CML permite que empresa ligada ao
BES construa quase o dobro do que o dono anterior
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO 27/03/2015 - PÚBLICO
Depois de numerosos contactos com António Costa e Manuel Salgado, o
promotor teve luz verde, em 2011, para construir uma certa área. Em Janeiro,
com o lote já nas mãos de uma empresa ligada ao BES, a câmara viabilizou uma
área de construção superior em 89%.
Manuel Salgado,
vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, informou em 2011 o proprietário de
quatro edifícios situados na Av. Fontes de Pereira de Melo, destinados a ser
demolidos, de que lá poderia construir uma área total de 12.377 m2 , para comérico
e serviços, em sete pisos acima do solo.
Em 2012, o
terreno mudou de mãos e foi adquirido por uma empresa então criada por um
antigo governador do Banco de Portugal e antigo presidente da Caixa Geral de
Depóitos, António de Sousa, e pelo Banco Espírito Santo. Em Janeiro deste ano,
o mesmo vereador Manuel Salgado propôs, e a câmara aprovou, apenas com os votos
do PS e de um vereador dos Cidadãos por Lisboa, a viabilização, para o mesmo
local, de um total de 23.386
m2 de comércio e serviços em 17 pisos.
A câmara
justifica o aumento de 89% da área de construção permitida com a entrada em
vigor, em 2012, de um novo Plano Director Municipal (PDM) e de um regulamento
municipal de incentivos ao sector imobiliário. O contexto em que todo o
processo se desenrolou deixa no entanto muitas dúvidas quanto à forma como foi
conseguida esta enorme valorização da propriedade.
Adquiridos na
quase totalidade há cerca de duas décadas pela empresa Torre da Cidade,
integralmente detida até Julho de 2012 por Armando Martins, um conhecido
promotor imobiliário, os prédios em causa, entre os quais um palacete
abandonado há muitos anos, ocupam a
esquina da Av. Fontes Pereira de Melo com a
Av. Cinco de Outubro, junto à Maternidade Alfredo da Costa. Ao longo
destes anos, o então proprietário propôs à câmara vários projectos para o
local, entre os quais uma polémica torre concebida pelo arquitecto catalão
Ricardo Boffil (autor do Atrium Saldanha, construído pelo mesmo promotor). Todos
eles foram rejeitados por não se conformarem com o PDM em vigor desde 1994.
Mais
recentemente, entre 2009 e 2011, Armando Martins — que se recusou a fazer
quaisquer comentários ao PÚBLICO sobre este assunto, remetendo para mais tarde
eventuais esclarecimentos — manteve repetidos contactos com o presidente da
câmara, António Costa, e com Manuel Salgado, com o objectivo de definir as
condições em que o município permitiria a construção no local. Nessa altura, a
crise do sector estava no auge e a Torre da Cidade já se vira obrigada a
hipotecar os terrenos ao BES contra um empréstimo de 15 milhões de euros.
Negócio falhado
Com os juros a
acumularem-se, o promotor tentava a todo o custo rentabilizar o terreno antes
que o banco tomasse conta dele. Foi nesse período que encontrou uma empresa
interessada em financiar a construção de um edifício no local, desde que a
câmara aceitasse uma área edificada da ordem dos 14/15 mil m2. Informalmente,
os serviços da câmara admitiram essa hipótese, mas a situação começou a
complicar-se nos contactos com Costa e Salgado.
Ainda em 2010, o
negócio gorou-se depois de a câmara ter mostrado abertura para autorizar 14 mil
m2 - mas com pelo menos 20% destinados a habitação. Para os parceiros de
Armando Martins (uma consultora estrangeira que queria instalar a sua sede no
edifício a construir) esta condição acabava com a viabilidade do
empreendimento.
Em desespero de
causa, com a dívida ao BES próxima dos 19 milhões de euros, Armando Martins
pediu formalmente ao presidente da câmara, em Maio de 2011, que lhe dissesse,
preto no branco, o que é que ali podia construir. A resposta veio um mês depois
por escrito, a 21 de Junho, com a assinatura de Manuel Salgado, então
vice-presidente da câmara. À luz da proposta de revisão do PDM então em
discussão, lê-se no documento, seria possível construir no local um edifício de
comércio e serviços com uma superfície de pavimento de 12.337 m2 e sete pisos
acima do solo. Ou então um edifício de comércio e habitação com 13.937 m2 .
Perante este
cenário, no qual não foi feita qualquer alusão à possibilidade de os últimos
acertos da revisão do PDM e o regulamento de incentivos ao sector, já então
estava em preparação nos serviços camarários, virem a permitir um acréscimo
significativo da edificabilidade permitida, Armando Martins ficou sem
alternativa.
Aceitou uma
proposta de um grupo liderado por António de Sousa, com fortes ligações ao BES,
e em Julho de 2012 vendeu a totalidade das acções da Torre da Cidade. A empresa
então criada para formalizar o negócio, a Flitptrel X é participada em 10% pelo
BES, banco como o qual celebrou um contrato de cessão dos créditos da Torre da
Cidade.
De então para cá,
a Torre da Cidade, já nas mãos da Flitptrel X, promoveu um concurso de ideias,
em colaboração com a câmara, o qual conduziu à proposta viabilizada pelo município
em Janeiro deste ano. No total, a Flitptrel X poderá edificar 23.386 m2 de comércio e
serviços num edifício de 17 pisos.
De acordo com as
respostas dadas nesta quarta-feira ao PÚBLICO pela Câmara de Lisboa, o
acréscimo de 11.009 m2
na edificabilidade, relativamente ao que fora permitido ao anterior
proprietário, resultou de três factores. A versão final do PDM (aprovada em
Setembro de 2011) autorizou 17.093
m2 , em vez dos 13.937 comunicados ao anterior promotor
em Junho de 2011, com base na proposta de revisão de Setembro de 2010. Por
outro lado, o regulamento de incentivos, cuja primeira versão foi aprovada em
Dezembro de 2011, possibilitou a construção de mais 2308 m2 . Além disso, a
revisão deste regulamento em Janeiro de 2013 veio permitir que os novos
proprietários possam fazer mais 3.984 m2 , desde que comprem ao município os
créditos de construção correspondentes, pelo valor aproximado de 2,8 milhões de
euros.
Empresa foi comprada por um euro
A Torre da
Cidade, proprietária dos cerca de 2100 m2 de terreno da Fontes Pereira de Melo,
foi comprada pela Flitptrel X por um euro. A sociedade, até então detida por
Armando Martins, tinha os terrenos hipotecados ao BES por 15 milhões,
devendo-lhe cerca de 19 milhões na altura da venda. A Flitptrel X é detida em
90% pela Flitptrel Portugal SGPS, que controla 26 outras sociedades
especializadas em adquirir empresa à beira da falência.
Por sua vez, a Flitptrel Portugal SGPS pertence à
luxemburguesa Flitptrel Lux SARL. Esta última é propriedade da Flit-Ptrel,
Sicav, que, por seu turno é controlada (90%) pela Ptrel Management, igualmente sediadas no
Luxemburgo. Finalmente, a Ptrel Management é partilhada pela holandesa Fegier
Holding BV e pela portuguesa Fields Grow.
A primeira
pertence ao empresário português Fernando Esmeraldo e a segunda a António de
Sousa. Os dois estão à frente da ECS, Sociedade de Capital de Risco.
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