Câmara de Lisboa recua face a
acusações de beneficiar grandes promotores
INÊS BOAVENTURA
24/03/2015 - PÚBLICO
Fernando Medina retirou proposta que o PSD ameaçara enviar para a
Procuradoria-Geral da República e fala em necessidade de a clarificar.
Ainda não foi
desta que a Assembleia Municipal de Lisboa votou a alteração do chamado Factor
F, um factor de ponderação usado no cálculo das compensações urbanísticas, em
dinheiro ou em espécies, devidas nos casos em que o município entenda não
exigir as cedências de terrenos a que a lei obriga.
Depois de muitas
críticas ao executivo municipal por estar a beneficiar com essa alteração um
conjunto de promotores imobiliários e de uma ameaça de envio da proposta à
Procuradoria Geral da República, o vice-presidente da autarquia, Fernando
Medina, acabou por determinar que ela fosse retirada, com vista à sua
“clarificação”.
Em causa está uma
proposta que prevê que o tal Factor F seja reduzido de 0,5 para 0,3 quando as
operações urbanísticas sujeitas ao pagamento de compensações à câmara ocorram
em áreas em que “se preconize a reconversão urbanística programada de espaços
urbanos cujo uso originário se tenha tornado desadequado e obsoleto”. No corpo
da proposta não se diz a que planos em concreto será esse factor aplicado, mas
num anexo há uma referência expressa a cinco áreas da cidade: Alcântara,
Matinha, Boavista, Parque Mayer e Amoreiras.
Foi essa
referência que esteve na base de grande parte das críticas que foram feitas ao
executivo camarário na reunião desta terça-feira da assembleia municipal. “Esta
proposta envergonha-nos”, afirmou o deputado Victor Gonçalves, do PSD, acusando
a câmara de estar “a beneficiar os grandes fundos de investimento, a família
Espírito Santo e outras que tal, o Grupo Mello e a Espírito Santo Saúde”.
Esta posição foi
partilhada por Margarida Saavedra, também do PSD, que disse não conseguir
compreender o porquê de haver “cinco casos” na cidade com um tratamento
diferenciado. Face à existência de “factores não devidamente esclarecidos”, e
em defesa de “uma equidade de critérios” e da “prossecução do interesse público
e da sua defesa”, a deputada anunciou que o seu partido iria enviar a proposta
“para a Procuradoria Geral da República, para os efeitos que tiver por
convenientes”.
“Podem à vontade
mandar a proposta para onde quiserem. Não tenho telhados de vidro”, reagiu o
seu autor, o vereador do Urbanismo da câmara. Manuel Salgado acrescentou que
caso a alteração do Factor F não seja aprovada aquilo que irá acontecer é que
haverá “terrenos que vão ficar parados um bom par de anos, porque ninguém lhes
quer mexer”.
Aquilo que o
vereador não disse - nem na sua intervenção inicial nem nas respostas que deu
aos deputados - foi que a câmara pretende que a alteração do Factor F não se
aplique apenas a Alcântara, Matinha, Boavista, Parque Mayer e Amoreiras, mas
sim “a todas as áreas da cidade” cujo uso se tenha tornado desadequado e
obsoleto. Uma garantia que só foi dada por Manuel Salgado depois de Margarida
Saavedra lhe ter perguntado directamente o porquê de a proposta não se estender
“a todas as zonas consolidadas” da cidade, aplicando-se “apenas a cinco
excepções”.
Em seu auxílio
veio o vice-presidente do município, Fernando Medina, que garantiu que esta é
“uma proposta de âmbito genérico”. Salgado corroborou a ideia, acrescentando
que a alteração da forma de cálculo das compensações urbanísticas se destina “à
cidade toda, com excepção das áreas que nunca foram urbanizadas, como a Alta de
Lisboa”.
Esclarecimento
dado, a reunião da assembleia municipal foi suspensa durante cinco minutos para
que PS e PSD pudessem chegar a um entendimento sobre uma nova redacção da proposta.
Os minutos prolongaram-se sem que esse entendimento fosse possível, o que levou
Fernando Medina a anunciar a retirada da proposta e o seu regresso à câmara.
“Todas as
questões têm que ser total e cabalmente esclarecidas”, disse o autarca,
explicando que aquilo que se pretende fazer é “uma clarificação e adequação da
linguagem” da proposta, por forma a que fique claro que ela se aplica a todas
as “áreas de reconversão” com excepção “das que ainda não foram urbanizadas”.
No debate sobre a
proposta, houve críticas do PEV, MPT, PCP, BE, PAN e dos independentes dos
Cidadãos por Lisboa. A única voz que se ouviu em sua defesa foi a do PS, cuja
deputada Rita Neves disse ter “pena” que onde o seu partido vê “vantagens”
outros vejam “negócio”.
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