Sem apostadores, a fortuna de
Macau foi de mal a pior no Ano Novo
A luta contra a corrupção afasta os grandes apostadores. Os efeitos na
economia podem ser devastadores. Só em Fevereiro, a quebra nas receitas dos
casinos pode ter sido de 53,5%
Billy Chan e Tian Chen , em Macau / 9-3-2015 /
PÚBLICO
Xu Meihua juntou-se a centenas de milhares
de turistas chineses que viajaram para Macau, há uma semana, pela ocasião do
Novo Ano Chinês. Ao contrário da maioria, não viajou para apostar. Esta
contabilista de 58 anos visitou casinos como o Wynn Macau e o Sands China, mas
para tirar fotografias e olhar para as montras. Viajando com o marido e a irmã,
estava mais interessada em ver as vistas do que em gastar dinheiro no Baccarat.
“Não planeio apostar; não tenho assim tanto dinheiro”, disse Xu, à medida que
gravava com o seu smartphone um espectáculo de água numa fonte, a 23 de
Fevereiro. “Por que razão arriscaria eu milhares de yuans?”
Os problemas de
Macau estão a ir de mal a pior. A queda nas receitas de jogo registada em 2014
pode tornar-se devastadora. À medida que consumidores de classe média aumentam,
os grandes apostadores desaparecem. Os jogadores VIP, como são chamados, estão
a evitar o antigo enclave português à medida que este tem vindo a reforçar a
luta contra a corrupção e a lavagem de dinheiro. Tudo isto, conjugado com o
abrandamento da economia chinesa e com novas restrições sobre o tabaco e a
atribuição de vistos, tem vindo a deter um vasto número de apostadores.
Faltaram
jogadores naquela que é uma das semanas mais concorridas do ano, o que levou
analistas a cortarem as estimativas no sector do jogo para o mês de Fevereiro. As
projecções apontam para uma quebra de 53,5% nas receitas provenientes dos
casinos para esse mês, de acordo com a estimativa média de oito analistas
consultados pela Bloomberg.
A confirmarem-se
as estimativas, Fevereiro será o nono mês consecutivo de quedas no sector — é
já a série mais longa desde que os registos tiveram início, em 2005. Espera-se
que o regulador dos casinos divulgue os dados oficiais a 4 de Março.
O Novo Ano Chinês,
que teve início a 19 de Fevereiro, foi um “péssimo choque” para o sector do
jogo em Macau, diz DS Kim, analista na JPMorgan Chase. As receitas do período
de férias foram “uma desilusão para nós, já que estiveram quase 40% abaixo
daquilo que prevíamos”.
Embora se
antecipasse uma queda no número de jogadores de topo — uma vez que estes
jogadores tendem a chegar uma semana mais tarde do que o resto dos turistas
para evitar multidões —, “chegámos à conclusão de que mesmo a procura premium
se manteve muito difusa, sobretudo devido à deteriorada mistura de jogadores”,
escreve Kim, que, na sua análise, antecipa uma queda que pode ir até aos 55%,
face à de 45% que antes esperava.
Este período de
férias, que marca a entrada no Ano da Cabra, evidencia um forte contraste com o
mês de Fevereiro de 2014, Ano do Cavalo. Esse foi o melhor mês de que há
registo para a indústria de casinos de Macau, que contabilizou receitas de 38
mil milhões de patacas (à volta de 3138 milhões de euros). A contracção deste
ano surge mesmo havendo um número recorde de 800 mil turistas chineses, que
inundaram Macau nos primeiros sete dias do novo ano.
“Talvez o Ano da
Cabra não seja um ano de sorte para os casinos”, disse o analista da UOB-Kay
Hian Victor Yip, acrescentando que os apostadores VIP representam ainda cerca
de 60% das receitas de jogo em Macau. “Atrair clientes de classe média mas ter
poucos apostadores VIP não vai funcionar, já que não se consegue criar receita
bruta.”
Esta recente vaga
de visitantes chineses vindos do continente gastou também menos do que as
anteriores. Algo que também tem impacto nos restaurantes e marcas de luxo,
centros comerciais e hotéis de topo que os casinos construíram nas suas
imediações. Sem contar com as receitas de jogo, a despesa per capita de turistas
chineses caiu 32,8% no quarto trimestre de 2014, de acordo com os dados do
Governo de Macau.
A média de
estadias em hotéis de três a cinco estrelas para a apelidada “Semana de Ouro” —
que vai de 18 a
24 de Fevereiro — caiu 5,9%, para cerca de 87,5% das estadias. E o Gabinete de
Turismo anunciou a 26 de Fevereiro que o preço médio de um quarto caiu 15,4%.
Analistas olham
com esperança para a abertura de novos projectos, agendados para o final do ano
e a cargo de empresas como a Galaxy Entertainment e a Melco Crown
Entertainment. Mas até essas perspectivas se têm vindo a tornar questionáveis
face à possibilidade de o Governo de Macau vir a permitir menos mesas de jogo
nos novos resorts turísticos.
“O Governo de
Macau pode reduzir a atribuição de mesas, isto para mostrar que leva a sério o
objectivo de reduzir o crescimento da indústria do jogo”, lê-se no relatório
sobre os receios das equipas de gestão escrito a 24 de Fevereiro por Anthony
Wong, analista do grupo UBS.
“A atribuição [do
número de mesas de jogo] para os primeiros projectos poderá ter um impacto
inicial negativo nos projectos futuros”, lê-se ainda. De acordo com Wong, tendo
em conta que os novos projectos têm capacidade para um número que vai de 400 a 500 mesas de jogo, “a
mais recente preocupação é a de que os novos projectos consigam bem menos do
que 200 mesas”.
Menos mesas
significa menos apostadores. O que afecta as receitas. Para além do mais, há
outros factores a ter em conta. De acordo com Wong, com menos mesas nestes
espaços, o casino “parecerá vazio e sem energia, o que terá impacto no estado
de espírito dos clientes”.
Em Dezembro de
2014, o Presidente chinês, Xi Jinping, exortou Macau a tornar-se menos
dependente dos casinos e a evoluir para um centro de lazer e turismo mundial. O
combate de Xi à corrupção já implicou mais de cem mil “moscas e tigres”, ou
responsáveis de base e de topo, como confirmam os dados oficiais.
A turista Xu
Meihua, por exemplo, apoia a acção do Presidente chinês: “Estou orgulhosa do
Presidente Xi, porque ele está a fazer algo difícil e importante. Quem sabe de
quem é o dinheiro que os tipos nos casinos andam a gastar? Se forem
altos-responsáveis, podem muito bem andar a gastar o meu.”
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