Moradores de Campolide decidiram:
61,5% querem substituir a calçada
INÊS BOAVENTURA
06/03/2015 - PÚBLICO
Na votação, promovida pela Junta de Freguesia de Campolide, em Lisboa,
votaram 349 pessoas.
Os moradores de
Campolide, em Lisboa, já decidiram: entre a “tradição” da calçada e a
“segurança” de um piso contínuo, escolheram a segunda opção, com 61,5% dos
votos.
A votação
realizou-se na quarta e na quinta-feira e contou com a participação de 349 das
cerca de 15 mil pessoas recenseadas na freguesia. Entre aqueles que se
dirigiram às urnas, 38,5% escolheram a “calçada, tradicional, à semelhança do
que já existe”, e 61,5% optaram por “outro tipo de pavimento contínuo, mas
moderno e seguro”.
No regulamento
deste “processo de partilha de decisão” diz-se que os seus resultados “não são
vinculativos”, mas o presidente da junta de freguesia sempre garantiu que iria
respeitar o sentido de voto dos eleitores.
Ao PÚBLICO, o
presidente André Couto explica que quer que a decisão agora tomada tenha
“rapidamente” um reflexo prático no terreno, adiantando que as primeiras obras
de substituição da calçada por outro piso deverão ter início “até ao final do
ano”. A Rua de Campolide e a Rua General Taborda são duas das artérias
apontadas como prioritárias pelo autarca.
André Couto frisa
que caso os votantes tivessem escolhido a calçada, a existente naquelas ruas
teria sempre de ser substituída, por não se apresentar nas devidas condições. As
intervenções que vão agora ser realizadas, acrescenta, vão além da substituição
por um piso contínuo, semelhante ao das ciclovias, já que incluirão também a
colocação de pilaretes nalguns locais para manter os carros longe dos passeios
e “salvaguardar a circulação dos peões”.
O autarca
socialista afirma que está “muito contente” com a forma como decorreu este
processo participativo, em relação ao qual diz ter recebido reacções positivas
de muitas pessoas. “Disseram-me que o voto aqui tem mais consequências do que
nas outras eleições”, conta, constatando que neste caso as pessoas foram
chamadas “a decidir algo que diz respeito ao seu quotidiano, à sua vida
diária”.
Quanto ao facto
de terem votado 349 eleitores, num universo de cerca de 15 mil, André Couto
frisa que estava em discussão “uma questão muito específica da zona antiga” de
Campolide. “Era uma questão muito localizada”, diz, acrescentando que face a
isso considera que “a participação foi muito razoável”.
Já o Fórum
Cidadania Lisboa considera que este processo é “claramente ilegal” e “abala os
mais básicos fundamentos de um estado de Direito, atacando a democracia e o
direito ao voto”. Por isso, o movimento decidiu enviar uma “queixa” ao Tribunal
Constitucional, à Provedoria de Justiça e à Comissão Nacional de Eleições, na
qual pede que sejam desencadeados os procedimentos necessários com vista à
“anulação/revogação do acto eleitoral”.
“Pretendeu-se,
claramente, legitimar uma opção política, recorrendo a expedientes ilegais,
procurando-se a legitimação através de uma minoria dos cidadãos potenciais
eleitores. Isto é uma clara subversão do sistema representativo, do ponto de
vista moral e legal”, diz o fórum na missiva que endereçou àquelas entidades.
Entre outros
aspectos, este movimento de cidadãos questiona se foram cumpridas as “regras
tipificadas em legislação nacional” para os referendos locais (expressão que
não é usada pela Junta de Freguesia de Campolide, que fala num “processo de
partilha de decisão”), defendendo que no caso em apreço a pergunta feita aos
eleitores era “claramente tendenciosa”.
Segundo se lê no
regulamento disponível no site da junta de freguesia, a pergunta à qual
responderam 349 eleitores era a seguinte: “Na sequência do Protocolo de
delegação de competências em que a Câmara Municipal de Lisboa delega na Junta
de Freguesia de Campolide a competência de recuperação da pavimentação de
algumas vias de trânsito pedonal da Freguesia de Campolide, qual a sua
preferência de tipo de pavimento a colocar nas ruas da Freguesia que a Junta de
Freguesia de Campolide vier a intervencionar? a) Calçada, tradicional, à
semelhança do que já existe; b) Outro tipo de pavimento contínuo, mais moderno
e seguro”.
Também Carlos
Moura, que além de vereador na Câmara de Lisboa é eleito da Assembleia de
Freguesia de Campolide, tem reservas quanto a esta consulta à população. Numa
posição escrita que fez chegar ao PÚBLICO, o autarca comunista lamenta que o
este processo tenha sido “planeado e executado sem qualquer informação
antecipada às outras forças presentes na Assembleia de Freguesia - pelo menos
não o PCP - o que é no mínimo estranho”.
“O que é
apresentado como um processo transparente, participado e democrático, resulta
apenas num simulacro de participação cívica, mistificando a amostragem de
cidadãos informados e chamados a pronunciar-se e, não tenho muitas dúvidas,
realizado com o único propósito de justificar o constante no Plano de
Acessibilidades, desenvolvido pela Câmara Municipal de Lisboa, num dos seus
pontos mais polémicos”, diz o autarca. Esse plano, aprovado pela Assembleia
Municipal de Lisboa no início de 2014, abre a porta à introdução de soluções
alternativas à calçada nalguns locais na cidade.
“Enquanto
Vereador escandaliza-me que se recorram a pseudo-processos participativos para
justificar orientações assumidas superiormente. Enquanto eleito na Assembleia
de Freguesia choca-me que os órgãos da freguesia não tenham sido chamados a
pronunciar-se em nenhum momento sobre a questão”, conclui Carlos Moura.
Em 2012, a junta tinha promovido um outro processo
participativo, através do qual os moradores puderam escolher que destino dar a
um terreno baldio na Avenida Miguel Torga. Entre um jardim e um parque de
estacionamento, 67% dos votantes optou pelo primeiro.
Notícia
actualizada às 14h11: Acrescentadas as posições do Fórum Cidadania Lisboa e do
autarca Carlos Moura
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