sábado, 24 de agosto de 2013

Crianças e desinibição tóxica no online. Na Internet, a conversa é outra. The bigger a community gets, the easier and more virulent anonymity becomes./Guardian.

Crianças e desinibição tóxica no online

Editorial / Público
Porque é que não medimos o que dizemos quando falamos nas redes sociais?
Normalmente, quando falamos sobre menores e redes sociais falamos sobre riscos, em geral três: pedofilia, bullying e burlas.
As crianças e pré-adolescentes podem entrar em contacto com estranhos mal-intencionados; podem ser escolhidas como alvo da chacota colectiva; e podem ser facilmente enganadas.
Há ainda um outro risco, mais distante do nosso radar, mas que tem um porta-voz célebre, Frank Abagnale, o famoso burlão cuja vida foi recriada por Spielberg em Apanha-me Se Puderes, e que sempre que fala em público repete que nas redes sociais é facílimo roubarem-nos a identidade (e pede para nunca escrevermos a data e o local de nascimento verdadeiros e não publicarmos as nossas fotografias). "A tecnologia ajuda o crime."
Sobre o que quase nunca falamos é das coisas boas que as redes sociais representam nas nossas vidas ou sobre como simplesmente elas são, para as crianças e os jovens de hoje, o que o telefone fixo em casa foi para as gerações anteriores.
Abaixo de tudo isto, falamos ainda menos de um risco que, silencioso e subtil, é ubíquo na vida moderna: a desinibição tóxica. Ou seja, porque é que quando falamos online não medimos o que dizemos?
Na Internet chamam-lhe trolling, expressão que vem dos trolls escandinavos, os seres imaginários sobrenaturais que vivem longe dos humanos e que são anti-sociais e agressivos. Na academia, essa violência verbal usada nas conversas online chama-se desinibição tóxica por oposição à desinibição benigna, que nos faz querer muito ajudar um perfeito desconhecido "do outro lado".
Todos os dias somos confrontados com os efeitos disto. Os casos desta semana do jornalista da revista Time que escreveu no Twitter que queria que Julian Assange fosse atacado por um drone e da polémica em torno dos tweets explosivos da assessora do Papa Francisco lembram-nos de como os adultos falam online (para o mundo) como se estivessem em casa com os amigos.
Para as crianças, o caldeirão dos ingredientes é mais complexo. Se as regras de comportamento ainda não estão sequer inteiramente definidas no mundo online do adultos - e ficámos todos a perguntar como é que Francisco José Viegas escreveu o que escreveu sobre as Finanças pouco depois de ter deixado o Governo -, imagine-se o espanto (ou choque) das crianças que lêem posts inesperadamente agressivos de amigos. Ficam sem saber o que fazer. Quando as crianças começam a ter contas nas redes sociais - entre os nove e os dez anos -, ainda não têm as ferramentas necessárias para a complexidade das relações sociais cara a cara, menos ainda online. Como nada indica que o Facebook ou o Twitter venham a criar uma janela automática a perguntar "Já leu isto? Tem a certeza de que quer publicar?", resta, no caso das crianças, a vigilância. Não é sermos conservadores. É podermos ajudar os nossos filhos antes que seja tarde de mais. :)





Na Internet, a conversa é outra


De ameaças de morte feitas por anónimos a deslizes de políticos habituados a comunicar em público: online, somos mais desinibidos e rudes
Este mês, uma rapariga britânica de 15 anos suicidou-se, na sequência, segundo o pai, de mensagens publicadas na sua conta do site Ask.fm. A plataforma é usada sobretudo por adolescentes e permite fazer perguntas e deixar respostas anonimamente. Uma das mensagens dizia: "Morre, toda a gente ficará feliz."
No mês passado, uma feminista britânica foi alvo de repetidas ameaças de violação no Twitter, por vários utilizadores, muitos identificados com fotografias e nomes verosímeis. Numa mensagem particularmente brutal, um deles escreveu: "Se as tuas amigas sobreviveram a uma violação, é porque não foram bem violadas." As ameaças levaram à detenção, pelo menos, de um jovem de 21 anos.
Há muito que a gíria da Internet tem um termo para este tipo de insultos: trolling. Na mitologia escandinava, os trolls são seres sobrenaturais que vivem longe dos humanos. São anti-sociais e agressivos. Alguns têm uma aparência de monstros. Na linguagem moderna da Internet, os trolls são pessoas que, em fóruns, redes sociais e caixas de comentários, discutem sem argumentos racionais ou simplesmente insultam e ofendem os outros, embora não necessariamente com a violência dos exemplos acima. Os académicos têm outro nome para o fenómeno: desinibição tóxica.
"O efeito da desinibição online é uma força poderosa, mesmo quando estamos cientes do efeito que tem em nós. Muitas vezes, opera a um nível inconsciente", explica ao PÚBLICO o investigador americano John Suler, da Universidade de Rider, que em 2004 cunhou o conceito de "desinibição tóxica".
O fenómeno não diz respeito apenas a mensagens ofensivas: "Soltam-se a linguagem rude, as críticas duras, raiva, ódio, até ameaças. As pessoas exploram o submundo negro da Internet, os lugares de pornografia e violência, lugares que nunca visitariam no mundo real", escreveu no livro The Psychology of Cyberspace ("A Psicologia do Ciberespaço"), que está disponível online (do outro lado da desinibição tóxica, Suler coloca a desinibição benigna, que faz com que sejamos mais propensos a revelar emoções e desejos, ou a dar conselhos e ajudar os outros).
O caso da jovem que se suicidou pôs o Reino Unido a discutir o cyberbullying. Mas a desinibição não parece ser uma característica apenas dos mais novos. O psicólogo Américo Baptista, professor na Universidade Lusófona, afirma que "não são só os jovens" que têm este tipo de comportamento, embora seja de esperar que tenham "maior espontaneidade e menos filtro do que os adultos". No mundo offline, observa, "as interacções do nosso dia-a-dia caracterizam-se por termos um feed-back imediato. Na Internet, não há esse feedback, há uma maior sensação de liberdade". Mas ressalva que, apesar de um "maior descuido" no mundo online, "o que acontece na Internet é o que acaba por acontecer na vida real".
A mesma opinião tem o especialista em segurança online Tito de Morais: "A intermediação da tecnologia muitas vezes leva as pessoas a dizer e a fazer aquilo que presencialmente não fariam. Não vemos as consequências dos actos em quem está do lado de lá. No caso particular dos jovens, se pegarmos na definição de desinibição - o desrespeito por convenções sociais, a impulsividade, a fraca avaliação do risco -, vemos que são características típicas da adolescência."
Internet menos anónima
John Suler aponta vários causas para a desinibição tóxica. Entre elas estão o anonimato, o facto de a comunicação ser assíncrona (alguém deixa um comentário que pode ser visto minutos, horas ou até dias depois), a concepção do mundo online como um mundo de fantasia, "separado das exigências e responsabilidades do mundo real", e ainda a ausência física do interlocutor.
Hoje, nas redes sociais, pelo menos um dos factores está esbatido: o anonimato. O Facebook tem uma regra que impede nomes falsos (há casos, incluindo em Portugal, em que o site pediu cópias de documentos para verificar a identidade dos utilizadores). A maioria das pessoas coloca no site informação que permite ligar o perfil a uma identidade offline. A generalidade dos utilizadores no Twitter também não oculta a identidade verdadeira.
Um estudo da União Europeia, publicado no ano passado, colocava Portugal entre os países onde os utilizadores consideravam ser menos problemático partilhar informação pessoal nas redes sociais, uma característica mais acentuada nos países do Sul e do Leste da Europa. Já o estudo "A Internet em Portugal 2012", do Observatório da Comunicação, indica que 96% dos utilizadores de redes sociais revelam o nome, 86% indicam a data de nascimento e 77% publicam uma fotografia pessoal.
"Redes sociais como o Facebook foram criadas com o objectivo de as pessoas serem mais honestas sobre a sua identidade. Mas isso não acontece, por exemplo, nos jogos de computador online", lembra o investigador americano, explicando que "o grau de anonimato varia de um ambiente para outro, às vezes com diferenças drásticas de comportamento". Porém, com a Internet menos anónima, há quem argumente que outros factores contribuem mais para o efeito de desinibição.
Um estudo de dois investigadores da Universidade de Haifa, em Israel, indica que a ausência de contacto visual pode ser mais relevante do que o utilizador não estar identificado. Noam Lapidot-Le?er e Azy Barak tentaram medir a agressividade das comunicações numa ferramenta de conversação escrita. Conceberam uma experiência em que 142 participantes foram divididos em pares, onde os interlocutores tinham diferentes níveis de conhecimento e contacto. Em alguns casos, as pessoas não se viam nem sabiam nada sobre a outra. Noutros, tinham acesso a informação como idade, profissão, nome e género. Noutros ainda, uma câmara mostrava o corpo do interlocutor, visto de lado. Por fim, havia quem tivesse uma câmara adicional que permitia aos participantes verem os olhos da pessoa com quem conversavam.
Aos pares foi pedido que imaginassem estar numa situação em que cada pessoa precisava do mesmo medicamento para salvar a vida de alguém que lhes era próximo, mas só havia uma dose. O objectivo era convencer o interlocutor a abdicar do fármaco salvador.
A análise das conversas escritas indicou que a ausência de contacto visual era o factor que mais coincidia com o aumento de linguagem agressiva e rude. "No que diz respeito a expressões de desinibição tóxica, a ausência de contacto visual levou a que os participantes se sentissem menos expostos e mais anónimos e, portanto, mais inclinados a entrar em comportamentos incendiários", concluiu o estudo.
Sempre no palco
Abundam os casos de comentários descuidados online vindos de pessoas bem identificadas e até com reconhecimento público. Um caso de falta de contenção foi protagonizado recentemente por um jornalista sénior da revista Time. Michael Grunwald escreveu no Twitter uma mensagem na qual dizia estar ansioso por defender num artigo um ataque com drones ao mentor da WikiLeaks, Julian Assange. Grunwald acabou por pedir desculpas e retirar a mensagem pouco após a publicação, não sem que antes caísse sobre ele uma chuva de críticas e vários pedidos para que fosse demitido (o que não aconteceu; a Time escreveu apenas uma nota em que se distanciava das declarações feitas "na conta pessoal" do jornalista).
O Twitter está recheado de deslizes de figuras públicas, embora com níveis distintos de gravidade. Em Portugal, o vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e candidato à Câmara de Gaia, Carlos Abreu Amorim, cometeu uma das mais notórias gaffes online deste ano ao assinalar a vitória do FC Porto no campeonato de futebol com uma mensagem aos adeptos do Benfica em que lhes chamava magrebinos. Pediu desculpas no dia seguinte: "Ontem fiz um tweet em que brincava com amigos meus benfiquistas. Lamento se ofendi alguém, não tinha essa intenção. Foi um momento infeliz" (a mensagem original continua publicada).
Já em 2009, uma mensagem no Twitter do então deputado Pedro Duarte visava a jurista Isabel Moreira (hoje deputada na bancada do PS), que estava a participar num programa televisivo: "Não sei, nem quero saber, a sua orientação, mas falta-lhe homem" (Duarte, que hoje trabalha na Microsoft Portugal, negou a autoria e disse que a conta do Twitter tinha sido atacada).
Não é razoável pensar que o jornalista da Time e os deputados portugueses não tenham noção de como uma mensagem na Internet se pode espalhar de forma quase imediata. A questão, considera o investigador Charlie Beckett, director do Polis, um think tank de media na London School of Economics, é que as regras de comportamento ainda não estão inteiramente definidas no mundo online e as esferas do público e privado cruzam-se ocasionalmente. "A Internet está a tornar visíveis e audíveis coisas que costumávamos dizer em privado ou entre amigos. Algumas dessas coisas vão ser rudes, tontas ou provocadoras porque isso é o que as pessoas dizem em privado."
No mundo da avalanche de comunicação, onde toda a gente fala, os políticos têm um problema adicional, argumenta Beckett: "É dada importância a tudo o que dizem" - mesmo que sejam os 140 caracteres, ou menos, de um tweet. "Agora, [os políticos] não têm um espaço privado, o que significa que estão sempre no palco. Têm dificuldades em adaptar-se às regras das redes sociais porque estão habituados a ter o poder de controlar a conversa. [Fora da Internet], são eles que normalmente definem o tom."

The bigger a community gets, the easier and more virulent anonymity becomes
The possibility, and the dangers, of anonymity started to become apparent long before we all went online, and both have only continued to grow

Philip Hensher

In his insightful autobiography, Red Carpets and Other Banana Skins, the actor Rupert Everett has a little paragraph about a particular Soho social world of the late 1980s. "There was a girl who called herself Princess Julia, with a voice like Eliza Doolittle, a DJ by the name of Tallulah [a man], and a pair of gay carpenters called Alan and Fritz. Everyone seemed to have fairground names: Greek Andy, Gary the Cleaner, Space Princess."

What seemed a novelty in an upper room in 1989 has spread and spread. Everyone, now, has a fairground name. Where, 25 years ago, a view would usually be expressed in print by someone using their own name, these are some of the people whose views I have read recently in the Guardian: Martyn in Europe, Kisunssi, RobWhelk, Man Who Fell to Earth and Flumpasaurus. In the world of online discussion, nearly everyone is a Space Princess, and it seems quite normal.

A number of solutions have been put forward for the phenomenon of hatred and vitriol poured out online, but one is particularly popular: it's proposed that social media websites should incorporate a "panic button", allowing victims to report abuse and allowing abusers to be blocked. Why the "panic button" would not become another weapon in the hands of anonymous abusers is not clear. What would stop an anonymous tweeter reporting a Caroline Criado-Perez for man-hating comments and getting her blocked? Are we confident that the powers at Twitter can tell the difference between a robust, controversial opinion and the open statement of hatred?

The Huffington Post has concluded that the cause of the open hatred is anonymity, and is requiring commentators to post under their real names from next month. The Guardian's Joanna Geary, responding to this news, said that anonymity "adds to the richness" of online debate, and that "anyone who has watched two friends mudslinging below a Facebook status update knows real identities don't bring instant politeness." Perhaps, though, this neglects the fact that the worst abuse is largely directed by anonymous contributors against people writing under their own names. And perhaps proponents of real-name contributions don't want enforced and universal politeness, just that people should be accountable for their comments.

As Everett's observations demonstrate, the movement towards pseudonyms in the aid of excessively licentious behaviour is not new. Rather, the decision by many online fora not just to allow anonymous contributions as an occasional necessity, but assume it as the normal state of affairs, continues a process that has been going on for decades.

In Pride and Prejudice (1813), Wickham misrepresents his own character, but a mere application to Darcy and Darcy's housekeeper is enough to put the matter straight. Effective malign anonymity is impossible in the small rural communities of the upper bourgeoisie. By the appearance of Sherlock Holmes in the 1880s, escaping detection has become all too easy in a city that, at the next census, would hold 5.5 million people. To discover the reality and intentions behind a plausible exterior, a possible false name or an invented history, Holmes must develop a battery of techniques – studying appearance, manners, gestures, handwriting. Anonymity became a real possibility, and its appeal has continued to grow.

We are now much more anonymous than we used to be. We are less and less likely to know even our most immediate neighbours – one survey found that over 50% of us don't even known their names. Robert D Putnam, in his celebrated 2000 study, Bowling Alone, found that everyday personal interaction had been on the decline in North America since 1950. In the example that gave his book its name, bowling was growing much more popular; but membership of bowling leagues had been declining for years.

This everyday anonymity is not just accepted, but dramatised and celebrated in unexpected ways. The masked ball enjoyed a resurgence from the 1990s onwards in North America, and anyone who goes to the theatre group Punchdrunk's The Drowned Man will be struck by the remarkable appearance of the wandering audience in white masks. At a previous event, The Masque of the Red Death, I was emboldened by my mask to indulge in what I would normally dread and loathe, interaction with the actors, even, at one point, dancing insanely with an actor in front of a watching crowd. Nobody knew who I was. And I got a sense of what it must be like, to write something under a pseudonym that you would never say to someone's face.

By the 2000s, our commitment to anonymity was growing in hypocritical counterpart to the insatiable demand to know everything about the lives of celebrities. The noughties audience wanted their subjects to live under an authentic spotlight, and said so – anonymously. Usefully, there are always individuals in the world who actually need to be unnamed – dissidents in China, say, or Iran. Their plight was consistently used by first-year undergraduates in the home counties and junior solicitors in the provinces to justify writing anonymous personal abuse about their public figure of choice.

In the world before the internet, when writers received abuse by post, I would sometimes amuse myself by telephoning my correspondent. It was surprising how often the writers of green-ink letters gave their real names and even addresses, however vile their opinions. I remember asking one gentleman, one Saturday morning, quite why he hoped that I would contract Aids and die. He blustered and prevaricated, but ultimately apologised. For many such people, anonymity was not an option. After all, to write letters of abuse was a crime under the 1988 Malicious Communications Act, and anonymous poison-pen letters a staple of crime fiction; Dorothy L Sayers' Gaudy Night and John Dickson Carr's Night at the Mocking Widow come to mind. Only with the internet did a sense of impunity establish itself, and indeed sometimes a sense that the writer was doing nothing wrong.


The question is, surely, the size of the community. In smaller groups, a writer can be pseudonymous, but not anonymous – the "hacktivists" of Anonymous, for instance, were not anonymous: they knew each other as Tflow, Topiary, Sabu and Kayla, and were familiar with each other's personalities. But in a larger group, where familiarity is not likely to grow, the named individual is likely to want protection against the masked stranger. So he turns to the computer, logs on as LondonGirl4796, and begins to write, with joy and liberation.

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