Altos dirigentes confirmam
criação de lista VIP mas sem o secretário de Estado saber
SOFIA RODRIGUES
20/03/2015 - PÚBLICO
Paulo Núncio garante que não aprovou, não deu instruções sobre a criação de
uma lista e exige que apresentem provas do contrário. O governante ignorou os
pedidos de demissão por parte da oposição
Um subdirector validou
a ideia de uma lista VIP proposta por um “técnico de informática”, um
director-geral autorizou testes desse sistema (que nunca chegou a funcionar) e
admite que houve reuniões de técnicos com serviços norte-americanos sobre o
assunto. Mas o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tutela os
serviços, nada sabia nem deu instruções sobre o assunto.
A oposição
considera que Paulo Núncio não tem condições para continuar no cargo, depois
das três audições realizadas, esta sexta-feira, no Parlamento. Mesmo na maioria
há quem duvide que Núncio se possa manter até porque a ministra das Finanças se
resguardou num silêncio significativo.
Na última
audição, já à noite, o secretário de Estado veio corroborar o que disse
anteriormente o director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT),
Brigas Afonso. “Nunca decidi nem nunca aprovei qualquer lista de contribuintes
específicos. Em consequência nunca entregue qualquer lista de contribuintes à
AT e que nunca dei instruções à AT nesse sentido. Não autorizei nem autorizaria
lista específica por seria ilegal e feria princípios constitucionais”, afirmou
o governante, acrescentando que se soubesse de tal proposta teria “determinado
de imediato o cancelamento”. Só na passada segunda-feira foi informado por Brigas
Afonso de que “tinha havido propostas e procedimentos internos sobre esta
matéria sem que jamais o Governo ter tido conhecimento delas”. Um “erro”, disse
Núncio, mas que o levou a determinar a abertura de um inquérito por parte da
Inspecção-Geral de Finanças.
Às sugestões mais
ou menos claras de demissão por parte de PS, PCP e BE, o secretário de Estado
fingiu não ter ouvido, desde o princípio ao fim da audição. E aproveitou para
anunciar a substituta de Brigas Afonso que será Helena Borges, directora regional
de Lisboa de finanças. No final das audições, a socialista Isabel Santos
considerou haver “matéria foro criminal” e pediu que fosse retirada certidão
das declarações para enviar ao Ministério Público.
Quanto à questão
de uma lista VIP, Paulo Núncio assumiu ser “visceralmente” contra qualquer
diferenciação de contribuintes. Uma posição que diverge da actuação do seu
director-geral, que “pôs o lugar à disposição”.
Brigas Afonso,
depois de insistentemente interrogado pelos deputados sobre o conhecimento que
o governante tinha do caso, acabou por dizer que foi questionado por Paulo
Núncio, sobre a existência de uma lista VIP, ainda antes da denúncia pública do
caso. “Em meados de Fevereiro perguntou-me se havia lista e eu disse que não. Depois
quando o processo se tornou mediático fui ver e havia num processo de auditoria
em que essa lista era referida”, afirmou. Esse relatório de auditoria, data de
Novembro de 2014, e é referente às consultas que terão havido aos dados fiscais
de Passos Coelho e que deram origem aos processos disciplinares aos
funcionários.
Relativamente às
afirmações feitas por Vítor Lourenço, chefe de divisão de auditoria interna,
numa acção de formação de inspectores, em que alertou para a existência de
contribuintes mais protegidos, Brigas Afonso atribui a “excesso de zelo”.
Mas o
director-geral admitiu que, na mesma altura em que foi questionado por Núncio,
decidiu dar “sem efeito” o procedimento informático e os “testes realizados”. Brigas
Afonso reconheceu que “era uma matéria muito delicada” e por isso suspendeu os
testes. Os testes “eram uma mera análise para avaliar a viabilidade de
eficiência de um sistema destes”. Que contribuintes estiveram envolvidos nos
testes foi uma das perguntas que ficou por responder. Ao mesmo tempo, o alto
dirigente revelou “surpresa” por haver “unanimidade” em rejeitar uma
diferenciação de contribuintes em nome de um maior controlo da informação: “Há
uma protecção especial de algumas pessoas. Umas têm um polícia à porta, outras
não”.
Os deputados
foram ainda surpreendidos pela revelação de que terão existido contactos com
técnicos da administração fiscal dos Estados Unidos sobre este assunto, mas o
antigo dirigente da AT garantiu que eram a “nível técnico” e que não tinham
acompanhamento político.
A ideia foi do “técnico”
Se o secretário
de Estado só soube na passada segunda-feira, se só aí foi informado pelo
director-geral da AT de que havia “procedimentos internos” para um maior
controlo de acessos indevidos, então quem foi que deu luz verde a tal sistema? Foi
José Maria Pires, subdirector-geral da Justiça Tributária, que por sua vez deu
um despacho favorável a uma informação de um “técnico informático”, num dia de
Outubro em que estava em substituição legal de Brigas Afonso e depois dessa
proposta estar há várias semanas no gabinete do seu superior. Foi essa a versão
assumida por José Maria Pires perante os deputados. O subdirector não tinha
tutela sobre a auditoria interna nem sobre a informática, mas decidiu, no dia
10 de Outubro, dar a concordância a uma proposta, “uma página e meia”, assinada
pelo director da Segurança Informática, Morujão Oliveira, para a criação de uma
lista de contribuintes – pessoas e empresas – que fossem mais permeáveis ao
acesso por parte dos funcionários da AT. Fê-lo por preocupação com o sigilo
fiscal e quando despachava o “expediente do dia”. O sistema pressupunha a
“identificação de pessoas e empresas que são mais permeáveis” aos acessos
indevidos. Era uma “lista dinâmica, não é estática, dependente do histórico do
acesso dos contribuintes”, afirmou José Maria Pires, acrescentando que “essa
lista deveria basear-se em critérios que a informação” que despachou “não
definia”. Mas sugeria que “numa primeira fase e à falta de melhor critério, se
poderiam incluir nesta metodologia os titulares de órgãos de soberania”.
Também José Maria
Pires garantiu não ter recebido qualquer lista do secretário de Estado. “Se eu
recebesse uma lista vinha aqui dizer que a tinha recebido. Quero dizer, com
solenidade, que não recebi nenhuma lista nem do Secretário de Estado ou seja de
quem for”, disse. Por sua vez, Paulo Núncio também disse não conhecer
pessoalmente Morujão Oliveira, o técnico que fez a proposta inicial. E, num
desafio directo a Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos
Impostos, o secretário de Estado desafiou a que apresentem provas do seu
envolvimento. Paulo Ralha disse, na passada quinta-feira, no Parlamento, não
ter nada de “palpável” que comprovasse o aval político de Núncio, mas apenas
“testemunhas directas” desse envolvimento que identificará em “sede própria”.
Datas-chave no processo da
alegada lista
25/09/ 2014 O
primeiro-ministro nega fazer striptease bancário das suas contas bancárias. Em
causa estava o caso Tecnoforma. Na noite anterior, o jornal i avançava na
edição online que tinha tido acesso à informação fiscal de Passos Coelho.
30/09 A Área de
Segurança Informática da Autoridade Tributária (AT) apresenta uma proposta no
âmbito do acesso a dados pessoais, assente “numa estratégia de proximidade e em
tempo real”. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos,
acrescenta, na audição de quinta-feira, que a partir de Outubro de mudam os
procedimentos para se averiguar o acesso indevido por parte de funcionários.
10/10 O
subdirector-geral da Justiça Tributária, José Maria Pires, em substituição do
director-geral da AT, despacha favoravelmente a proposta apresentada por haver
“um aumento significativo de consultas a dados fiscais sigilosos”.
11/12 A AT
investiga funcionários que terão consultado informações fiscais do
primeiroministro, noticia o PÚBLICO.
31/12 Acabava o
prazo para os serviços responderem ao pedido de José Maria Pires para que
fossem apresentadas “medidas” para a salvaguardar o “sigilo dos dados
pessoais”.
20/01/2015 Numa
formação para inspectores da AT, o chefe de serviços de auditoria fala num
“pacote VIP”: “Criámos um grupo associado a pessoas com cargos políticos, mais
mediatizadas. Existe neste momento um pacote de identificação de pessoas que
nós sabemos online quem está a ter acesso”. A gravação é revelada pela Visão a
18 de Março.
21/1 O Sindicato
dos Trabalhadores dos Impostos conta, na audição de quintafeira, que em Janeiro
houve uma reunião com o PSD, com o deputado Duarte Pacheco, na qual foi dada a
conhecer a bolsa. O parlamentar nega ter registo dessa informação.
28/2 O PÚBLICO
revela que Passos acumulou dívidas à Segurança Social durante 5 anos.
3/3 Mesmo antes
de ser noticiada a alegada lista VIP, Passos alega que querem expor a sua vida
fiscal.
4/3 O Expresso
revela que Passos foi alvo de cinco processos de execução fiscal que ascenderam
a cerca de seis mil euros.
11/3 No debate
quinzenal, Passos nega qualquer bolsa VIP.
12/3 A Visão
escreve que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, terá entregue,
em Outubro, uma lista de contribuintes mediáticos, da área política, financeira
e económica, a cujo cadastro terá sido aplicado um filtro para detectar quem
lhe acede.
16/3 As Finanças
solicitam à Inspecção-Geral de Finanças a abertura de um inquérito sobre a
alegada lista.
17/3 A PGR
anuncia que está a recolher informação sobre a eventual lista para avaliar se
inicia algum procedimento.
18/3 O
director-geral da AT, António Brigas Afonso, demitese. Passos diz que “fez
bem”, porque tinha informado o Governo da não-existência da lista. Em carta,
Brigas Afonso insiste que não há bolsa, justifica a saída por não ter informado
a tutela sobre procedimentos internos que podem ter criado a percepção de que
existia, e garante que o Governo não teve intervenção na questão.
19/3 Sabe-se que
José Maria Pires se demitiu no dia anterior. O ministro da Presidência, Marques
Guedes, reafirma que o Governo não tinha conhecimento de qualquer matéria sobre
a eventual lista até segunda-feira (16 de Março), quando Brigas Afonso informou
a ministra das Finanças de que havia “estudos autorizados por ele ou trabalhos
internos” nesse sentido.
19/3 O Sindicato
dos Trabalhadores dos Impostos e a Associação Sindical dos Profissionais da
Inspecção Tributária são ouvidos na AR.
20/3 Brigas
Afonso e Paulo Núncio são ouvidos na comissão parlamentar de Orçamento.
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