O burgesso Araújo é a metáfora
ambulante de Sócrates
Por Ana Sá Lopes
publicado em 18
Mar 2015 in
(jornal) i online
Araújo está em
modo de desesperada defesa, mas também a cumprir um velho mantra da relação de
Sócrates com a imprensa: “Tenho uma boa relação com as pessoas desde que se
portem bem.” Portar-se bem é ser cego e surdo a factos e provas e não ser mudo
apenas para defender o chefe
O país está cheio
de advogados, mas Sócrates teve de contratar uma personagem-vómito para o
defender. É difícil imaginar que seja estratégia – embora a história mundial da
perda de juízo esteja amiúde confundida com estratégias mirabolantes.
Entende-se
perfeitamente o desespero de Sócrates e da sua defesa. Nas milhentas cartas que
enviou da prisão, o ex-primeiro-ministro não conseguiu refutar um avo do que
lhe é imputado. Pelas palavras do próprio ficámos a saber que vivia de
empréstimos milionários pedidos a um amigo. Em nenhum lugar do mundo uma pessoa
normal vive assim, em nenhum lugar do mundo um ex-primeiro-ministro consegue
sobreviver assim. A fantasia da mãe rica, com que durante anos Sócrates e os
próximos alimentaram a comunicação social para justificar os gastos
desmesurados de um político que, quando saiu do governo, entregou uma declaração de rendimentos sem
rendimentos declarados, caiu por terra. Cabe agora à justiça investigar o que
tem de ser investigado, sem pressões nem excitações.
No entanto, como
escreveu Hélder Gomes, jornalista do canal Q, no Facebook, até Sócrates merecia
um advogado melhor. Qualquer arguido merecia um advogado melhor. O burgesso que
insultou a jornalista Tânia Laranjo, do “Correio da Manhã” e da CMTV, e todos
os jornalistas presentes na segunda-feira à porta do Supremo Tribunal de
Justiça – a “canzoada”, no dizer do burgesso Araújo – está em modo de
desesperada “defesa”, mas também está a cumprir um velho mantra da relação de
Sócrates com a imprensa: “Tenho uma boa relação com as pessoas desde que se
portem bem”, disse Araújo à noite na TVI, onde repetiu as ignomínias sobre
Tânia Laranjo, “a senhora do ‘Correio da Manhã’ que tem mau aspecto”.
Nós sabemos que
Sócrates e o socratismo – uma tendência no PS agora mais minoritária mas ainda
assim resiliente – sempre tiveram boas relações com quem “se portava bem”. A principal obrigação para se entrar no
círculo das boas relações era ser cego, surdo e não ser mudo apenas para
defender o chefe, sempre acéfala e acriticamente, quaisquer que fossem as
provas e os factos.
Infelizmente, o
burgesso Araújo é a metáfora ambulante de Sócrates. Se todo o arguido tem
direito a uma defesa decente, a pior defesa para Sócrates é a sua metáfora em
liberdade.
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