Bradley Manning condenado a 35 anos de prisão no caso WikiLeaks
A pena é a mais severa alguma vez atribuída a um responsável por uma fuga de informação classificada nos EUA. Obama já acusou sete pessoas por divulgarem informação secreta
O soldado Bradley Manning foi ontem condenado a 35
anos de prisão num tribunal militar por ter cometido a maior fuga de informações
secretas na história dos Estados Unidos, ao fornecer centenas de milhares de
documentos diplomáticos e relatórios de guerra à organização WikiLeaks.
A juíza Denise Lind, uma coronel do Exército americano, considerou Manning
culpado da maior parte das acusações, incluindo violação da Lei de Espionagem e
roubo de propriedade do Governo, o que poderia ter resultado numa pena máxima de
90 anos de prisão. A sentença anunciada ontem é mais leve do que os 60 anos de prisão solicitados pelos procuradores que representaram o Governo americano. Nas suas deliberações finais na segunda-feira, um dos procuradores, o capitão Joe Morrow, disse que Manning "traiu os Estados Unidos" e que, "por essa traição, merece passar o resto da sua vida na prisão". Morrow também notou que a severidade da pena deveria servir para desencorajar futuras fugas de informação secreta em instituições militares. "Este tribunal deve mandar um recado a qualquer soldado que esteja a contemplar roubar informação classificada", disse o procurador.
Bradley Manning, 25 anos, era um analista de informações secretas de baixo escalão em Bagdad quando forneceu cerca de 700 mil documentos classificados pelo Governo americano à WikiLeaks de Julian Assange. Esse material incluiu um vídeo feito em 2007 durante um ataque de um helicóptero militar americano na capital iraquiana que resultou na morte de uma dúzia de civis, incluindo dois jornalistas; relatórios militares mostrando que o número de vítimas civis na guerra do Iraque era maior do que as estimativas oficiais; e, entre outros, correspondência de diplomatas americanos em todo o mundo, contendo impressões pessoais sobre os governos e países onde estavam colocados.
Na semana passada, Manning foi absolvido da acusação mais grave, "ajudar o inimigo", que teria resultado numa pena de prisão perpétua, sem possibilidade de comutação.
Manning foi detido em Maio de 2010, depois de ter confidenciado com um ex-pirata informático, Adrian Lamo, que estava a colaborar com a WikiLeaks. Lamo denunciou-o às autoridades militares. Esses três anos e meio sob custódia militar serão deduzidos na pena de Manning que, se vier a cumprir a sentença completa, terá 56 anos quando for libertado. Mas a pena inclui a possibilidade de Manning pedir liberdade condicional quando tiver cumprido um terço da sentença - o que significa que, com um historial de bom comportamento, poderá servir oito anos na prisão e ser libertado quando tiver 33 ou 34 anos.
Como parte da sentença, a juíza também determinou que Manning fosse removido do Exército "em desonra", que o seu escalão militar fosse reduzido e que não tivesse direito a futuros benefícios militares como pensão e serviços pagos de saúde.
Manning não teve qualquer reacção ao ouvir a sentença, ontem de manhã. Quando foi escoltado para fora da sala de tribunal, uma dúzia de apoiantes gritaram: "Vamos continuar a lutar por ti, Bradley! És o nosso herói!"
A sua pena é a mais severa punição alguma vez atribuída a alguém responsável por uma fuga de informação classificada pelo Governo americano.
Direito de conhecer
Durante o julgamento, o advogado de defesa, David Coombs, disse que Manning revelou os documentos secretos por acreditar que o público tinha o direito de conhecer certos aspectos da guerra no Iraque que o perturbavam. Coombs também argumentou que o seu cliente, que é gay, estava a atravessar uma crise de identidade numa instituição militar que na altura proibia homossexuais de servirem, e que se o Exército não tivesse ignorado os crescentes sinais de que a sua saúde mental estava a deteriorar-se, talvez Manning não tivesse tido acesso a informações classificadas.
Na semana passada, Manning desculpou-se pelos seus actos, dizendo que eles tinham "prejudicado pessoas e os Estados Unidos". Ele acrescentou que embora estivesse a passar por grandes dificuldades pessoais na altura, isso não desculpava o que tinha feito. "Eu estava consciente do que estava a fazer e das decisões que tomei", disse.
A sua sentença foi condenada por organizações de defesa das liberdades civis, como a American Civil Liberties Union (ACLU). "Quando um soldado que partilhou informação com a imprensa e o público é punido de forma muito mais dura do que outros que torturaram prisioneiros e mataram civis, há qualquer coisa de seriamente errado com o nosso sistema de Justiça", disse Ben Wizner, da ACLU.
Daniel Ellsberg, o ex-analista do Pentágono que em 1971 forneceu documentos secretos sobre o Vietname à imprensa americana, mostrando que o Governo não estava a dizer a verdade sobre o seu envolvimento naquela guerra, disse ontem que Manning não merecia passar "nem mais um dia na prisão".
Barack Obama tem sido criticado pela agressividade com que tem perseguido os responsáveis por fugas de informação secreta. Sete indivíduos foram acusados pela sua Administração, o último dos quais é Edward Snowden, que fugiu dos EUA e conseguiu obter asilo na Rússia. Houve apenas três casos semelhantes em todos os governos anteriores.
So the innocent have nothing to fear? After David Miranda we
now know where this leads
The destructive power of state snooping is on display for
all to see. The press must not yield to this intimidation
Simon Jenkins
The Guardian, Tuesday 20 August 2013 / http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/aug/20/innocent-fear-david-miranda
You've had your fun: now we want the stuff back. With these
words the British government embarked on the most bizarre act of state
censorship of the internet age. In a Guardian basement, officials from GCHQ
gazed with satisfaction on a pile of mangled hard drives like so many book
burners sent by the Spanish Inquisition. They were unmoved by the fact that
copies of the drives were lodged round the globe. They wanted their symbolic
auto-da-fe. Had the Guardian refused this ritual they said they would have
obtained a search and destroy order from a compliant British court.
Two great forces are now in fierce but unresolved
contention. The material revealed by Edward Snowden through the Guardian and
the Washington Post is of a wholly different order from WikiLeaks and other
recent whistle-blowing incidents. It indicates not just that the modern state
is gathering, storing and processing for its own ends electronic communication
from around the world; far more serious, it reveals that this power has so
corrupted those wielding it as to put them beyond effective democratic control.
It was not the scope of NSA surveillance that led to Snowden's defection. It
was hearing his boss lie to Congress about it for hours on end.
Last week in Washington, Congressional investigators
discovered that the America's foreign intelligence surveillance court, a body
set up specifically to oversee the NSA, had itself been defied by the agency
"thousands of times". It was victim to "a culture of
misinformation" as orders to destroy intercepts, emails and files were
simply disregarded; an intelligence community that seems neither intelligent
nor a community commanding a global empire that could suborn the world's
largest corporations, draw up targets for drone assassination, blackmail US
Muslims into becoming spies and haul passengers off planes.
Yet like all empires, this one has bred its own antibodies.
The American (or Anglo-American?) surveillance industry has grown so big by
exploiting laws to combat terrorism that it is as impossible to manage internally
as it is to control externally. It cannot sustain its own security. Some two
million people were reported to have had access to the WikiLeaks material
disseminated by Bradley Manning from his Baghdad cell. Snowden himself was a
mere employee of a subcontractor to the NSA, yet had full access to its data.
The thousands, millions, billions of messages now being devoured daily by US
data storage centres may be beyond the dreams of Space Odyssey's HAL 9000. But
even HAL proved vulnerable to human morality. Manning and Snowden cannot have
been the only US officials to have pondered blowing a whistle on data abuse.
There must be hundreds more waiting in the wings – and always will be.
There is clearly a case for prior censorship of some matters
of national security. A state secret once revealed cannot be later rectified by
a mere denial. Yet the parliamentary and legal institutions for deciding these
secrets are plainly no longer fit for purpose. They are treated by the services
they supposedly supervise with falsehoods and contempt. In America, the
constitution protects the press from pre-publication censorship, leaving those
who reveal state secrets to the mercy of the courts and the judgment of public
debate – hence the Putinesque treatment of Manning and Snowden. But at least
Congress has put the US director of national intelligence, James Clapper, under
severe pressure. Even President Barack Obama has welcomed the debate and
accepted that the Patriot Act may need revision.
In Britain, there has been no such response. GCHQ could
boast to its American counterpart of its "light oversight regime compared
to the US". Parliamentary and legal control is a charade, a patsy of the
secrecy lobby. The press, normally robust in its treatment of politicians, seems
cowed by a regime of informal notification of "defence sensitivity".
This D-Notice system used to be confined to cases where the police felt lives
to be at risk in current operations. In the case of Snowden the D-Notice has
been used to warn editors off publishing material potentially embarrassing to
politicians and the security services under the spurious claim that it
"might give comfort to terrorists".
Most of the British press (though not the BBC, to its
credit) has clearly felt inhibited. As with the "deterrent" smashing
of Guardian hard drives and the harassing of David Miranda at Heathrow, a
regime of prior restraint has been instigated in Britain whose apparent purpose
seems to be simply to show off the security services as macho to their American
friends.
Those who question the primacy of the "mainstream"
media in the digital age should note that it has been two traditional
newspapers, in London and Washington, that have researched, co-ordinated and
edited the Snowden revelations. They have even held back material that the NSA
and GCHQ had proved unable to protect. No blog, Twitter or Facebook campaign
has the resources or the clout to confront the power of the state.
There is no conceivable way copies of the Snowden
revelations seized this week at Heathrow could aid terrorism or "threaten
the security of the British state" – as charged today by Mark Pritchard,
an MP on the parliamentary committee on national security strategy. When the
supposed monitors of the secret services merely parrot their jargon against
press freedom, we should know this regime is not up to its job.
The war between state power and those holding it to account
needs constant refreshment. As Snowden shows, the whistleblowers and
hacktivists can win the occasional skirmish. But it remains worrying that many
otherwise liberal-minded Britons seem reluctant to take seriously the abuses
revealed in the nature and growth of state surveillance. The arrogance of this
abuse is now widespread. The same police force that harassed Miranda for nine
hours at Heathrow is the one recently revealed as using surveillance to
blackmail Lawrence family supporters and draw up lists of trouble-makers to
hand over to private contractors. We can see where this leads.
I hesitate to draw parallels with history, but I wonder how
those now running the surveillance state – and their appeasers – would have
behaved under the totalitarian regimes of the 20th century. We hear today so
many phrases we have heard before. The innocent have nothing to fear. Our
critics merely comfort the enemy. You cannot be too safe. Loyalty is all. As
one official said in wielding his legal stick over the Guardian: "You have
had your debate. There's no need to write any more."
Yes, there bloody well is.
Manning e Snowden, dois tipos de fuga
Um divulgou o conteúdo, outro os métodos
Chegar aos media
A fama da WikiLeaks e de Julian Assange tem alicerces nas gigantescas fugas
de informação do soldado Bradley Manning, que apesar de ter tentado abordar a
imprensa tradicional - o Washington Post e o New York Times -, não
foi levado a sério. Mas, ao contrário de Edward Snowden, o analista que
trabalhava para a Agência de Segurança Nacional, não teve muita paciência para
cultivar os media tradicionais. A primeira informação publicada pelo
site de Assange data de 18 de Fevereiro de 2010, é um telegrama
diplomático da embaixada norte-americana na Islândia. Snowden esperou meses por
uma resposta favorável de Glenn Greenwald às suas ofertas de informação.Vídeos de guerra
A informação passada por Manning ao site WikiLeaks foi extraordinária pela sua dimensão, não tanto pelo conteúdo ou pela novidade do que revelava. Admitiu ter sido a fonte de um vídeo divulgado pela WikiLeaks em Abril de 2010, baptizado Collateral Dammage, em que se via um helicóptero de combate americano no Iraque a abater, em Julho de 2007, um grupo de pessoas - uma delas um fotógrafo da Reuters. O soldado reconheceu ter sido também a fonte de outro vídeo filmado na aldeia de Granai, no Afeganistão, onde mais de uma centena de civis tinham sido mortos por um ataque aéreo dos EUA, em Maio de 2009. Sobre a guerra no Afeganistão, aliás, a WikiLeaks divulgou mais de 90 mil documentos fornecidos por Manning. Em Outubro, seguiu-se um enorme dossier sobre o Iraque: mais de 400 mil ficheiros sobre a guerra, como relatórios confidenciais do Pentágono que revelavam abusos, torturas e assassínios de que foram vítimas civis.
Um alvo bem definido
Os documentos revelados por Snowden têm uma dimensão diferente e têm um âmbito mais restrito: revelam a forma como a Agência de Segurança Nacional montou um programa de vigilância electrónica à escala global para vigiar as comunicações dos americanos e dos estrangeiros. O pretexto é a luta contra o terrorismo, mas pode ir muito além disso. Enquanto Manning revelou o conteúdo, Snowden deu a conhecer os métodos.
Os telegramas
A parte mais conhecida das fugas de informação feitas por Manning são os cerca de 250 mil telegramas diplomáticos americanos: correspondência de embaixadores dos EUA colocados em todas as partes do mundo com o Departamento de Estado, dando conta do que se passa nos países onde estão, falando livremente das coisas que não dizem oficialmente. Neles se fala dos negócios dos ditadores e das suas mulheres, das desconfianças em relação aos políticos - assuntos que são interessantes para o povo de cada país, embora raramente sejam de relevância internacional. Mas vários jornais publicaram ao mesmo tempo trabalhos com recurso a esta base de dados - Guardian, New York Times, Der Spiegel, El País -, na última colaboração de grande fôlego da WikiLeaks com a imprensa. Clara Barata in Público
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