Bruxelas exige a Portugal a
devolução de 143 milhões de fundos agrícolas
MANUEL CARVALHO
11/03/2015 - PÚBLICO
Comissão Europeia detectou falhas
no sistema de controlo de pagamentos e identificou áreas agrícolas que estavam
a receber ajudas de forma irregular. Após um ano de negociações, Bruxelas
apresentou a factura que terá de ser paga pelo Orçamento do Estado.
A Direcção-Geral
da Agricultura e do Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia está a exigir ao
Governo português o reembolso de 143,4 milhões de euros relativos a pagamentos
irregulares aos agricultores portugueses nos anos de 2009, 2010 e 2011. A exigência foi
apresentada em Janeiro e o Governo guardou-a discretamente até poder jogar o
trunfo que lhe resta para evitar a perda desse montante. Após dez meses de
negociações em sede de uma instância de conciliação, a Comissão Europeia recusa
acolher as pretensões portuguesas e agora só uma decisão do Comité de Fundos
Agrícolas - ou, numa instância final, do Tribunal de Justiça - poderá salvar o
país desta pesada pena.
Tudo começou em
2009, quando Jaime Silva era ministro da Agricultura do Governo de José
Sócrates. Numa auditoria a 400 explorações, o organismo financeiro que
transfere os fundos da Política Agrícola Comum para os agricultores
portugueses, o IFAP, detectou um desvio de 3,6% nas áreas elegíveis. O que
estava então em causa era uma verificação do complexo mecanismo de
transferência dos pagamentos, que requer uma gigantesca base de dados digital
onde estão registadas todas as explorações agrícolas.
Nessa
verificação, constatou-se que Portugal não tinha procedido à “ revisão do
parcelário das ajudas”, nota o gabinete da ministra Assunção Cristas. Depois de
verificado o desvio, a Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural
da Comissão Europeia realizou uma segunda verificação e concluiu que os erros
detectados pelo IFAP estavam subavaliados – o desvio nas áreas elegíveis para
os pagamentos era de 5,1%.
O relatório que
esteve na base desta constatação teve como ponto de partida a análise de dez
explorações de diferentes regiões do país. No confronto entre o parcelário
digital e as propriedades reais, os inspectores da Comissão constataram uma
série de falhas no modelo de controlo que colocava “riscos” à boa gestão dos
fundos agrícolas. A delimitação das parcelas não obedeceu a um padrão único, a
área máxima elegível registada no sistema foi sobrestimada, introduziram-se
pastagens permanentes que não cumpriam as regras dos pagamentos da PAC,
optou-se por uma fixação “generosa” das linhas demarcação das propriedades e
constataram-se debilidades nos controlos no terreno.
Feitas as contas,
os inspectores concluíram que as falhas do sistema de controlo e os erros na
fixação das áreas sujeitas a pagamento provocaram um prejuízo financeiro ao
fundo correspondente a 5,1% em 2010 e 4,9% em 2009. O relatório das Comissão,
que já está nas mãos do Governo há quase dois meses, aponta para que esse
prejuízo seja reparado através de um corte de 10% nas verbas destinadas ao
desenvolvimento rural (o chamado primeiro pilar da PAC ) e de 5% nas verbas do
segundo pilar, onde se inscrevem os pagamentos baseados nas áreas das explorações
e na sua sustentabilidade ambiental. Mas estes cortes não poderão ser
repercutidos nos agricultores. A sua reposição terá de ser feita pelo
Ministério das Finanças. “Esta situação não penaliza os agricultores, mas acaba
por ser paga por todos os contribuintes”, explica Luís Mira, secretário-geral
da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), para quem todo este
problema se deve ao ministro Jaime Silva, “contra o qual nós organizámos 24
manifestações”.
O Governo,
entretanto, tinha contestado os critérios da fiscalização e as suas conclusões.
No organismo arbitral criado para conciliar as posições portuguesas com as da
Comissão (que falhou rotundamente os seus propósitos) o executivo criticou o
facto de os dez beneficiários das ajudas escolhidos como amostra não terem sido
escolhidos ao acaso – seis tinham explorações que combinavam floresta com
prados permanentes, pelo que “os resultados não podem ser extrapolados para o
universo dos 400 agricultores”. Por outro lado, as imagens aéreas utilizadas
para verificar eventuais discrepâncias eram de 2012, quando os pagamentos de
2010 tiveram como base imagens desse ano.
A Comissão
responderia dizendo que o objectivo era “validar” as conclusões sobre os 400
agricultores e não encontrar novos parâmetros de risco. A escolha dos dez
beneficiários, acrescentava, procurava representar o peso de cada região do
país na agricultura. De resto, justificou a Comissão, o recurso a imagens de
2012 aconteceu apenas quando as de 2010 suscitavam dúvidas.
As irregularidades
e as deficiências detectadas no sistema de controlo português das ajudas
agrícolas não são raras na União Europeia. Em Dezembro, a Grécia tinha já sido
penalizada com um corte de 88,1 milhões de euros nas transferências a que tinha
direito por situações similares às registadas em Portugal. Os problemas
resultam em grande medida do próprio gigantismo e complexidade do sistema de
pagamentos da PAC. Para manter o sistema nacional actualizado, o Governo
concedeu “prioridade absoluta à correcção do parcelário, apelando ao
envolvimento de todo o sector”, de modo a evitar “pagar multas por ter um
parcelário com erros”, nota o gabinete da ministra.
Depois da reforma
política de 2002, que desligou o pagamento das ajudas da produção real,
fazendo-as depender em exclusivo das áreas agricultadas, foi necessário criar
um parcelário onde se inscreveram os milhões de explorações agrícolas da União.
Cada agricultor tem de registar a sua parcela na base de dados e delimitar as
suas fronteiras com recurso ao GPS. Esta declaração é depois confrontada com o
LPIS (Land Parcel Identification System, ou sistema de identificação das
parcelas agrícolas) que é gerido ao nível dos estados-membros. A fiscalização
das declarações dos agricultores cabe em Portugal ao IFAP, mas as verificações
das instâncias europeias são frequentes. Uma dessas verificações pode acarretar
um prejuízo de 143 milhões aos cofres públicos.
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