OPINIÃO
Não, não é tudo igual
JOÃO MIGUEL
TAVARES 12/08/2014 - PÚBLICO
A solução encontrada pelas instituições portuguesas e europeias para o BES,
por muitas falhas que tenha e muitos problemas que possa vir a levantar, é, na
sua essência, uma revolução em relação a tudo o que se passou até hoje sempre
que esteve em causa a falência de um banco sistémico.
Na semana
passada, eu cometi um atrevimento: enquanto o BES desmoronava, elogiei o Banco
de Portugal e o Governo. E logo em dose dupla. Ou seja, não só aplaudi a
solução encontrada para o BES, como defendi a actuação de Carlos Costa, cujas
decisões me pareceram racionais, e até corajosas, em função das informações que
detinha.
Desde então,
tenho levado pancada em jornais, blogues e redes sociais, com a originalidade
de a verga me chegar ao lombo oriunda dos mais diversos quadrantes ideológicos.
Agostinho Lopes, do comité central do PCP, lamentou a minha falta de dúvidas
neste processo; Francisco Louçã declarou que eu, “em defesa do governo”,
alinhei com “a tese da protecção dos contribuintes”; Luís Aguiar-Conraria e
André Azevedo Alves consideraram que a minha exigência mudou muito desde os
tempos de Vítor Constâncio; dispenso-me de descrever os comentários coloridos
de numerosos leitores.
Ora, aquilo que
me incomoda nesta atitude não é a justeza de muitas críticas que são feitas ao
processo, porque é evidente que abundantes erros foram cometidos. Sim, há gente
que conseguiu fugir do BES em cima do gongo porque terá tido acesso a
informação privilegiada; sim, é inacreditável que tenha sido Marques Mendes a
descrever a solução em detalhe com 24 horas de antecedência; sim, em última
análise, pode dizer-se que a regulação falhou de novo, porque o banco, afinal,
foi ao fundo. Tudo isto é defensável. O meu problema é que dizer apenas isto,
ou pouco mais do que isto, colocando no mesmo patamar a condução dos processos
BPN e BES, as actuações de Vítor Constâncio e de Carlos Costa, ou a atitude dos
governos de José Sócrates e de Pedro Passos Coelho, é, aos meus olhos,
inadmissível.
E é isto que eu
não engulo, por muita acusação pró-governamental que tenha de aturar. O que
demasiada gente, da esquerda à direita, acaba a promover com a atitude de bater
em tudo pela mesma medida é uma espécie de comunismo da traulitada, de ditadura
do ressabiado, de sociedade sem critério. Tudo vai a eito, todos apanham por
igual, e com isso podemos até fingir que somos muito independentes na nossa
indignação – só que não estamos a ser independentes coisíssima nenhuma: estamos
apenas a ser cegos a mudanças importantes e a atitudes decentes que estão a
acontecer à frente do nosso nariz.
O facto de serem
justas numerosas críticas ao processo não pode significar a recusa em admitir
que ele foi radicalmente diferente do anterior. E, sobretudo, não pode
significar a recusa em reconhecer que a solução encontrada pelas instituições
portuguesas e europeias para o BES, por muitas falhas que tenha e muitos
problemas que possa vir a levantar, é, na sua essência, uma revolução – e
deixem-me sublinhar bem a palavra “revolução” – em relação a tudo o que se
passou até hoje sempre que esteve em causa a falência de um banco sistémico.
Joseph Stiglitz
chamou à lógica “too big to fail” um “socialismo à americana”: os ganhos
privatizam-se, as perdas socializam-se. Se há décadas é assim, não vejo como
podemos não dar valor à primeira vez que não o é. Ignorar isto é cegueira, e
uma manifestação de um certo “criticismo à portuguesa”, que passa pela
privatização da nossa competência e pela socialização da incompetência de
qualquer governo. Estar sempre tudo espectacularmente mal é excelente para
compor letras de fado – mas péssimo enquanto reflexão sobre um país.
Sem comentários:
Enviar um comentário