Proprietários que não declararam rendas estão
agora a ser notificados para pagar imposto sobre os 2 milhões de euros que
terão recebido e omitido entre 2012 e 2014
Atenção senhorios: o Fisco anda
por aí disfarçado de veraneante
Por Lucília Tiago
09/08/2014 |
00:00 | Dinheiro Vivo
Ana T., 60 anos,
faz o mesmo percurso há quase uma década e meia: quando as férias se estão a
aproximar ruma à sua praia de eleição à procura de casa. Este ano notou que as
placas do "aluga-se" ou "arrenda-se" sofriam uma misteriosa
redução durante a semana para aparecerem em força ao fim de semana.
O objetivo,
explicaram-lhe, é diminuir as hipóteses de atrair as atenções do Fisco, porque
há a convicção de que os funcionários da Autoridade Tributária - que estão no
terreno a inspecionar as casas de férias ilegais e outros serviços de
alojamento não declarados - "baixam a guarda" ao sábado e ao domingo.
Mas os resultados até agora obtidos, através desta ação inspetiva, indicam que
já foram detetados cerca de 100 proprietários que omitiram rendimentos desta
atividade. Esconder a placa, não evita, por isso, dissabores com multas e
correções aos impostos.
A operação da
Autoridade Tributária tem avançado em várias frentes e com o recurso a soluções
diversas para recolher prova e detetar eventuais tentativas de evasão fiscal no
mercado de "camas paralelas" - a oferta é bastante transversal, indo
do mero quarto, ao apartamento e casa de luxo. A par da recente ação denominada
Best Holidays, em que num único dia foram analisadas cerca de duas centenas de
reservas de 80 estabelecimentos de alojamento turístico, os funcionários do
Fisco centraram atenções nos contribuintes que colocam as suas casas no
circuito do arrendamento para férias. Dos 100 que já foram detetados com
indícios de subdeclaração de rendimentos, 20 foram notificados.
De acordo com
informação facultada ao Dinheiro Vivo pela secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais,
aquelas duas dezenas de contribuintes "apresentavam volumes de negócios
elevados no período de 2012 a
2014" que, no seu total, ascendem a dois milhões de euros de rendimentos
omitidos. Terão agora de enfrentar os custos associados às coimas e aos
impostos referentes àquele rendimento. "A maioria desses contribuintes já
contactou os serviços para regularizar a situação", adiantou ao Dinheiro
Vivo o secretário de Estado Paulo Núncio, acrescentando que os restantes serão
notificados numa segunda fase.
Ainda que
operação do Fisco possa ter levado alguma oferta a "esconder-se" -
ocultando as placas, como no caso da Ana T., ou saindo dos sites de reserva com
maior visibilidade e procura - encontrar casa não foi mais difícil. Ana
raramente repete o mesmo apartamento e escolhe-o sempre da mesma forma: bate à
porta ou retira números de telefone que contacta mais tarde. O modo de
pagamento também não difere de ano para ano: metade na reserva, metade durante
ou no final das férias, em dinheiro e sem fatura. O seu caso é semelhante à de
centenas de outras famílias e, ainda que não tenha certezas se aquilo que paga
é ou não declarado ao Fisco, sabe que esta forma de arranjar casa acaba por
"ser uma alternativa mais barata".
O preço é
precisamente um dos motivos que, na opinião do presidente da Associação
Lisbonense de Proprietários, faz com que a procura por estes arrendamentos
locais para férias não declarados tenha aumentado. "Com a crise e a perda
de rendimentos, as pessoas procuram soluções mais baratas", refere Menezes
Leitão. E do lado dos proprietários que colocam as suas casas neste circuitos
dos alugueres para férias, a motivação é a mesma. "Muita gente deixou de
ter condições para sustentar uma casa de férias, que fica fechada a maior parte
do ano, sobretudo para pagar o IMI, e vê aqui uma forma de obter algum
rendimento", precisa.
O aperto do Fisco
às chamadas "camas paralelas" (seja para férias, ou para curtas
estadas) poderá levar a uma subida dos preços. Para fiscalizar estes casos, a
Autoridade Tributária colocou no terreno o agente não identificado, que chega a
recorrer à efetivação de reservas online para detetar situações de eventual
fraude e evasão.
A utilização do
agente à paisana permite ao Fisco recolher provas sem ter de previamente dizer
ao que vem, pelo que do outro lado de uma reserva ou pedido de informação,
aparentemente igual a tantas outras, pode, afinal, estar um funcionário da
Autoridade Tributária.
Para selecionar
os imóveis e estabelecimentos turísticos, o Fisco tem recorrido a várias
fontes: cruzamento de dados de faturas, consulta de fluxos de pagamentos com
cartões, denúncias, registo das referidas "placas" e monitorização
dos sites. As inspeções estendem-se a todo o país, mas têm-se centrado mais no
Algarve, Lisboa e Porto - onde tem crescido a procura de turistas por casas
particulares.
A secretaria de
Estado dos Assuntos Fiscais não faz projeções sobre a faturação e receitas
fiscais que podem escapar através deste mercado paralelo, mas o assunto mereceu
a atenção da troika e no relatório da 11ª avaliação foi decidido monitorizar
esta área de negócio e também a dos arrendamentos habitacionais não declarados.
Nas contas da
Associação da Hotelaria Portuguesa (AHP), as casas de férias ilegais poderão
representar cerca de 10% do total de dormidas, ou seja, cerca de quatro
milhões. Num artigo publicado na imprensa local, o ex-presidente do Turismo
Algarvio estimava que a perda de receita fiscal em IVA poderia rondar os oito
milhões de euros.
Neste contexto, a
AHP e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) veem com bons olhos a ação
que está a ser promovida pela Autoridade Tributária, até porque é uma forma de
"reduzir a concorrência desleal" perante o conjunto de obrigações e
certificações que são exigidos ao sector da hotelaria e empreendimentos
turísticos.
Acentuando o
crescimento a que se foi assistindo no mercado do alojamento local, a
presidente da direção executiva da AHP, Cristina Siza Vieira, salienta que em
causa já não está apenas o fenómeno do "alugam-se quartos, rooms,
zimmers", mas "uma oferta massificada e estruturada", que tem de
obedecer a regras. É este, de resto, o propósito do novo enquadramento jurídico
do arrendamento local, promovido pelo Ministério da Economia, que aguarda ainda
a publicação para entrar em vigor três meses depois. Cristina Siza Vieira
aplaude as novas regras, mas lembra que o controlo terá de manter-se para haver
certezas de que os rendimentos são declarados ao Fisco.
Do lado da CTP, a
expectativa é de que as novas regras e a ação inspetiva do Fisco "continue
a dar frutos", pois o arrendamento paralelo e não declarado nas Finanças,
"prejudica claramente as empresas do sector do turismo, que cumprem a
lei".
Em termos
fiscais, o enquadramento depende do tipo de gestão, mas o imóvel tem sempre de
estar registado junto da autarquia - com as novas regras este registo será
substituído por uma mera comunicação prévia através do Balcão Único Eletrónico
. Quando o proprietário se encarrega do aluguer tem de abrir registo de
atividade nas Finanças, podendo optar pela contabilidade organizada, ou pelo
regime simplificado, em que não deduz despesas, mas é tributado por um
coeficiente de 20% dos serviços prestados. Deve ainda emitir fatura com IVA a
6%, caso estime que vai faturar mais de 10 mil euros por ano. Se entregar este
serviço a uma empresa, os rendimentos serão tratados como rendas e sujeitos à
taxa de 28%.
Este leque de
opções leva Dennis Greene, da consultora Eurofisnesco, a considerar que
Portugal está a criar as condições para reduzir a evasão fiscal nesta área. Porque o regime simplificado permite "reduzir muito" o
imposto.
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