segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Mais do que três mandatos autárquicos violam a Constituição. São os juízes do Palácio Ratton que terão em mãos o imbróglio jurídico da Lei 46/2005, que deve ser clarificado até ao final do mês

Mais do que três mandatos autárquicos violam a Constituição

Está a ser este o entendimento dos tribunais de todo o país, agora que o processo eleitoral está em marcha. Mas é o Constitucional que terá o juízo final
São três mandatos e ponto final. Um autarca que queira concorrer a outra câmara e que já tenha na bagagem doze anos de exercício da função é inelegível na corrida para o poder local marcada para 29 de Setembro. É pelo menos este o entendimento dos tribunais da Guarda, Tavira e Vila Real de Santo António (relativa a Castro Marim) sobre as candidaturas do PSD. O Tribunal de Évora decidiu em sentido oposto sobre Carlos Pinto de Sá, com 19 anos de experiência autárquica. Mas, ao contrário dos três sociais-democratas, o histórico comunista não está à frente dos destinos de nenhum concelho, pois renunciou ao cargo de presidente de Montemor-o-Novo em Dezembro do ano passado.
Os três cabeças de lista do PSD são Álvaro Amaro, autarca de Gouveia há três mandatos que corre para a Guarda, Francisco Amaral, que já foi eleito cinco vezes para Alcoutim e quer candidatar-se a Castro Marim, e José Estevens, o presidente de Castro Marim há quatro mandatos que quer estar ao leme de Tavira.
Desde que o processo eleitoral está aberto, as decisões dos diferentes tribunais, de Norte a Sul do país, têm sido no mesmo sentido e com recurso a idêntica fundamentação jurídica, assente no pilar do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
A decisão da Relação, proferida em Junho, diz que se o limite fosse apenas territorial, violaria a Constituição no que consagra no seu artigo 118.º (princípio da Renovação). O limite é, pois, em relação ao cargo em si e não ao concelho em que é exercida a função de presidente de câmara ou de freguesia.
Assim decidiram na semana passada os tribunais de primeira instância de Vila Nova de Gaia e de Santa Maria da Feira, em relação a vários presidentes de junta que se pretendem recandidatar, mas que acumulam mais de doze anos numa autarquia. E assim decidiram ontem os três tribunais da Guarda, Tavira e Vila Real de Santo António (que apreciou a candidatura a Castro Marim).
O Tribunal da Guarda, o mesmo que há dois meses não reconheceu "legitimidade processual" ao Movimento Revolução Branca (MRB) para apresentar uma providência cautelar contra a candidatura de Álvaro Amaro (PSD/CDS), e que, por isso, rejeitou analisá-la, decidiu agora que o autarca não é elegível nas próximas eleições.
Nesta sentença, a que o PÚBLICO teve acesso, o tribunal alega com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que determina, com base no princípio constitucional da renovação, que a limitação de mandatos se refere a "qualquer autarquia do território nacional e não apenas àquela onde o presidente de câmara ou de freguesia cumpriu os três mandatos consecutivos". Defende assim o tribunal que "um presidente de câmara que tenha cumprido três mandatos consecutivos numa determinada autarquia não pode voltar a candidatar-se, nas eleições seguintes nem para essa câmara, nem para qualquer outra". Até porque, continua a sentença da Guarda, o entendimento contrário "levaria à perpetuação dos cargos, possibilitando o seu exercício de forma vitalícia, desde que os mesmos fossem exercidos, sucessivamente, em circunscrições geográficas diversas, em manifesta oposição com o disposto no art.º 118.º da Constituição da República Portuguesa". Pelo que conclui que esta interpretação "é a única consentânea com o preceito constitucional citado, o que significa que é a única admissível".
Também o Tribunal de Tavira, que apreciou a candidatura (PSD/CDS) de José Estevens ao concelho, elogia o acórdão da Relação de Lisboa, com o qual concorda "inteiramente" e cuja fundamentação "é a única possível e admissível".
Os sociais-democratas, que vão recorrer, manifestaram todos "confiança" numa futura decisão oposta dos tribunais. Francisco Amaral (PSD) disse mesmo que vai "recorrer já para o Tribunal Constitucional". O autarca do PSD, que quer mudar de câmara no Algarve, criticou ainda o BE pelo "certo pó aos dinossauros autárquicos" e lembrou que estes são eleitos pelos munícipes em repetidas eleições. Amaro promete "continuar a trabalhar" e Estevens está "confiante".
O Tribunal de Évora também tinha em mãos uma impugnação do BE, mas decidiu que o candidato da CDU à câmara da cidade tem luz verde para avançar. Este mesmo tribunal já tinha decidido rejeitar uma providência cautelar do MRB.
A situação presente de Carlos Pinto de Sá pode justificar a decisão judicial em sentido oposto. Ou seja, o histórico comunista optou no final do ano passado por renunciar à presidência do município de Montemor-o-Novo, cargo que ocupou ao longo de 19 anos. No horizonte tinha já uma corrida importante: reconquistar agora a Câmara de Évora, que pertenceu aos comunistas de 1976 a 2001, ano em que a perderam para o PS numa derrota nunca digerida.
Para já, haverá recurso de ambas as partes, sob a figura da reclamação. O PSD prepara-se para recorrer das impugnações e o Bloco vai contestar a resposta positiva dada pelo Tribunal de Évora. Os tribunais das comarcas voltarão assim a pronunciar-se entre esta e a próxima semana. Mas a decisão final e válida para todos os candidatos de vários partidos será a do Tribunal Constitucional. São os juízes do palácio Rattonque terão em mãos o imbróglio jurídico da Lei 46/2005, que deve ser clarificado até ao final do mês.
Esse acórdão vai determinar, nomeadamente, a elegibilidade dos candidatos do PSD a Lisboa e ao Porto. Fernando Seara, autarca de Sintra há doze anos, quer ganhar a capital. E Luís Filipe Menezes, presidente de Vila Nova de Gaia há 16 anos, quer mudar de margem do Douro e conquistar o Porto. Ambos estão na mira das impugnações.


As decisões já conhecidas:
Évora - CDU
Carlos Pinto de Sá (CDU) esteve 19 anos à frente dos destinos de Montemor-o-Novo. Renunciou em Dezembro de 2012 e agora quer ganhar Évora. A candidatura do comunista a Évora também já tinha sido alvo de uma providência cautelar por parte do Movimento Revolução Branca, mas o tribunal rejeitou analisá-la.

Castro Marim - PSD
Francisco Amaral é presidente da Câmara de Alcoutim desde 1993 (cinco mandatos). Agora quer ganhar Castro Marim.

Guarda - PSD/CDS
Álvaro Amaro, que cumpre o terceiro mandato consecutivo como presidente da Câmara de Gouveia, candidatou-se à Guarda.

Tavira - PSD
José Estevens é presidente de Castro Marim desde 1997 (quatro mandatos). É candidato à Câmara de Tavira.

Decisões nos próximos dias:
Lisboa - PSD/CDS/MPT
Fernando Seara é presidente da Câmara de Sintra desde 2001 (três mandatos). É candidato à Câmara de Lisboa. Tribunal Cível de Lisboa deu provimento à providência cautelar. Recurso do PSD para o Tribunal da Relação.

Porto - PSD
Luís Filipe Menezes. Presidenteda Câmara de Vila Nova de Gaia desde 1997 (quatro mandatos/16 anos). É candidato à Câmara do Porto pelo PSD. Tribunal Cível do Porto deu provimento à providência cautelar.

Oeiras - PSD
Francisco Moita Flores renunciou ao seu segundo mandato em Santarém em 2012.

Oeiras - Independente
Paulo Vistas usa o nome de Isaltino Morais na designação do seu movimento Isaltino, Oeiras Mais à Frentetanto para a câmara como nas juntas de freguesia; candidata o ex-presidente da câmara, que está preso, à liderança da assembleia municipal; terá recolhido assinaturas para listas de candidatura ainda incompletas.

Aveiro - PSD
O pedido de impugnação referente a Aveiro diz respeito à candidatura do autarca de Ílhavo, José Ribau Esteves (PSD), presidente há 16 anos.

Beja - PS
O actual autarca Jorge Pulido Valente (PS) foi eleito para dois mandatos em Mértola antes de ganhar Beja, atingindo três mandatos autárquicos.

Beja - CDU
João Rocha é presidente da Câmara de Serpa desde 1979, mas renunciou em Novembro de 2012, sendo o actual presidente Tomé Pires. É candidato à Câmara de Beja.

Alcácer do Sal - CDU
O antigo presidente da Câmara Municipal de Santiago do Cacém Vítor Proença agora concorre ao município vizinho após exercer três mandatos seguidos.

Loures - PSD/PPM/MPT
Em Loures, o pedido refere-se ao candidato social-democrata Fernando Costa, que cumpriu 27 anos à frente do executivo municipal das Caldas da Rainha. Em Junho, pediu a suspensão do mandato e foi substituído pelo seu vice-presidente, Fernando Tinta Ferreira, que é candidato à presidência da câmara nas próximas eleições autárquicas.

Maia - PSD
Bragança Fernandes, autarca social-democrata da Maia, recandidata-se. O adversário do PS, Ricardo Bexiga, impugnou a recandidatura de Bragança Fernandes por a considerar "ilegal". O autarca da Maia está ao leme do concelho desde 2002, depois da morte de Vieira de Carvalho, de quem era vice-presidente. Nas eleições seguintes, em 2005 e 2009, foi eleito. R.B.G./M.L.

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