente a viver às escuras: mais de 300 mil casas não têm energia eléctrica.
Uma família
contou, numa reportagem da revista Vice, como tem o filho na escola em aulas
nocturnas para que ele possa estudar de dia e não tenha de o fazer à luz de
velas. Em casa, todos estão vestidos com sobretudos porque não há aquecimento
(o Inverno é rigoroso na Grécia, especialmente na parte continental). A
insulina do pai diabético é arrefecida na varanda no Inverno. No Verão, logo se
vê.
As primeiras
medidas que o Governo grego liderado pelo Syriza apresentou ao Parlamento após
as eleições são justamente as que se destinam a aliviar a crise humanitária:
restaurar a electricidade em casas que não tenham até ao final de 2015, senhas
de alimentação para cerca de 300 mil pessoas e ainda uma ajuda à renda para
quem não possa pagar a casa. Tudo dando prioridade a desempregados de longa
duração e famílias com crianças.
O blogger do Keep
Talking Greece sublinha que a aprovação destas leis irá ter um grande efeito
psicológico, mesmo que as medidas não sejam suficientes para atacar toda a
magnitude do problema social. “Por exemplo, no caso do duplo suicídio, a
família até tinha algum apoio de organizações e do senhorio. Mas quando se é
uma pessoa decente, a crise económica acaba, acima de tudo, com a dignidade.”
Reformas propostas pela Grécia
discutidas hoje no Eurogrupo
Sérgio Aníbal /
9-3-2015 / PÚBLICO
Yanis Varoufakis
enfrenta hoje, mais uma vez, os seus colegas ministros das Finanças da zona
euro. É agora que se começa a discutir as medidas e reformas que a Grécia tem
de passar à prática para ficar com o direito a receber a última tranche do
empréstimo dos seus parceiros da zona euro.
Para já, há uma
coisa em que tanto o Governo grego como os outros executivos da zona euro
concordam: Atenas precisa que o dinheiro chegue rapidamente para continuar a
conseguir fazer face aos seus compromissos. Para que isso aconteça, vários
responsáveis políticos europeus, nomeadamente o presidente do Eurogrupo, dizem
que Atenas tem de começar já a aplicar medidas que mostrem que o Governo grego
está mesmo decidido a concluir o programa.
É por isso que,
para esta reunião do Eurogrupo, o ministro das Finanças grego leva consigo uma
lista de sete reformas que a Grécia pormenoriza e diz estar pronta a executar
imediatamente: criação de um conselho de finanças públicas para avaliar a
política orçamental; mudanças nas regras orçamentais internas que incluam
limites de despesa sectoriais; colocação de turistas, estudantes e pessoas que
trabalhem em casa a recolherem provas de fuga ao pagamento do IVA entre os
comerciantes; lançamento de uma amnistia para quem pagar as suas dívidas
fiscais nos próximos meses; legalização do jogo online; proibição aos serviços
públicos de pedirem aos cidadãos e empresas documentos emitidos por outros
serviços do Estado; apoio imediato às camadas mais desfavorecidas da população
num valor calculado ligeiramente acima dos 200 milhões até ao final do ano.
Para já, são
poucas as reacções públicas das restantes capitais europeias a este primeiro
pacote de reformas detalhado pela Grécia. Jeroen Dijsselbloem disse apenas que
“o documento será útil para o processo de especificação da primeira lista de medidas
de reforma”, mas que as propostas “terão de ser alvo de mais discussões com as
instituições”, a forma como é agora referida a troika.
Ontem,
declarações feitas por Varoufakis numa entrevista ao Corriere della Sera
prometeram tornar a reunião do Eurogrupo ainda mais animada. De acordo com a
citação feita pelo jornal italiano, quando questionado sobre o que aconteceria
caso os seus parceiros europeus não aceitem as reformas propostas pelo seu
Governo e não se chegue a um acordo final entre a Grécia e o resto da zona
euro, Varoufakis respondeu: “Pode haver problemas. Mas como o meu
primeiro-ministro disse, ainda não estamos colados às nossas cadeiras. Podemos
voltar a ter eleições, convocar um referendo.”
O jornal concluiu
que o referendo de que Varoufakis estava a falar era um referendo à permanência
da Grécia no euro, e acrescentou entre parêntesis essa indicação à citação de
Varoufakis. O Corriere della Sera fez dessa declaração o título da entrevista.
No entanto, num comunicado emitido mais tarde, o ministro das Finanças grego
disse que a interpretação do jornal estava errada e era sensacionalista,
garantindo que o eventual referendo de que falava “seria obviamente sobre o
conteúdo das reformas e da política orçamental que deve ser seguida” e nunca sobre
a permanência no euro.
Na entrevista,
Varoufakis critica aqueles que “estão sempre a falar da saída da Grécia do
euro”, afirmando que desse modo é difícil para o país conseguir resolver os
seus problemas. O anúncio de que um referendo na Grécia sobre a sua permanência
no euro foi, em 2011, o principal motivo para a saída antecipada de George
Papandreou do cargo de primeiro-ministro. Os principais líderes europeus, na
altura bastante preocupados com o impacto que uma saída do euro poderia ter
para a economia, mostraram um grande descontentamento em relação a essa decisão
do então líder do PASOK. Pouco tempo depois, Lucas Papademos passou a liderar o
Governo, durante seis meses. Sérgio Aníbal
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