OPINIÃO
O triplo salto de António Costa
JOÃO MIGUEL
TAVARES 26/08/2014 - PÚBLICO
Ao dizer que Rio é o seu verdadeiro adversário, Costa desrespeita os
eleitores do PS, os eleitores do PSD e, em última análise, o próprio processo
democrático.
Em entrevista ao
Expresso, António Costa afirmou que o seu verdadeiro adversário era Rui Rio. Poderia
ter sido uma coisa que lhe saiu da boca para fora. Mas não foi. Há quatro
perguntas sobre o tema e Costa insiste sempre na mesma tecla – é evidente que
essa era uma das mensagens que queria fazer passar na entrevista, certamente
para apoucar António José Seguro e, de caminho, Pedro Passos Coelho. É um erro
crasso: José Sócrates já preencheu a quota do socialista arrogante para as
próximas três gerações. Ninguém quer ver isso de novo em António Costa.
E, no entanto,
aquela frase desastrada é um triplo salto de arrogância. Primeiro salto: Costa
dá de barato que vai vencer António José Seguro nas primárias. Segundo salto:
Costa dá de barato que vai vencer Pedro Passos Coelhos nas legislativas. Terceiro
salto: Costa dá de barato que Rui Rio vai vencer as eleições internas para a
liderança do PSD. Tanto barato pode sair-lhe caro. Dizer que Rui Rio é o seu
verdadeiro adversário é um desrespeito pelos eleitores do PS, um desrespeito
pelos eleitores do PSD e, em última análise, um desrespeito pelo próprio
processo democrático.
Eu fiquei muito
contente por ver António Costa avançar para a liderança do PS, e escrevi-o
neste jornal. Votei nele para a Câmara de Lisboa, onde soube fazer compromissos
e está a deixar obra, e a sua capacidade política parece-me a anos-luz da de
António José Seguro. Mas se eu ainda o considero o melhor líder para o PS, e o
melhor socialista disponível no mercado para chegar a primeiro-ministro, cada
vez mais esta minha convicção existe apesar da sua campanha e daquilo que anda
por aí a dizer. Ainda bem que António Costa já provou a sua competência –
porque nestas primárias ele está a ser altamente incompetente.
Numa outra
entrevista, desta vez à revista Visão, afirmou, com certa candura: “Estas
primárias resultam de um truque para tentar desgastar-me”. Sem dúvida que
resultam, mas as primárias só estão a desgastar António Costa porque ele está a
ser obrigado a falar, e ao falar nada tem para dizer. As pessoas que por ele
têm consideração intelectual, como é o meu caso, acham que ele não diz porque
não quer. Só que isso ainda é pior do que não dizer porque não sabe. António
Costa está convencido que consegue chegar a primeiro-ministro em 2015 apostando
numa bateria de generalidades tipo “agenda para a década”, que espremidas dão
coisa absolutamente nenhuma. Não há ali um pingo de novidade e as suas
intenções piedosas já foram prometidas vezes sem conta por resmas de políticos,
da direita à esquerda (qualificação, inovação, crescimento, coesão, nova
estratégia europeia, blá, blá, blá). Sobre as malditas finanças públicas, nem
uma palavra concreta. Claro que, diz Costa, é um problema que não se pode
“desvalorizar”. Mas só em teoria. Na prática é desvalorizadíssimo, porque não
há uma medida estrutural que a sua campanha apresente do lado da despesa.
Nesse sentido,
afirmar que Rui Rio é o seu verdadeiro adversário político é apenas mais um
degrau da estratégia cheque em branco: apresentem-me alguém que esteja à minha
altura que depois a gente conversa. Só que se ele for com esta táctica para os
debates com Seguro, talvez ganhe o PS, mas pode dizer adeus à esperança de uma
maioria absoluta. O eleitorado flutuante já não passa cheques em branco a
ninguém. Todos queremos uma resposta para o nosso presente. Gente que só fala
do futuro é coisa do passado.
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