A comédia do Rochedo
É incompreensível que dois estados da UE não se entendam numa questão como a de Gibraltar
É no mínimo anacrónica a existência de uma colónia
britânica no extremo Sul da Península Ibérica no ano da graça de 2013 -
exactamente três séculos após a assinatura do Tratado de Utrecht, através do
qual a Espanha cedeu Gibraltar ao Reino Unido para sempre. Mas o mundo nem
sempre é linear e a favor do Reino Unido falam os termos inequívocos daquele
tratado e a vontade expressa de forma igualmente inequívoca, em dois referendos,
pelos habitantes do Rochedo de continuarem a ser parte do Reino Unido. Mas,
sendo a Espanha e a Grã-Bretanha parte da União Europeia, é no mínimo ridículo
que o conflito sobre Gibraltar esteja a atingir proporções como estas. Foi
pueril o comportamento de Gibraltar ao atrapalhar o acesso de barcos de pesca
espanhóis a águas que considera suas e é cómica a ideia britânica de enviar
navios de guerra para o estreito. A Espanha cobriu-se de ridículo ao propor uma
aliança à Argentina, comparando as Malvinas a Gibraltar e ao afirmar que o
tratado do século XVIII refere-se a cedência do território mas não... ao espaço
aéreo (uma falha dos diplomatas setecentistas?). Convinha também pensar que quem
quer Gibraltar de volta não pode querer ao mesmo tempo manter Ceuta.
Gibraltar escusava de ter provocado Madrid, que não pensou duas vezes antes
de reacender uma cruzada nacional magnífica para desviar as atenções da opinião
pública das misérias do escândalo Barcenas. Nem a Espanha conseguirá alguma vez readquirir a soberania de Gibraltar agindo desta forma nem os britânicos acautelam os interesses dos habitantes da colónia ao não cuidarem bem das relações de vizinhança.
O que não se aceita é que, numa Europa sem fronteiras, duas capitais europeias não se consigam entender, quando o óbvio seria adequar as especificidades de Gibraltar ao contexto comunitário. Para começar, faziam melhor em acabar com a fronteira em vez de brincar às guerras.
Reino Unido ataca Espanha por causa de Gibraltar. Pela via
legal
Por Diogo Vaz Pinto
publicado em 13 Ago 2013
David Cameron quer que os tribunais europeus ponham fim a
medidas de controlo fronteiriço espanholas que diz serem "politicamente
motivadas e desproporcionadas"
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, está a
analisar as suas opções na "acção legal" que deverá empreender contra
Espanha devido ao aumento dos controlos fronteiriços no acesso a Gibraltar,
medida que, segundo Londres, é "politicamente motivada e totalmente
desproporcionada". O anúncio foi feito ontem pelo porta-voz de Cameron,
que fez questão de sublinhar: "Esta será uma medida sem precedentes, pelo
que queremos ponderá-la cuidadosamente antes de tomarmos a decisão de seguir
para a frente com ela".
Madrid reagiu à declaração, afirmando que não irá abandonar
os controlos nas suas fronteiras. "Os controlos são legais e
proporcionais. Somos obrigados a fazê-los ao abrigo de Schengen. Não podemos
renunciar a eles.", disse um porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros espanhol.
A crescente tensão na disputa diplomática que envolve os
dois países prende- -se às rigorosas buscas que os guardas espanhóis têm levado
a cabo na fronteira de Gibraltar, provocando engarrafamentos de várias horas. O
governo da pequena península acusou Madrid de estar a retaliar depois deste ter
construído um recife artificial de betão que, diz Gibraltar, tem como fim
impedir as alegadas incursões de barcos de pesca espanhóis nas suas águas.
Espanha contesta a soberania do Reino Unido sobre Gibraltar,
e o governo de direita de Mariano Rajoy quer reclamar junto de fóruns
internacionais como as Nações Unidas (ONU) e o Tribunal Internacional de Justiça
(Haia), adiantou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros no
domingo. Madrid planeia uma frente comum com a Argentina, aproveitando o facto
desta cumprir um período de dois anos como membro não-permanente no Conselho de
Segurança da ONU, no sentido de contestar, em conjunto, a soberania britânica
de Gibraltar e das ilhas Malvinas nos organismos internacionais. A presidente
da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, aproveitou já esta semana uma
reunião do conselho para exigir que a questão de Gibraltar seja colocada na
agenda.
Questionado pelos jornalistas se o governo britânico está a
considerar algum outro curso de acção adicional, o porta-voz de Cameron disse
que havia outras opções na mesa, mas não quis especificar quais. Milhares de elementos
da Marinha Real britânica deixaram ontem o país, destacados para o
Mediterrâneo. O helicóptero de transporte HMS Ilustrious deixou a base naval de
Portsmouth, em Hampshire, e irá juntar-se à frota de nove navios que partiu de
Devonport há dias para participar nos exercícios militares anuais na região do
Golfo Pérsico.
Uma medida adicional que Madrid está ainda a considerar é
cobrar uma taxa de 50 euros a quem queira atravessar a fronteira de Gibraltar.
Algo que nas actuais circunstâncias só poderia constituir uma provocação. Ora,
o presidente da câmara de Londres, Boris Johnson, na sua habitual coluna
semanal no "The Telegraph", começou ontem por uma exigência a Madrid:
"Tirem as mãos do nosso rochedo." Para o autarca, esta não é uma
disputa por questões de pesca, mas antes uma "descarada manobra de
diversão" do governo de Rajoy para desviar as atenções dos seus falhanços
em lidar com a crise económica que o país atravessa e das acusações de
corrupção que enfrenta.
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