segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Limitação de mandatos. Lei foi debatida em "tempo mínimo." No dia 28 de Julho de 2005


Limitação de mandatos. Lei foi debatida em "tempo mínimo"
Por Susete Francisco
publicado em 19 Ago 2013
A lei que agora divide os tribunais foi dada a conhecer aos deputados no dia da votação. Teve15 minutos de debate
A polémica lei da limitação de mandatos, que está a ser interpretada de forma divergente nos tribunais, foi aprovada no Parlamento a 28 de Julho de 2005 - o último dia antes das férias parlamentares desse ano - e com deputados a pedirem um "tempo mínimo" para debater a proposta em cima da mesa. Esse "tempo mínimo" foi concedido: três minutos a cada grupo parlamentar.

A lei da limitação de mandato nasce de uma proposta do governo de José Sócrates que é depois negociada no Parlamento entre o PS e o PSD. Quando chega à votação final, em plenário, o documento que está previsto ir a votos já não é o original, mas um texto de substituição apresentado pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais (uma prática comum na Assembleia, quando um diploma sofre alterações importantes nas comissões). Acontece que também não foi este texto que foi votado pelos deputados. Isto porque o PS e o PSD acordaram entretanto uma nova proposta - que substitui a anterior e vai a votos no mesmo dia em que é apresentada.

A confusão é patente no relato da sessão reproduzido no "Diário da Assembleia da República". Marques Guedes, à data líder parlamentar do PSD (actual ministro dos Assuntos Parlamentares) é o primeiro a pedir mais tempo para analisar o que está em discussão. "Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa no seguinte sentido: tendo o guião das votações sido elaborado à última hora, não o foi correctamente no sentido de permitir o debate e a votação adequados desta matéria em plenário", diz o então deputado. E prossegue sublinhando que a matéria em debate "não foi votada em comissão", pelo que solicita à Mesa da Assembleia "que conceda um tempo mínimo de debate às bancadas parlamentares em relação às votações que se seguem". Perante a advertência de Jaime Gama de que se deve passar às votações, Marques Guedes insiste, lembrando que "existe uma proposta de substituição ao texto da comissão, apresentada pelo PS e pelo PSD, e que o substitui na íntegra". "Reitero o pedido que fiz ao sr. Presidente no sentido de conceder um tempo mínimo a cada bancada - por exemplo, três minutos - para a realização do debate na especialidade". O pedido é reforçado por Osvaldo Castro, então presidente da comissão de Assuntos Constitucionais (já falecido) - "Tinha pedido a palavra para reiterar o pedido formulado pelo deputado Luís Marques Guedes, porque julgo que se trata de uma lei muito importante e convém que haja o mínimo de esclarecimento".

Pouco depois será Bernardino Soares, líder parlamentar do PCP, a lamentar a forma como a lei será aprovada momentos depois: "Resta, ainda, salientar mais dois pontos: um diz respeito ao processo atribulado que leva a estemomento em que se vai votar, finalmente, uma proposta que só há poucos minutos se soube exactamente qual era".

A versão final levada a votos divide em duas a proposta inicial do governo - que previa a limitação de mandatos também para o primeiro-ministro e para os presidentes dos governos regionais. A limitação respeitante aos titulares de órgãos executivos autárquicos foi isolada no diploma que agora está no centro da polémica, sendo que a redacção do texto sofreu também algumas alterações. O diploma foi aprovado com 159 votos a favor (do PS, PSD e BE), 11 votos contra (do PCP) e 5 abstenções (do CDS e PEV).


Terminada a votação, não acabou a confusão. O texto ainda haveria de sofrer uma mudança: enquanto a versão aprovada no Parlamento define uma limitação aplicável ao "presidente da câmara" e ao "presidente da junta de freguesia", o texto que é depois publicado em "Diário da República" refere-se a presidente "de" câmara" e "de" junta - o que não será inócuo em termos de interpretação da lei.


No dia 28 de Julho de 2005
Por Ana Sá Lopes
publicado em 19 Ago 2013 in (jornal) i online
O resultado de uma lei aprovada às três pancadas está à vista de todos
Portugal está a viver a campanha autárquica mais esquizofrénica desde que em 1976 se realizaram pela primeira vez as eleições locais. A um mês e meio do acto eleitoral marcado para 29 de Setembro, ninguém sabe ao certo em várias câmaras importantes quem é o candidato do PSD ou do PCP - já que o PS se resguardou evitando candidatar cidadãos que tenham cumprido mais de três mandatos autárquicos e o Bloco nunca sofreu de problemas deste género.

Com os tribunais a chumbarem candidaturas a eito, a trapalhada vai acabar por cair no colo dos juízes do Tribunal Constitucional - que ou vão tomar uma decisão em cima das autárquicas ou, o que seria ainda pior, depois.

Infelizmente, basta ler a descrição da sessão parlamentar em que se aprovou a lei que hoje faz arrancar cabelos a autarcas e tribunais para se perceber que a grande confusão estava anunciada com anos de antecedência. Foi na véspera das sagradas férias que o parlamento aprovou a lei de limitação de mandatos autárquicos - a proposta caiu à última hora, fruto de um acordo entre PS e PSD. Cada partido teve direito a três (!!!) minutos para a discutir. Várias vozes contestaram a modalidade de discussão de uma lei tão importante. Luís Marques Guedes, o actual ministro da Presidência, era na altura líder parlamentar do PSD e insurgiu-se contra o facto. Tal como as coisas foram postas, defendeu Marques Guedes, não havia condições para debater correctamente a lei.

O deputado socialista Osvaldo de Castro, recentemente falecido, também contestou a pressa, apoiando a proposta de Marques Guedes: "Julgo que se trata de uma lei muito importante e convém que haja o mínimo de esclarecimento." O líder parlamentar comunista Bernardino Soares lamentará também que só à última hora os deputados tenham sido informados de serem obrigados rapidamente a aprovar "uma proposta que só há minutos se soube exactamente qual era". Mas Jaime Gama, na altura presidente da Assembleia da República, não deixou que se discutisse o assunto mais que os escassos três minutos atribuídos a cada grupo parlamentar. Uma discussão instantânea para uma lei que mudaria a face do sistema político autárquico tinha todos os condimentos para correr mal. O que se passou naquele dia 28 de Julho de 2005 é directamente responsável pela trapalhada presente. Este erro parlamentar está a pagar-se muito caro.

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