sábado, 7 de março de 2015

Os estilhaços das dívidas de Passos / PS sem entusiasmo pelas polémicas de Passos.

Os estilhaços das dívidas de Passos
DIRECÇÃO EDITORIAL 07/03/2015 - PÚBLICO

A actual crise política afecta muitos protagonistas. Ver-se-á até onde vai.

O caso das dívidas do primeiro-ministro ao fisco e à Segurança Social está a lançar estilhaços em todas as direcções. Como é evidente, o próprio Passos Coelho foi o mais atingido.

Depois de ter tentado desvalorizar as notícias do PÚBLICO, o chefe do Governo não conseguiu escapar à pressão social e política, acabando por ter de responder por escrito às perguntas dos deputados e de fazer ontem um intervalo no seu périplo transmontano para dar uma curta conferência de imprensa sobre o assunto. Mas a pressão não vai terminar por aqui. Na próxima quarta-feira o tema deverá voltar ao plenário da Assembleia da República onde o primeiro-ministro enfrenta mais um debate quinzenal e a ocasião poderá servir ao PS para definir claramente a sua posição sobre o futuro de Passos Coelho. Ontem, nas páginas do DN, Manuel Alegre não escondia o desconforto pela forma como o PS e os “outros partidos de esquerda” têm reagido a esta situação. E pedia nada mais, nada menos do que a cabeça do primeiro-ministro. O alerta de Alegre não é mais do que a evidência pública da agitação no partido "rosa". Depois da infeliz prestação do líder socialista na sessão com os investidores chineses e da sondagem do passado fim-de-semana no Expresso, que dava um quase empate técnico do PS com a coligação, a passividade de António Costa sobre um caso tão grave quanto este estava a pôr a ala esquerda do partido à beira de um ataque de nervos. Tanto mais quanto há muitas dúvidas sobre os verdadeiros desígnios do líder em matéria de alianças. Costa já renegou o Bloco Central, mas não o fez em relação ao CDS, um dos partidos “da austeridade”. Ora é, justamente, a exigência de uma ruptura com os partidos que foram os protagonistas destas políticas que Alegre também já havia exigido. Paralelamente, Costa tem de gerir a ala mais à direita do PS, preocupada com a fuga do eleitorado do centro, caso vingue qualquer tentação de aliança à esquerda. Ambas as sensibilidades estão desconfiadas da relativa apatia com que António Costa tem gerido o partido, pelo que vão continuar a pressionar. E qualquer factor que contribua para a tomada de decisões antes de tempo ajudará a desestabilizar o caminho do secretário-geral. Muito afectado por este caso foi o Presidente da República. Cavaco Silva não disse até agora uma única palavra sobre o assunto e é natural que esse silêncio seja mais um rude golpe para a sua já tão desgastada imagem. O Presidente poderia ao menos ter dado um sinal de que o primeiro-ministro deveria dar explicações ao país, mas nem isso fez. Costa não hesitou em dizer que Passos beneficia de uma “imunidade” que lhe foi conferida por Belém, na medida em que o Presidente pôs de parte antes de tempo qualquer hipótese de eleições antecipadas, o que é uma forma de colar completamente este mandato presidencial à actual coligação. Finalmente, o PSD. Há uma semana, parecia ser possível um passeio até às eleições. Agora, tudo será mais difícil.
PS sem entusiasmo pelas polémicas de Passos
Nuno Sá Lourenço / 7-3-2015 / PÚBLICO

Quando António Costa falou, pela primeira vez, sobre a polémica à volta da carreira contributiva do primeiro ministro, já o histórico socialista Manuel Alegre lhe tinha roubado o protagonismo. De forma intencional ou não, a declaração do líder socialista soou a resposta ao desafio do exvice-presidente da Assembleia da República e ex-candidato a Belém. “Pedro Passos Coelho já deveria ter sido confrontado pelo PS, e pelos outros partidos de esquerda, perante a obrigação ética e política de se demitir”, defendeu o conselheiro de Estado em declarações ao Diário de Notícias.
O histórico socialista não conseguiu evitar escapar a sua perplexidade perante a “absoluta impunidade política” de que goza o primeiro-ministro que levava os partidos de esquerda a não exigir a saída de Passos Coelho. Alegre foi mesmo ao passado recuperar outros casos em que “já houve ministros que se demitiram”, numa referência ao exministro da Defesa socialista, António Vitorino. “E, no estrangeiro, por muito menos, ocorrem estas demissões”, comparou mais uma vez.
A reacção mais cautelosa de António Costa ontem, ao fim de uma semana em que evitou falar do assunto, parece estar mais em sintonia com a elite socialista. A verdade é que o debate à volta dos incumprimentos de Passos Coelho não tem animado o PS. Na reunião da bancada parlamentar socialista, realizada na quinta-feira, os deputados optaram por discutir os méritos das propostas sobre enriquecimento injustificado e ouvir a apresentação de João Tiago Silveira, director do gabinete de estudos que prepara o programa eleitoral.
Ao que o PÚBLICO apurou, os momentos de divergência tiveram mais que ver sobre o projecto socialista relacionado com a justiça, com alguns deputados apoiantes do ex-líder António José Seguro a levantar objecções à proposta do próprio partido.
Mesmo entre os socialistas mais distantes da actual direcção existe a percepção de que não há grande vantagem em cavalgar impetuosamente uma polémica. “Um líder do PS não pode pedir a demissão de um primeiro-ministro. Só pode exigir a sua demissão”, justifica o dirigente Álvaro Beleza, que tem assumido a liderança da ala segurista desde que o anterior secretário- geral saiu de cena. Antes de mais porque “a precipitação é sempre má conselheira”, explica. Depois, porque a gravidade de uma exigência desse tipo “tem que ser muito bem fundamentada”, remata.
Ainda assim, Alegre não é o único, no interior do PS, a considerar que a gravidade da situação justificaria essa consequência política extrema. Exemplo disso, logo nos primeiros dias da polémica, o deputado socialista André Figueiredo tirou a mesma conclusão na rede social Facebook. Escreveu “demissão” por Passos Coelho “se ter embrulhado e por não ter sido verdadeiro desde o primeiro momento”, explicou ao PÚBLICO. E acrescenta que a sucessão de declarações do chefe do Governo só veio reforçar a convicção.
“O primeiro-ministro sempre disse que nunca viveu acima das suas possibilidades. Ontem veio justificar os alegados cinco processos da Autoridade Tributária com a falta de dinheiro. Afinal, Pedro Passos Coelho confirma que viveu acima das suas possibilidades.”

Mas André Figueiredo compreende a forma mais comedida como o secretário-geral socialista tem gerido a polémica. “O PS seguiu a linha de dar ao primeiro-ministro a possibilidade do esclarecimento cabal”. Seguindo a “tramitação” normal, para esperar “agora as respostas do chefe do Governo”.

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