James Curran, académico dos media, defende uma intervenção do Estado para
resolver a crise económica dos jornais.
ENTREVISTA
“Subsídios públicos podem reduzir
a dependência” dos media
JOÃO PEDRO
PEREIRA 21/03/2015 - 11:02
James Curran, académico dos media, defende uma intervenção do Estado para
resolver a crise económica dos jornais.
A Internet trouxe
novas ferramentas para os media, mas também um problema de negócio, que está a
afectar a qualidade da democracia, diz James Curran, professor na Goldsmiths
University of London. O académico dá o exemplo da rádio e da televisão para
defender que a intervenção estatal traz benefícios quando surge uma nova
tecnologia. Numa conversa após uma conferência na Universidade Católica, em
Lisboa, Curran afirmou também que o público tem o direito a conhecer conflitos
de interesse relacionados com os donos dos media.
O jornalismo é
uma peça fundamental da democracia que tem a particularidade de precisar de ser
um negócio saudável. A crise do negócio está a afectar a qualidade das
democracias?
Sim. No Reino
Unido, nos últimos anos, tem havido uma redução de jornalistas empregados, de
forma semelhante ao que acontece nos EUA. A consequência disso é que a imprensa
está mais dependente das relações públicas e do jornalismo do corta e cola. A
Internet devia facilitar o acesso a fontes de informação diversificada, mas, na
prática, a pressão para os jornalistas produzirem mais, e com menos pessoas,
aumenta a dependência de fontes já conhecidas, de fontes do establishment. A
qualidade do jornalismo está a reduzir-se em consequência do desvio da
publicidade para sites, o que inclui sites que não são jornalismo.
O jornalismo em
certos aspectos está melhor. Os jornalistas sabem melhor o que o público quer,
têm mais ferramentas, podem comunicar com a audiência de uma forma mais directa
do que antes da Internet. Concorda?
O argumento é que
na Internet os jornalistas estão mais cientes daquilo que leitores e
espectadores querem. O que não se concretizou foi a esperança de que os
“cidadãos jornalistas” iriam conseguir uma horda de leitores. Os maiores sites
na Grã Bretanha são todos controlados por instituições de media. E encontramos
o mesmo padrão noutros países. Mas isto depende do contexto. Na Coreia do Sul,
um site chamado Oh My News, que é uma produção conjunta de amadores e
profissionais, construiu uma enorme audiência. A razão foi haver uma revolta
cultural contra o conformismo e uma revolta contra um regime totalitário
[alguns académicos e críticos do Governo sul-coreano têm argumentado que o país
está a funcionar numa lógica totalitarista].
Esses sites que
surgem fora das instituições jornalísticas não têm normalmente falhas de
isenção? Há o caso de Glenn Greenwald, que tem agora um site e que trabalhou
com o Guardian no caso de Edward Snowden. Muitos dizem que Greenwald não é um
jornalista, por ter uma agenda própria.
Depende do
contexto. Na América, onde há uma tradição muito forte de jornalismo
profissional e de objectividade desinteressada, isso é um problema maior do que
no Reino Unido, onde a tradição é a de ser partidário.
Acha possível que
partidos políticos e grandes empresas possam chegar directamente ao público,
saltando os jornalistas? Há partidos que já têm sites que, em termos de
aspecto, são semelhantes a sites noticiosos.
Julgo que não. Os
dados mostram que as instituições estabelecidas, os jornais e as televisões,
dominam o consumo de notícias na Internet. Num estudo que fizemos em dez
países, verificámos que as fontes de informação usadas por sites eram muito
similares às usadas por jornais e televisões. O Estado era a mais usada. A
oposição política também era muito importante. As organizações da sociedade
civil eram muito pouco importantes.
Os partidos estão
em crise. Por isso, a ideia de que vão chegar a grandes audiências vai contra
os factos. As filiações partidárias estão em queda, o número de pessoas a votar
também. Tenho dado o exemplo da Primavera Árabe. Há alguma mitologia em torno
da Primavera Árabe. A penetração do Facebook, do Twitter, mesmo da Internet, é
muito baixa no Egipto. Foi o contexto de uma oposição organizada e uma longa
história que inclui sindicatos, a Irmandade Muçulmana, a expansão da educação,
insatisfação… O contexto fez a revolução, a Internet facilitou-a. Mas a
Internet, sem o contexto, não seria a causa.
Por que emergiu
essa narrativa de uma revolução do Twitter?
Foi a vontade de
satisfazer o desejo de que a tecnologia consegue resolver tudo. É uma das
grandes mitologias modernas, que é parcialmente verdade: a tecnologia leva ao
progresso. O que aconteceu é que houve um golpe militar e a América alinhou por
razões geopolíticas. O poder da palavra foi menos forte do que o poder das
armas e que a lógica da geopolítica.
O seu último
livro é sobre isto: a forma como estaremos a sobreestimar o efeito da Internet.
O argumento principal
é que a Internet faz uma grande diferença apenas em conjunção com um contexto. A
Primavera Árabe é uma ilustração disso. Em princípio, as novas tecnologias
poderiam produzir um grande renascimento no jornalismo. Mas não está a ser
assim.
Porque está a
dificultar o negócio?
Exacto.
Imagina um
cenário-limite, em que os jornais não encontram um modelo de negócio viável? Alguns
jornais conseguem hoje ser bem sucedidos, mas já não há, como antes, um modelo
que funcione bem para todos.
Seria um processo
de declínio progressivo em que menos jornalistas produziriam pior jornalismo e
abarcavam menos dimensões [da sociedade]. Muitos jornais fechariam e haveria
uma maior concentração empresarial de jornais. Acho que alguns poderia
sobreviver através de financiamento vindo de pessoas ricas.
O modelo de
filantropia, que existe nos EUA?
Ou oligarcas
russos.
O Estado deve
intervir?
Depende do que
vier a acontecer. Mas se o Estado não intervier, o financiamento pode acabar
por vir de oligarcas ou de grandes empresas, funcionando [os jornais] como um
departamento de relações públicas. Pensemos no serviço público de rádio e
televisão. Era uma tecnologia nova e o Estado interveio para criar empresas
públicas. Na Grã Bretanha, houve uma luta terrível sobre se a BBC deveria poder
dar notícias, porque os jornais diziam que era concorrência desleal. E, no
início, nos anos 1920, a
BBC era a voz do Governo. Gradualmente, foi-se tornando independente. A forma
como a intervenção do Estado fomentou um enorme avanço na transmissão
televisiva diz-nos que podemos ter uma intervenção equivalente na
Internet. Há uma estranha noção de que
uma subsidiação privada permite independência, enquanto uma subsidiação pública
não. É simplista. Subsídios públicos podem reduzir a dependência de oligarcas. E,
não dispiciendo, o jornalismo na Internet é barato...
Não exigiria
muito dinheiro dos contribuintes…
Talvez não deva
ser dinheiro dos contribuintes. Talvez deva ser dinheiro de uma taxa sobre o
Google.
O Google deve pagar
por usar os conteúdos dos media?
Sim. E também é
possível ter uma taxa sobre os operadores de telecomunicações. Por outras
palavras, é possível taxas as partes lucrativas do sector da comunicação, para
subsidiar uma imprensa vigorosa.
Nos anos recentes,
há muitos escândalos, nomeadamente políticos, a serem descobertos por
jornalistas. Tem acontecido cá em Portugal, mas também no Reino Unido. Como é
que concilia isto com a sua visão de uma imprensa pouco vigorosa?
É uma questão de
contexto. Suspeito que haja um forte debate político a acontecer na sociedade
civil em Portugal e isso influencia o jornalismo. A tendência na Grã Bretanha
tem sido para dar mais atenção ao jornalismo de celebridades e ao
entretenimento.
É uma estratégia
bem sucedida?
As pessoas lêem
avidamente histórias sobre as vidas de figuras públicas, mas isso não parou a
queda livre da circulação. A resposta para a crise económica [dos media] não
tem sido mais desse jornalismo independente e de investigação que está a
descrever. Tem sido mais fofocas.
Acha que as
empresas de media têm obrigações especiais de transparência, nomeadamente no
que diz respeito à propriedade?
Claro que a
transparência é desejável. O público deve saber se existem conflitos de
interesse. Mas a transparência não é suficiente. Deve haver directores de
jornais independentes, alguns deles seleccionados pela redacção. É a melhor
garantia.
Quem é que quer
ser dono de um jornal se nem puder escolher o director?
Ainda há
benefícios. Quando se é dono de um jornal, tem-se um cartão de visita para
qualquer área da sociedade, tem-se influência que não se teria de outra forma.
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