Salgado. O homem que não voltará
a ser banqueiro
Salgado até pode ser inocente mas
não pode fugir à responsabilidade de ter sido o líder que levou o GES ao
descalabro. Um líder que não assume a sua responsabilidade não é digno desse
nome. É um cobarde
Por Luís Rosa
publicado em 20
Mar 2015 in
(jornal) i online
Depois de o
provérbio chinês da pele do leopardo e da honra dos homens ter marcado a
primeira audição de Ricardo Salgado na comissão parlamentar de inquérito, foi a
vez de Fernando Pessoa ser citado de forma imprecisa para evitar um pedido de
desculpa a accionistas, investidores e depositantes do Banco Espírito Santo
(BES).
É precisamente
por aqui que devemos começar: só um homem autista, que vive isolado do mundo
que o rodeia, pode considerar que não deve um pedido de desculpa a accionistas,
investidores e clientes que foram defraudados pela sua gestão. Ricardo Salgado
até pode ser inocente de todas as irregularidades que lhe apontam, mas não pode
fugir à responsabilidade de ter sido o líder de administrações que levaram o
BES e o Grupo Espírito Santo (GES) ao descalabro. Um líder que não assume as
suas responsabilidades não é digno desse nome. É um cobarde.
A segunda audição
de Ricardo Salgado, na verdade, não trouxe nada de novo. O ex-presidente do BES
insiste que, com alguma tolerância de tempo do Banco de Portugal e uma ajuda
financeira do Estado, poderia ter dado a volta à situação catastrófica que a
sua gestão promoveu no BES. Salgado insistiu pela enésima vez que é uma vítima
da acção do governador Carlos Costa – invertendo completamente as
responsabilidades no descalabro do império da família Espírito Santo, como se o
líder do Banco de Portugal fosse também ele um Espírito Santo ou uma espécie de
primo mau oculto de Ricardo Salgado. Fechado no seu mundo, Salgado não percebe
que o tempo em que o Banco de Portugal apenas fazia estudos e se confundia com
a Associação Portuguesa de Bancos pertence a um passado longínquo. E muito
menos entende que quanto mais atacar Carlos Costa mais a opinião pública
perceberá que essa é precisamente a prova de que o Banco de Portugal incomodou
e fiscalizou o ex-Dono Disto Tudo.
O que não quer
dizer que o governador, tal como os restantes reguladores, não tenha a sua
quota--parte de responsabilidade – mas que em nada se assemelha à de Ricardo
Salgado e dos restantes gestores.
O líder do BES
durante mais de 20 anos começou bem a sua segunda audição, mas foi perdendo
força face ao escrutínio intenso dos deputados bem preparados da comissão
parlamentar de inquérito. Salgado tentou, mais uma vez sem êxito, combater a
ideia de quenão é o responsável máximo pelo descalabro do império do GES. Mas
hoje é um homem acossado, cansado, com pouca energia, com um raciocínio mais
lento – mas que está consciente de que passará o resto da vida a tentar provar
a sua inocência nos inúmeros processos-crime e contra-ordenacionais abertos em
mais de oito países que investigam a gestão do BES e do GES.
Mais que passar o
resto da vida a defender-se, Ricardo Salgado sabe também que não voltará a ser
banqueiro em Portugal ou em qualquer outro país relevante do resto do mundo. E
essa é a sua maior derrota. Ao fim e ao cabo, Salgado foi educado para liderar
os destinos do “seu” banco, foi educado para liderar o grupo empresarial de uma
família que tem tanta importância para Portugal como os Rockefeller para os
Estados Unidos ou os Rothschild para a Europa e foi educado para liderar com
mão de ferro e forma incontestável.
O mundo em que
vive neste momento sem poder e sem influência não é o mundo em que foi educado
e aquele que pensava que seria eterno. Pior do que está a acontecer só a
prisão. Uma realidade que não é tão utópica como era a sua queda em desgraça há
dois anos.
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