Lista VIP e muros de
autoprotecção
Por Luís Rosa
publicado em 21
Mar 2015 in
(jornal) i online
Numa semana tão
rica em acontecimentos como a manutenção de José Sócrates em prisão preventiva
e a segunda audição de Ricardo Salgado na comissão parlamentar de inquérito, o
principal assunto da semana acabou por ser um daqueles casos banais que se
transformam em algo grandioso por incapacidade política do governo ou excesso
de zelo de algum funcionário público que quis agradar à equipa ministerial das
Finanças.
A criação de uma
espécie de Big Brother informático que permite às chefias do fisco saber se as
declarações do Presidente da República, do primeiro-ministro, de membros do governo
ou de alguns dos gestores mais importantes do país estão a ser consultadas, em
que repartição de Finanças e por quem é uma daquelas ideias que só podem
parecer positivas a burocratas que sonham com o Estado policial do “1984” de George Orwell.
A primeira
questão que este caso levanta é simples: ou o sigilo fiscal é igual para todos
ou não há sigilo fiscal para ninguém. Existirem diversos graus de sigilo
fiscal, consoante a importância política ou a influência económica dos
contribuintes, é uma discriminação sem sentido.
Além da ideia de
que a base da administração pública não pode lidar com informação relativa à
pirâmide social, este é apenas o último exemplo de uma ideia perigosa para a
democracia: a de que os titulares de cargos políticos têm direito a privilégios
que não estão ao alcance dos comuns mortais só porque estão mais expostos em
termos mediáticos. Recorde-se que o governo de José Sócrates criou processos
especiais para investigar o Presidente da República e o primeiro-ministro e
criou a proibição da divulgação de escutas telefónicas por parte da comunicação
social sem autorização dos visados, que o procurador-geral Pinto Monteiro
restringiu o tipo de documentação que os jornalistas podem consultar nos
processos judiciais (uma medida que beneficia essencialmente o poder político e
económico) e que o Ministério Público criou a moda de emitir despachos de
inocência antes do fim do inquérito. A ideia de que o escrutínio dos media,
normal em qualquer democracia ocidental, deve dar lugar à construção de muros
especiais em volta de informação relativa aos titulares de cargos políticos
representa o oposto de um princípio democrático básico: a transparência.
Devia acontecer
precisamente o contrário – e aqui voltemos à lista VIP. Não faz sentido que os
rendimentos anuais da classe política em exercício de funções executivas sejam
secretos. Deviam ser públicos, como já acontece no Tribunal Constitucional,
porque esse é um dos elementos mais básicos do escrutínio que deve ser feito
pela opinião pública e pela comunicação social em nome desta. Aliás, é curioso
que alguns políticos façam questão de juntar cópias da sua declaração do IRS ao
seu processo no Constitucional – declaração essa que pode ser consultada por
qualquer cidadão. Resumindo: em vez de um segredo reforçado de autoprotecção,
devia existir uma publicidade clara dos rendimentos dos políticos.
Outra questão
completamente diferente é o respeito pelo sigilo fiscal do cidadão comum e o
tráfico de informação que pode existir na máquina fiscal. Essa ideia, cuja
existência em larga escala carece ainda de confirmação, deve ser combatida sem
contemplações. É esse o trabalho da justiça.
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