A questão Cinemateca
Não há posicionamento ideológico que seja imune a
tiques, e o da direita portuguesa é este: puxar da pistola de cada vez que ouve
falar de falta de dinheiro na cultura. Segundo a sua cartilha habitual, se um
artista não consegue viver sem o financiamento do Estado é porque se trata de um
subsidiodependente que urge desintoxicar com urgência e convencer a abraçar os
gostos do grande público. E se uma instituição cultural não se consegue adaptar
aos orçamentos de penúria em tempos de crise, é porque não tem capacidade para
cortar nas gorduras nem imaginação para diversificar as receitas. Perante
posições como estas, não admira que a caricatura do selvagem neoliberal, para
quem o mercado é tudo e o Estado deveria ser nada, persiga a direita como um
espectro.
Vem isto a propósito das recentes notícias sobre a Cinemateca e de um texto
que José Manuel Fernandes escreveu na blogosfera, sugestivamente intitulado "Há
notícias que me põem fora de mim". Eu estou de acordo com José Manuel Fernandes
nove vezes em cada dez, mas desta vez ele ficou fora de si pelas razões erradas:
o problema da Cinemateca não está em vir queixar-se para os jornais "para
pressionar o secretário de Estado", mas sim no seu absurdo modelo de
financiamento, que coloca mais de metade do orçamento anual na dependência
directa de uma taxa de 0,8% sobre a publicidade televisiva.Argumenta José Manuel Fernandes: "Como é natural: a publicidade está a diminuir. Há anos que está a diminuir. O que fizeram jornais, rádios, televisões, agências e por aí adiante? Com as receitas a diminuir, cortaram nos custos. (...) Mas o que faz a Cinemateca? Além de queixar-se, não sabemos. Cortou nos seus custos de funcionamento? Procurou novas receitas? (...) Não sabemos. Sabemos apenas que foi ao peditório à Secretaria de Estado da Cultura. E que agora deixa a ameaça velada de entrar numa espécie de greve de zelo." Deus sabe como há por aí tanta fraude armada em artista e tanta instituição cultural meramente decorativa. Mas o problema de tratar tudo como se tudo fosse igual, é que José Manuel Fernandes avalia a Cinemateca - que juntamente com o ANIM tem a responsabilidade de velar por um património valiosíssimo - como se fosse uma empresa, obrigada a cortes drásticos para diminuir o défice e a arranjar formas criativas de se autofinanciar.
Ora, isso é um absurdo. Colocar a Cinemateca na dependência directa das receitas de publicidade das televisões faz tanto sentido quanto indexar o orçamento da Biblioteca Nacional e da Torre do Tombo aos resultados das vendas dos romances de José Rodrigues dos Santos. Eu não posso concordar mais com José Manuel Fernandes no retrato económico que ele traça do país e no papel absolutamente excessivo do Estado em Portugal. Mas convém não deitar fora o bebé com a água do banho.
A Cinemateca, graças a Félix Ribeiro e a Luís de Pina, mas sobretudo graças à inesgotável energia e ao enorme carisma de João Bénard da Costa, foi uma instituição que se soube afirmar como poucas na vida cultural portuguesa, e que desempenha hoje um papel único, essencial e insubstituível, cuja prossecução não pode estar dependente de anúncios de carros, telemóveis e cervejas. E isto não é ser estatista. Isto é ser liberal - uma Cinemateca fechada afecta a minha liberdade enquanto indivíduo, ao vedar-me o único acesso que existe neste país a 120 anos de história do cinema. Não é coisa pouca.
2 comentários:
E o problema principal é que os partidos fizeram uma lavagem cerebral ao portugueses e venderam as suas interpretações da realidade. Ou se é preto ou se é branco. Qual a tua tribo? Não há alternativas.
Os tiques da esquerda poderiam ser descritos como o puxar da pistola cada vez que alguém sugere que a cultura poderia explorar formas de se auto financiar parcialmente.
Acredito que nem todos os empreendimentos culturais o possam fazer mas os que podem têm o dever de tentar. Se isso acontece no centro e norte da Europa, porque não acontece cá ?
O modelo de financiamento existente até pode ser estúpido , não discuto isso. Mas também é verdade que a directora vem para os jornais porque é que lhe dá menos trabalho. A Cinemateca serve uma função importantissima mas não é obrigatório que viva só de dinheiros públicos até porque com a qualidade que tem conseguiriam com certeza encontrar mais fontes de financiamento.
A Cinamateca devia merecer todo o apoio e carinho do Governo , sobbretudo pelo seu acervo patrimonial da cultura portuguesa
Mas não posso deixar de criticar a administração que desde há uns tempos deixaram dedistribuir o Progrrama, medida que teve como consequencia uma diminuição drastica de especttadores e portanto de receitas propias
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