Deontologia da Ordem propõe
processo disciplinar a advogado de Sócrates
Conselho terá recomendado a
abertura de processo, mas deixou a decisão nas mãos do presidente. Em causa
ofensas a jornalista
Pedro Sales Dias
/ 25-3-2015 / PÚBLICO
Mais de uma
semana depois de João Araújo, o advogado de José Sócrates, ter protagonizado um
episódio pouco ortodoxo com ofensas a uma jornalista à saída do Supremo
Tribunal de Justiça, após a rejeição do pedido de habeas corpus, o Conselho de
Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados decidiu manifestarse contra aquele
comportamento. Na altura, João Araújo disse a Tânia Laranjo, do Correio da
Manhã, para “tomar banho” porque “cheira mal”, além de ter apelidado os demais
jornalistas de “canzoada”.
Fontes do
conselho adiantaram ao PÚBLICO que ontem, durante a reunião daquele órgão, foi
votada uma deliberação dirigida ao presidente do conselho na qual terão
recomendado a instauração de um processo disciplinar a João Araújo. Entre os
membros, três votaram contra, um absteve-se e sete votaram a favor.
De acordo com o
Estatuto da Ordem dos Advogados, o conselho tem poderes para deliberar de
imediato a abertura de um processo disciplinar, mas terá preferido deixar essa
decisão nas mãos do seu presidente, Rui Santos, que não esteve presente por
motivos profissionais. Na deliberação, os conselheiros terão aproveitado para
expressar apoio ao presidente daquele órgão caso este venha a decidir instaurar
o processo em que João Araújo passará a ser arguido.
Rui Santos
adiantou ao PÚBLICO que irá emitir hoje um comunicado com mais pormenores sobre
a reunião e sobre uma eventual decisão, recusando prestar mais esclarecimentos.
“Não conheço a deliberação que esses deontólogos tomaram. Não tenho opinião”,
reagiu ao PÚBLICO João Araújo.
Os advogados
consideram que, com as declarações à jornalista do Correio da Manhã, João
Araújo colocou publicamente em causa o prestígio de todos os elementos desta
profissão e infringiu regras do Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente o
que estabelece que “no exercício da profissão, o advogado deve proceder com
urbanidade”.
João Araújo disse
a uma jornalista para ir “tomar banho”
Fontes daquele
órgão garantiram ao PÚBLICO não haver memória de alguma vez ter acontecido uma
deliberação nestes moldes, caracterizando-a como inusitada. Mas também a forma
em que a reunião decorreu foge à regra. Dos 20 membros conselheiros, apenas
apareceram 11 na reunião, tendo alguns advogados adiantado que os membros que
não apareceram quiseram assim manifestar-se contra a forma como foi publicitada
a discussão deste tema.
Convocatória
polémica
Na quinta-feira
passada, a vice-presidente do conselho, Teresa Alves de Azevedo, enviou um
comunicado a todos os advogados da Ordem dando conta do agendamento do tema
para ontem. Os agendamentos são habitualmente apenas partilhados com os membros
do conselho, o que terá merecido a crítica de alguns dos conselheiros, apesar
de estes estarem também indignados face às ofensas de João Araújo visionadas
sucessivamente nas televisões. Perante isso, aliás, o conselho foi contactado
por inúmeros advogados que consideraram que tal era inadmissível e colocaria em
causa a imagem da profissão.
“Notícias
recentes, relativas a patrocínios que têm sido objecto de forte mediatização,
deram causa a um significativo número de interpelações dirigidas ao Conselho de
Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, designadamente por colegas que
expressam a sua preocupação relativamente ao que entendem dever ser feito em
defensa do prestígio dos advogados e da Ordem dos Advogados”, refere o
comunicado do conselho em que a reunião foi convocada.
No mesmo
documento, o conselho dá conta de que as “interpelações foram feitas de uma
forma que revela a necessidade de reiterar, publicamente, o empenho deste
conselho em velar, como lhe compete, pelo cumprimento por parte dos advogados
(...) das normas de deontologia profissional”.
Porém, o PÚBLICO
apurou que não estão apenas em causa as palavras dirigidas à jornalista do CM. Tânia
Laranjo adiantou então que iria apresentar uma queixa-crime ao Ministério
Público e uma outra à Ordem dos Advogados.
Em cima da mesa
estão também as declarações de João Araújo publicadas esta terça-feira a
propósito de uma entrevista que o advogado deu ao jornal i. Nessa entrevista,
quando questionado sobre os jornalistas e os comentadores de televisão,
queixando-se destes, João Araújo diz que são “pessoas que são como os bêbados
que regressam a casa e deixam cair a chave, mas em vez de a procurarem onde a
deixaram, vão procurar ao pé de um candeeiro para terem luz”.
Houve outro
momento que não agradou ao conselho. A propósito do habeas corpus, João Araújo
teceu duras críticas a Costa Andrade, um dos penalistas de renome que
participou na revisão mais recente do Código Penal e que afirmou não ter
dúvidas de que o ex-primeiro-ministro deve ser julgado como qualquer outro
cidadão.
“Durante uma
semana ouvimos comentadores num concurso de ‘aparvalhamento geral’. Ainda vamos
falar das viagens de Costa Andrade”, ironizou o advogado.
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