- Florestas, cada vez mais invadidas pelo "inflamável" eucalipto e carentes de "medidas de fiscalização e prevenção"
Nuno Sequeira. "Não há peso político para defender o ambiente"
Por Diogo Pombo
publicado em 23 Ago 2013 in (jornal) i onlineLíder da Quercus alertou para os riscos do eucalipto como combustível para as florestas e criticou as "boas intenções" esquecidas do governo
A tarde vai a metade e o calor é muito. Tanto que até serve como desculpa para arrancar a convers...a com Nuno Sequeira com o tema incêndios. Ou melhor, nas florestas, cada vez mais invadidas pelo "inflamável" eucalipto e carentes de "medidas de fiscalização e prevenção" contra fogos. O presidente da Quercus (Associação Nacional para a Protecção da Natureza), eleito em Março de 2011 e reeleito no mesmo mês deste ano, considera que os portugueses podiam fazer mais pelo ambiente, tocando na crise para dizer que "não serve de desculpa para tudo". Nem para a "má prática" do governo de ignorar as associações ambientais.
A Quercus enviou uma queixa à Procuradoria-Geral da República a denunciar a ausência de medidas de prevenção e fiscalização. Afinal, de quem é a culpa?
Há realmente esse problema, mais ao nível de actuação imediata que deve existir nos meses de Verão. Tem que ver com acções preventivas, como o controlo do material combustível ou de identificação dos locais de risco, e também de mobilização dos meios para que estas situações não aconteçam. E há um problema grande a montante, relacionado com o nosso ordenamento florestal, sendo um que não se resolve de uma estação para a outra. Está sobretudo ligado à alteração das nossas espécies florestais.
Onde o eucalipto se está a alastrar?
É a espécie florestal dominante. É uma espécie exótica, que não é característica da nossa região. O problema não é só a sua presença, mas também o facto de existir em áreas tão extensas [ocupa actualmente cerca de 26% do espaço florestal, segundo o ICNF]. O eucalipto é altamente inflamável, ao contrário das espécies tradicionais como o sobreiro, a azinheira e o carvalho, muito menos susceptíveis ao fogo. O problema é também paisagístico. Antes tínhamos um padrão de mosaico, com zonas florestais intercaladas com áreas agrícolas. Hoje temos grandes florestas de monoculturas intensivas.
É portanto mais difícil controlar um fogo?
Hoje os incêndios são de muito difícil controlo, pois acabam por se propagar por áreas muito extensas, chegando muitas vezes até zonas urbanas onde provocam danos e vítimas mortais.
O novo regime de arborização aprovado pelo governo vai agravar este problema?
Foi uma das questões para a qual chamámos a atenção. Houve alguma evolução, para melhor, da proposta inicial, mas ainda assim insuficiente. Numa área com 50 hectares partilhada por dez proprietários, por exemplo, cada um pode fazer a sua mancha de cinco hectares sem ter que possuir uma licença. É inadmissível. Nesta altura de crise vai acabar por virar as pessoas para o eucalipto, uma espécie que tem mais efeitos no imediato.
Quanto maior for a área de eucalipto, maior a probabilidade de ocorrerem incêndios?
Não tenho dúvidas. Não estamos a por em causa o sector do eucalipto, que no fundo são as celuloses. Só dizemos que já existe o suficiente e não se deve aumentar a sua área. As consequências não são só os incêndios, mas também problemas na gestão dos recursos hídricos, na erosão dos solos e na perda da biodiversidade. Os governos anteriores perceberam este problema e contiveram-no. Mas o actual executivo acabou por ser permeável às pressões da indústria, que pretende fechar a importação e produzir mais madeira cá. Está a contrariar tudo o que são ideias de ordenamento florestal.
E o papel dos municípios no meio de tudo isto?
Deviam ter uma palavra a dizer no tipo de culturas instaladas, pois conhecem melhor as suas zonas do que a entidade que gere a área florestal. Sabemos que existe algum descontentamento em muitos municípios por acharem que não deveria ser possível instalar mais áreas de eucalipto. Mas com este novo regime, esta competência é esvaziada e acabam por não poder influenciar o processo de decisão.
A Liga de Bombeiros, porém, defendeu que a responsabilidade vem de cima.
O problema é que vivemos numa teia de responsabilidades. A nossa é fazer intervenção pública e tentar transmitir uma mensagem para que a situação melhore. E os municípios têm claramente a sua, até para pressionar a tutela. Situações como as que vimos recentemente não deviam acontecer - fogos a chegarem perto de casas, rodeadas por eucaliptal. É um risco muito grande para a vida humana.
Há entidades a fugir às responsabilidades?
Pensa-se muito na lógica dos ciclos políticos. Quaisquer planos ou ideias com pés e cabeça, concebidos por pessoas com conhecimentos na área, acabam por nunca ter um início, meio e fim. Pelo meio há sempre ciclos eleitorais. Cai um e vem outro. Isto é transversal para a educação, o ambiente ou floresta. É um dos grandes problemas do nosso país.
Os incêndios enchem anualmente noticiários e jornais. As pessoas preocupam-se ou é-lhes indiferente?
Quem passa por uma situação de incêndio acaba por ficar mais sensível. Recordo-me que, nos anos de grandes incêndios no Algarve, onde as pessoas estavam na praia e conseguiam ver as grandes colunas de fumo, era-lhes indiferente. Muitas vezes, entre o pensar em fazer e a acção vai uma grande distância.
Foi eleito pouco tempo antes de Portugal pedir o resgate financeiro. Como se financia a Quercus numa altura destas?
Muitos dos nossos projectos são plurianuais, já vêm de trás, e talvez por isso não sentimos tanto a crise como outras associações, que vivem mais à base de donativos. Mas sentimos, claro. Temos projectos com entidades parceiras e muitas delas enfrentam dificuldades. Há menos verbas disponíveis para investir. Nestes dois anos de Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território [dividido em dois na recente remodelação governamental] o ambiente foi engolido por temas maiores. E está esquecido pelo grande público pois também não há peso político para o defender.
Qual é o eco da Quercus nas pessoas?
Apesar das dificuldades continuamos a ser uma voz que a sociedade respeita. Por não terem capacidade, as pessoas podem não fazer algo, mas pelo menos sabem o que é correcto fazer. Por outro lado, a crise acaba por ser um impulso para adoptarem atitudes mais em prol do ambiente, especialmente ao nível da eficiência energética.
E nas instituições?
Temos um contacto periódico com a tutela. Mas no meio da crise e remodelação governamental, o ambiente acabou por não vingar e ser completamente engolido pelas grandes áreas do Mar e da Agricultura. Todo um rol de boas intenções emitido no início do mandato acabou por não ser cumprido. Foi-nos sempre transmitido que teríamos um papel interventivo e seríamos ouvidos em tudo o que viesse a acontecer. Mas muita coisa acabou por ser feita à nossa revelia, como a alteração à legislação das emissões industriais e da reserva ecológica. Algo inédito. É o mesmo governo, mas esperamos que esta má prática se altere.
Este ignorar acontece porquê?
Demorámos cerca de 9 meses a ser recebidos pela senhora ministra, após enviarmos um pedido de reunião. Foi-nos dito que não houve tempo nem disponibilidade devido às imposições da 'troika'. Não somos ingénuos e percebemos que houve alteração de legislação à medida de determinados sectores, e com certeza que estes foram ouvidos.
No primeiro semestre do ano, 72% da energia produzida em Portugal teve origem renovável. É possível fazer melhor?
Sim. O anterior governo teve uma política nessa direcção, mas sentimos agora um certo clima de rejeição. Se é verdade que, no imediato, implica mais custos, a médio e longo prazo há grandes vantagens em investir nas renováveis. Portugal é um país pequeno, sem combustíveis fósseis, e tem sempre o problema da dependência externa. O investimento nas renováveis pode cortar no preço da energia, reduzir os custos nas importações e baixar a nossa factura ambiental. A teoria tem lógica, falta perceber se haverá força para compatibilizar a energia com a defesa do ambiente.
Acredita que vai existir?
Esperemos que os próximos dois anos sejam planeados de outra maneira. Percebemos esta tentação no imediato, mas não é a melhor opção. Têm que se pensar no futuro do país a longo prazo, sem desperdiçar o investimento feito. Temos margem para fazer ainda mais: a nível das eólicas, do solar, da biomassa, da geotermia, das marés. Há que aproveitá-la.
A Quercus avalia todos os anos a qualidade da água do mar nas praias. Como analisa a recente polémica da contaminação da água nas praias da Grande Lisboa?
É preciso perceber que os factores bióticos são de difícil percepção. Basta existir um erro ou um atraso na colheita das amostras de água para o problema nunca vir a ser detectado.
Como uma eventual descarga para o mar?
Agora é impossível. Pode nem ter nada a ver com isso e estar relacionado com a sensibilidade das pessoas ou com um qualquer produto similar que tenham usado. Não se sabe. Preocupou-nos na altura alguma falta de informação: avisos na praia, colocação de painéis junto à água.
E a causa do problema?
Achou-se que eram as microalgas, depois afinal não foi possível provar uma ligação directa com os problemas de saúde.
No fundo não se explicou nada.
Sim. É normal que não se tenha conseguido determinar uma relação causal, o estudo é feito em muito pouco tempo e com uma amostra relativamente curta. Ninguém pode dizer com certeza: "Este é o problema." Mas também não se diz que não o é. O correcto seria dizer apenas que não era possível determinar uma relação causal. Era sempre arriscado levantar logo a interdição da ida a banhos. E realmente foi - o problema voltou a acontecer. Faltou mais cautela.
O ambiente devia ter mais peso no sistema de ensino português?
Será sempre benéfico aumentar o tempo de contacto das crianças com temas ambientais. A situação tem felizmente melhorado, fruto do trabalho que se tem vindo a fazer nas escolas e por parte de ONG. É óbvio que as restrições sentidas com a extinção da área de projecto, onde se trabalhavam muitos temas ambientais, vão dificultar as coisas. Os trabalhos que subsistem resultam quase por inteiro de pessoas que, por carolice e de forma voluntária, levam isto adiante.
A imprensa dá destaque ao ambiente?
Vou tendo relatos de algumas pessoas de que realmente os trabalhos não passam, porque os blocos noticiosos são exageradamente dominados por questões económicas, financeiras e políticas. O peso que neste momento se dá a essas questões é enorme. Em noticiários de uma hora, 40 minutos são dedicados a isso.
Os portugueses preocupam-se com o ambiente?
Acho que sim, mas não fazem ainda tudo o que podem. Muitos porque não podem mesmo, outros por não quererem. No geral, contudo, preocupam-se mais agora do que há uns anos. É preciso fazer mais e a crise não é desculpa para tudo.
sábado, 24 de agosto de 2013
Nuno Sequeira. "Não há peso político para defender o ambiente".
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