Milhões de
hectares de floresta tropical foram arrasados em 13 anos para fornecer certos
produtos à UE
|
Relatório conclui que quase 25%
dos bens agrícolas produzidos em terras ilegalmente desflorestadas é importado
para a UE
Os principais países de origem
dos “bens roubados” são o Brasil, onde 90% da desflorestação é ilegal, e a
Indonésia, onde ela é ilegal em 80% dos casos
ANA GERSCHENFELD
18/03/2015 - PÚBLICO
Entre 2000 e
2012, de dois em dois minutos, uma área de floresta tropical equivalente em
média a um campo de futebol foi ilegalmente arrasada para fornecer carne de
vaca, couro, óleo de palma e soja aos países da União Europeia (UE). A
conclusão provém de um estudo publicado ontem pela Fern, organização não
governamental (ONG) de protecção das florestas com sede em Bruxelas, na
Bélgica.
“De 2000 a 2012, 2,4 milhões de hectares de terreno
foram ilegalmente desflorestados nos trópicos”, lê-se nesse relatório.
“O facto de a UE
ser líder mundial nas importações de produtos que fomentam a desflorestação já
está bem documentado, mas esta é a primeira vez que temos dados que mostram que
grande parte dessa desflorestação é ilegal”, diz Saskia Ozinga, responsável da
Fern, citado num comunicado daquela ONG.
O título do
relatório não deixa margem para dúvidas sobre o veredicto: “Bens roubados: a
cumplicidade da UE na desflorestação tropical ilegal.” No seu conjunto, explica
ainda esse documento, a UE importa “27% de toda a soja, 18% de todo o óleo de
palma, 15% de toda a carne de vaca e 31% de todo o couro disponível no mercado
internacional decorrente da destruição ilegal da floresta tropical”. Só em
2012, isso representou, em termos monetários, uma factura de 6000 milhões de
euros em importações, estima ainda o relatório.
Na frente deste
consumo de “produtos roubados” estão a Holanda (o porto de entrada da maior
parte desses produtos na UE), a Itália, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Ainda
segundo o estudo agora publicado, estes países importaram 75% desses produtos
“sujos” e consumiram 63%.
Mais
precisamente, a Holanda e a Alemanha são os maiores importadores de óleo de
palma, utilizado nos produtos cosméticos e na indústria alimentar; o Reino
Unido é o grande importador de carne de vaca; a maior parte do couro destina-se
ao mercado italiano, para a confecção de calçado e malas (num valor de mil
milhões de euros, o que faz deste país o maior consumidor europeu destes
produtos “ilegais”); e a França é o maior importador de soja, que utiliza na
alimentação de suínos e aves de criação.
O estudo
especifica ainda que os países de origem dos bens agrícolas derivados da
desflorestação ilegal são sobretudo o Brasil (onde cerca de 90% da desflorestação
é ilegal) e a Indonésia (onde se estima que 80% da desflorestação é ilegal). Mas
países como a Malásia, o Paraguai, os Camarões, República do Congo, Gabão,
Papuásia-Nova Guiné, Laos e Camboja também fazem parte da lista de
fornecedores.
“O consumo da UE
não só contribui para a devastação ambiental como também para as alterações
climáticas”, diz por seu lado Sam Lawson, autor do relatório, citado no
comunicado da Fern. “E a natureza ilegal da desflorestação também significa que
está a promover a corrupção, a perda de rendimentos, a violência, a violação
dos direitos humanos. Aqueles que têm tentado travar a desflorestação ilegal
têm recebido ameaças, sido alvo de ataques ou mesmo mortos”, acrescenta.
O relatório
também recomenda medidas que a UE deveria tomar para travar a sua contribuição
para a desflorestação ilegal.
“A procura de
bens que põem em risco a floresta está a ser motivada por uma série de
políticas da UE ao nível da agricultura, do comércio e da energia”, explica
ainda Saskia Ozinga. “Precisamos urgentemente de um plano de acção para tornar
estas políticas coerentes, reduzir o consumo da UE e garantir que apenas
importamos bens legais e produzidos de forma sustentável.” Mais precisamente,
acrescenta, “um Plano de Acção sobre a Desflorestação e a Degradação das
Florestas poderá desencadear um diálogo entre os países da UE e os
fornecedores, utilizando o comércio como incentivo. A UE pode instigar reformas
legislativas nos países fornecedores ao juntar os governos, a indústria e os
grupos da sociedade civil, não apenas para reduzir a desflorestação, mas também
para melhorar a governação e reforçar os direitos vitalícios das comunidades
indígenas e locais”.
Muitas empresas
têm-se comprometido recentemente a eliminar os produtos provenientes da desflorestação
ilegal da sua cadeia de produção, explica ainda o comunicado da Fern. Porém, o
relatório alerta para o facto de que, num contexto de ilegalidade generalizada,
as empresas terão dificuldades para cumprir esses compromissos sem intervenção
governamental.
“A UE
comprometeu-se a reduzir a perda bruta de florestas em 50% até 2020 e
eliminá-la até 2030” ,
diz Catherine Bearder, eurodeputada dos liberais democratas (Lib-Dem)
britânicos, num depoimento recolhido pela Fern. “Uma maneira de atingir esses objectivos
(...) é tornar mais rígidos os requisitos de importação entre os países
exportadores de madeira e a UE. A outra é, obviamente, a necessidade urgente de
reforçar o Plano de Acção FLEGT [Plano de Acção da UE para a Aplicação da
Legislação, a Governação e o Comércio no Sector Florestal], que precisa de ser
reorientado, passando a abranger não só o comércio ilegal de madeira mas também
qualquer conversão ilegal de terras para fins agrícolas.”
Sem comentários:
Enviar um comentário