Cada vez mais
animais aguardam em vão por quem os queira adoptar
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Trinta mil animais abandonados em
2013 e número duplicou desde 2008
ALEXANDRA
GUERREIRO 25/08/2014 - PÚBLICO
Cavaco Silva já promulgou diploma que criminaliza os maus tratos e abandono
de animais e devolveu-o ao Parlamento para publicação. Alteração ao código
penal pode entrar em vigor a 1 de Outubro.
As oito horas de
trabalho estão a dez minutos de terminar para Rosa Teixeira. Vai agora recolher
os cães para as celas mais abrigadas. Num corredor interior que liga as boxes
feitas de grades de ferro há, junto a cada, um fio que mantém aberta uma porta
para os animais passarem.
O Parque dos
Bichos, o Centro de Recolha Oficial de Odivelas, está sobrelotado — como a
grande maioria dos estabelecimentos congéneres, de norte a sul do país. Contactada
pelo PÚBLICO, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) confirma que
as taxas de abandono cresceram desde 2008. Nesse ano, tinham sido recolhidos
pela totalidade dos canis/gatis do país 13.399 animais. Em 2013, foi mais do
dobro: 29.645 cães e gatos.
Os veterinários
municipais de diferentes canis argumentam que esta situação é um reflexo da
crise, mas notam que essa é também uma nova desculpa para muita gente —
ocupando agora o lugar das alergias que os animais supostamente provocavam ou
da agressividade que teriam.
O diploma que altera
o Código Penal, criminalizando o mau trato e abandono de animais, foi aprovado
em votação final no Parlamento no final de Julho e enviado para Belém a 5 de
Agosto. O Presidente, Cavaco Silva, promulgou o diploma e já o devolveu à
Assembleia da República, para ser publicado. Se isso acontecer até ao fim deste
mês, a alteração legislativa entra em vigor a 1 de Outubro. Se só sair em
Diário da República em Setembro, entrará em vigor a 1 de Novembro. A nova lei,
pela qual houve uma petição com 41.511 assinaturas, prevê penas de prisão de
seis meses ou multa de 60 dias (para quem abandone animais) até um ano ou multa
de 120 dias (para quem maltrata) ou dois anos de prisão ou multa de 240 dias
(se houver maus tratos e morte).
Alexandra
Pereira, a veterinária responsável pelo canil de Sintra, o mais povoado da
Grande Lisboa, com 250 cães e 90 gatos, sublinha que “são sempre mais os que
entram do que aqueles que saem”. A responsável afirma que a crise trouxe mais
animais e menos recursos. E explica que a sobrelotação de um canil “traz
problemas gravíssimos”, de bem-estar animal e de saúde pública. “Está muito
complicado: o número de animais aumenta diariamente e o de funcionários
mantém-se.” Todos os dias mais bichos são deixados à porta do canil.
As câmaras de
Lisboa, Oeiras, Loures, Sintra, Montijo, Almada e Porto, contactadas pelo
PÚBLICO, garantem que não houve cortes nos financiamentos. Mas os técnicos
lembram que nos canis não abundam os medicamentos, coisa que se repercute desde
logo no tratamento dos animais errantes.
Para Rosa
Teixeira, do Centro de Odivelas, o dia tinha começado cedo. De galochas
verde-tropa nos pés e mangueira nas mãos, varre as celas com um jacto de água
logo pelas oito horas. Em hora e meia, tudo fica limpo, com ração e água nas taças.
Já na “zona suja”
do canil, onde estão as arcas frigoríficas com os cadáveres dos animais mortos
que são obrigatoriamente recolhidos e depois encaminhados para incineração,
Rosa também fala da crise a propósito do aumento dos abandonos. “Muitos dos que
aqui vêm tentar deixar o cão contam que perderam a casa e que não podem ficar
com ele, ou que mudaram para uma habitação mais pequena, ou que nem sequer
tecto têm”.
Maria Nabais, a
veterinária municipal, diz que é difícil salvar os animais com poucos meios. No
centro, que não recebe gatos, funciona também o Consultório Veterinário
Municipal. “Com uma vertente infelizmente nada comum”, refere a médica, este
gabinete presta assistência, por um preço módico, aos animais de famílias mais
carenciadas.
“Alguns colegas
acusam-me de estar a fazer concorrência desleal às clínicas. Mas só vem ao
consultório quem não pode pagar pelos tratamentos. É aqui ou não é”, justifica.
Tem uma lista de espera de ano e meio para operações e só o básico pode ser
feito, por falta de meios. “Somos muito criticados, mas, se não temos como
tratar um animal, o que vamos fazer? Não o podemos deixar sofrer.”
Veterinária há 23
anos, diz que lhe custa sempre eutanasiar um animal, como se fosse a primeira
vez, frisando que só equaciona o abate quando não tem outra solução. E lamenta
que “muitos profissionais ainda usem a eutanásia como método de trabalho e não
de recurso”.
Outros
veterinários municipais, nomeadamente em Almada e no Montijo, têm uma leitura
semelhante e defendem que é necessário mudar mentalidades para que os animais
sejam devidamente tratados.
Apesar de
trabalhar nas modernas instalações do canil de Sintra, Alexandra Pereira
descreve assim o estado em que os cães ficam ao serem fechados: “Muitos
desistem de viver, automutilam-se, lutam entre si, deixam de comer e ficam
doentes. E assim ninguém quer adoptá-los. Vão ficando cada vez mais tempo e
cada vez mais em baixo. É uma bola de neve.” Não chegam doentes, mas acabam por
ficar, e é então que surge o “último recurso”.
Vinte e cinco multas por ano
O presidente do
Partido dos Animais e da Natureza, Paulo Borges, diz ao PÚBLICO que é
necessário combater urgentemente os hábitos de abandono de animais que existem
em Portugal. A nova lei, que considera crime o abandono e os maus tratos aos
animais domésticos, já é um avanço, reconhece, mas falta “prevenir,
sensibilizar e punir de facto”. Afirma que as coimas em vigor não são aplicadas
e que há pouca fiscalização do cumprimento da lei.
A DGAV garante,
porém, que todos os processos são objecto de decisão e salienta que a aplicação
de uma sanção ao responsável por uma infracção “está condicionada à verificação
de um conjunto de premissas, como seja, designadamente, a existência de prova
inequívoca dos factos e um efectivo nexo de causalidade”. Entre 2010 e 2013,
foram instaurados 206 processos, dos quais 106 resultaram numa punição por maus
tratos e abandono, pouco mais de 25 por ano, em média.
“Quando comecei a
trabalhar aqui, em Abril de 2006, pensava que os canis estavam em vias de
extinção”, diz Alexandra Pereira. Agora, confessa com tristeza, já não acredita
que isso esteja para acontecer. Com Rita Brandão Guerra.
Texto editado por José António Cerejo
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