segunda-feira, 23 de março de 2015

Lista VIP e muros de autoprotecção / Por Luís Rosa

“A ideia de que o escrutínio dos media, normal em qualquer democracia ocidental, deve dar lugar à construção de muros especiais em volta de informação relativa aos titulares de cargos políticos representa o oposto de um princípio democrático básico: a transparência.”

Lista VIP e muros de autoprotecção
Por Luís Rosa
publicado em 21 Mar 2015 in (jornal) i online

Numa semana tão rica em acontecimentos como a manutenção de José Sócrates em prisão preventiva e a segunda audição de Ricardo Salgado na comissão parlamentar de inquérito, o principal assunto da semana acabou por ser um daqueles casos banais que se transformam em algo grandioso por incapacidade política do governo ou excesso de zelo de algum funcionário público que quis agradar à equipa ministerial das Finanças.

A criação de uma espécie de Big Brother informático que permite às chefias do fisco saber se as declarações do Presidente da República, do primeiro-ministro, de membros do governo ou de alguns dos gestores mais importantes do país estão a ser consultadas, em que repartição de Finanças e por quem é uma daquelas ideias que só podem parecer positivas a burocratas que sonham com o Estado policial do “1984” de George Orwell.

A primeira questão que este caso levanta é simples: ou o sigilo fiscal é igual para todos ou não há sigilo fiscal para ninguém. Existirem diversos graus de sigilo fiscal, consoante a importância política ou a influência económica dos contribuintes, é uma discriminação sem sentido.

Além da ideia de que a base da administração pública não pode lidar com informação relativa à pirâmide social, este é apenas o último exemplo de uma ideia perigosa para a democracia: a de que os titulares de cargos políticos têm direito a privilégios que não estão ao alcance dos comuns mortais só porque estão mais expostos em termos mediáticos. Recorde-se que o governo de José Sócrates criou processos especiais para investigar o Presidente da República e o primeiro-ministro e criou a proibição da divulgação de escutas telefónicas por parte da comunicação social sem autorização dos visados, que o procurador-geral Pinto Monteiro restringiu o tipo de documentação que os jornalistas podem consultar nos processos judiciais (uma medida que beneficia essencialmente o poder político e económico) e que o Ministério Público criou a moda de emitir despachos de inocência antes do fim do inquérito. A ideia de que o escrutínio dos media, normal em qualquer democracia ocidental, deve dar lugar à construção de muros especiais em volta de informação relativa aos titulares de cargos políticos representa o oposto de um princípio democrático básico: a transparência.

Devia acontecer precisamente o contrário – e aqui voltemos à lista VIP. Não faz sentido que os rendimentos anuais da classe política em exercício de funções executivas sejam secretos. Deviam ser públicos, como já acontece no Tribunal Constitucional, porque esse é um dos elementos mais básicos do escrutínio que deve ser feito pela opinião pública e pela comunicação social em nome desta. Aliás, é curioso que alguns políticos façam questão de juntar cópias da sua declaração do IRS ao seu processo no Constitucional – declaração essa que pode ser consultada por qualquer cidadão. Resumindo: em vez de um segredo reforçado de autoprotecção, devia existir uma publicidade clara dos rendimentos dos políticos.


Outra questão completamente diferente é o respeito pelo sigilo fiscal do cidadão comum e o tráfico de informação que pode existir na máquina fiscal. Essa ideia, cuja existência em larga escala carece ainda de confirmação, deve ser combatida sem contemplações. É esse o trabalho da justiça.

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