sábado, 9 de agosto de 2014

EDITORIAL / PÚBLICO Jogo do passa a culpa entre os reguladores / BES: CMVM desconhecia decisões que "tudo indica" influenciaram preços de acções antes da suspensão / Bolsa. Um mês destruiu um ano de recuperação.


EDITORIAL / PÚBLICO
Jogo do passa a culpa entre os reguladores
DIRECÇÃO EDITORIAL 08/08/2014 - 20:02

É grave o que se está a passar entre o Banco de Portugal e a CMVM. Ninguém se entende.
Quem tem a responsabilidade de regular e supervisionar os bancos é o Banco de Portugal (BdP). E se o banco em causa tiver acções ou dívida cotadas na bolsa de valores, há um cruzamento de responsabilidades entre o regulador bancário e o supervisor do mercado de capitais, a CMVM. Para que a supervisão seja eficaz, é necessário que os dois se entendam para, por um lado, não haver um atropelo de competências e, por outro, não haver territórios em que haja um vazio de regulação.

Foi o que aparentemente aconteceu com o aumento de capital do BES que decorreu entre Abril e Maio, e que levou vários accionistas a investir (e a perder) mais de mil milhões de euros, numa altura em que já era do conhecimento das autoridades algumas irregularidades cometidas a nível das holdings do grupo Espírito Santo.

Para Carlos Costa, o BdP apenas tem de se pronunciar sobre se a instituição que supervisionou precisa ou não de reforçar o capital e a dimensão das suas necessidades. E que cabe à CMVM pronunciar-se sobre "o conteúdo e a elaboração do prospecto de emissão do aumento de capital". Já a CMVM responde que, com base na lei em vigor, cabe ao BdP autorizar "o aumento de capital" e que a ela cabe apenas a tarefa de garantir que o prospecto está bem elaborado.

A agravar o clima de crispação, a CMVM veio nesta sexta-feira emitir um comunicado em que diz que só suspendeu a negociação das acções do BES às 15h de sexta-feira porque só nessa altura é que teve conhecimento de que iria passar-se alguma coisa no BES, “ainda que desconhecendo os termos concretos dos mesmos". Ou seja, o que a CMVM está a dizer é que não foi informada sobre o que se passava no BES de forma atempada.

Quando dois reguladores não se entendem, é caso para os que são regulados ficarem preocupados.


BES: CMVM desconhecia decisões que "tudo indica" influenciaram preços de acções antes da suspensão

LUSA 08/08/2014 - 15:25

Reacção da supervisora da bolsa às declarações do Governador do Banco de Portugal no Parlamento.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) reiterou nesta sexta-feira que suspendeu as acções do BES depois das 15h de sexta-feira passada porque só nessa altura teve conhecimento de "iminentes desenvolvimentos", garantindo desconhecer outras decisões que "tudo indica" influenciaram os preços dos títulos.

Destacando que a "descrição dos factos está documentada", a CMVM, num esclarecimento divulgado esta sexta-feira à imprensa, "reitera integralmente" a informação veiculada na segunda-feira quando informou que suspendeu a negociação dos títulos do BES, na sexta-feira, 1 de Agosto, "logo após ter tido conhecimento de iminentes desenvolvimentos que vieram a ser conhecidos durante o fim-de-semana".

"A CMVM procedeu à suspensão dos títulos depois das 15 horas [de sexta-feira da semana passada] dado que só por volta dessa hora teve conhecimento que haveria desenvolvimentos, ainda que desconhecendo os termos concretos dos mesmos", lê-se na nota.

A instituição liderada por Carlos Tavares garante ainda que "em momento anterior não foi informada sobre outras decisões tomadas relativas ao BES e que, tudo indica, influenciaram a formação dos preços".

Estas explicações por parte da CMVM surgem um dia depois de o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, ter afirmado no Parlamento que a hipótese de aplicar uma medida de resolução ao BES só foi colocada em cima da mesa depois do fecho do mercado na sexta-feira da semana passada.

O governador do banco central informou também que, antes disso, pela hora de almoço de sexta-feira passada, o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu tinha decidido por teleconferência suspender o acesso do BES às operações de política monetária com efeitos a 4 de Agosto (segunda-feira). Nesta altura, aquilo que Carlos Costa disse saber era que o Banco de Portugal tinha até segunda-feira para encontrar uma solução para o BES.

Na sexta-feira da semana passada, a CMVM suspendeu a negociação das acções de BES, cuja queda vertiginosa as cotava apenas nos 12 cêntimos no momento da suspensão. Essa sessão teve um elevado volume de transacções, o que já levou o regulador a abrir uma investigação para saber se foi usada informação privilegiada na transacção de títulos do BES nesse dia.

Só nos 42 minutos antes da suspensão dos títulos, foram trocados mais de 83 milhões de acções do BES, um valor muito acima da média diária (de 37,7 milhões de acções transaccionadas).

Ainda no esclarecimento hoje prestado, a CMVM assegura que "procura sempre garantir que os investidores ou potenciais investidores dispõem de toda a informação" para que tomem as suas decisões "com base em informação clara, completa e verdadeira logo que a mesma venha a seu conhecimento".


Na noite de domingo, o Banco de Portugal tomou controlo do BES e anunciou a separação da instituição num banco mau ('bad bank'), que concentra os activos e passivos tóxicos, e num 'banco bom', o chamado Novo Banco, que reúne os activos e passivos não problemáticos, como será o caso dos depósitos, e que receberá uma capitalização de 4900 milhões de euros do Fundo de Resolução bancário.

Bolsa. Um mês destruiu um ano de recuperação
Por Filipe Paiva Cardoso
publicado em 9 Ago 2014 in (jornal) i online

Depois de Paulo Portas ter feito explodir os juros, coube agora à banca mandar tudo a baixo. Governo só se queixa da Constituição
Um mês. Foi o tempo necessário para a bolsa portuguesa ver a banca destruir toda a lenta recuperação que tinha encetado desde o último Verão - marcado pelo "incidente irrevogável", que levou à promoção de Paulo Portas a vice-primeiro- -ministro. Na altura a bolsa caiu, os juros da dívida pública dispararam como nenhuma decisão do Constitucional tinha levado a acontecer. Um ano foi o que demorou normalizar a situação, até que o Banco Espírito Santo não conseguiu mais esconder os seus buracos.

Em Julho do ano passado, o PSI20 chegou a cair até aos 5364 pontos, o seu ponto mais baixo desde a Primavera de 2012, quando rondava os 4400 pontos. Com o avanço de 2013 e os primeiros meses deste ano, porém, o índice retomou alguma normalidade, valorizando lenta mas gradualmente, tendo chegado a acumular ganhos de 16% no ano, marco ironicamente atingido a 1 de Abril. Na altura a cotação do PSI20 chegou aos 7700 pontos, acabando depois por nivelar na casa dos 6800. Em Julho chegou o BESgate.

O mês começou ainda a bolsa aguentava a sua cotação global nos 6830 pontos, mas a partir de 4 de Julho o cenário inverteu-se por completo e num ápice os donos de acções de empresas cotadas no PSI20 passaram de um ganho acumulado de 15% desde o início do ano para perdas que já chegam aos 17,5% desde 1 de Janeiro, culpa do preço do colapso do BES: a bolsa desvalorizou 21% desde 5 de Julho e 30% desde o pico de Abril. Nem os chumbos às medidas do governo violadoras da Constituição conseguiram tal impacto, apesar de serem recorrentemente referidos pelo governo como se tivessem impactos bem mais elevados.

CMVM SÓ SOUBE À TARDE
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) esclareceu esta semana que só soube que ia acontecer alguma coisa ao BES às 15h da sexta-feira anterior ao fim-de-semana que matou o banco. Foi então que decidiu suspender a negociação das acções, que estavam em queda livre há dias dada a fúria vendedora de algumas instituições que conseguiram salvar o seu dinheiro do banco - talvez tenham adivinhado por obra e graça do Espírito Santo o que ia ocorrer.

Num esclarecimento enviado ontem aos jornalistas, Carlos Tavares, líder da CMVM, avançou que "no dia 1 de Agosto [...] a CMVM determinou a suspensão da negociação, o que ocorreu logo após ter tido conhecimento de iminentes desenvolvimentos que vieram a ser conhecidos durante o fim-de- -semana". Foi o governador do Banco de Portugal que telefonou a Carlos Tavares a dar conta de que algo ia acontecer durante o fim-de-semana, segundo contou o próprio Carlos Costa na comissão parlamentar da última quinta-feira. "A suspensão da acção na sexta-feira foi decidida por Carlos Tavares depois de uma conversa comigo. Mas a decisão cabe-lhe a ele. Foi depois de uma conversa telefónica que decidiu tomar a decisão de suspender as acções", disse o responsável pelo Banco de Portugal. "Não houve aqui falta de contacto", garantiu ainda Carlos Costa.

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