OPINIÃO
As reuniões de jovens pelo
Facebook e a outra pobreza
PEDRO AFONSO
29/08/2014 - PÚBLICO
O problema reside na incapacidade que muitos destes jovens têm em planear o
futuro e adiar a gratificação.
Recentemente
ficámos surpreendidos com um encontro de centenas de jovens no Centro Comercial
Vasco da Gama, em Lisboa, convocado através do Facebook e que terminou com
cinco agentes e um jovem de 15 anos feridos, e com dois jovens acusados de
resistência e coação à autoridade.
A abordagem de
qualquer fenómeno desta natureza é sempre parcial e incompleta, pois cada um
destes jovens mobilizados para estas ações através do Facebook tem um percurso
de vida único. Além disso, é provável que nestes grupos haja vários jovens
“normais” e bem adaptados. Mas afinal o que pode explicar alguns comportamentos
antissociais? O que pensam estes jovens? O que sentem? Quais são as suas
expectativas sobre a vida?
Quando na
infância e na adolescência não se reúnem um conjunto de condições para um
normal desenvolvimento psíquico existem sempre consequências. A personalidade é
habitualmente afetada, transformando-se nalguns casos numa personalidade doente
e perturbada. Neste contexto, estes jovens têm grandes dificuldades de adaptação
à sociedade, as relações interpessoais são problemáticas, têm reduzida
tolerância à frustração, o que juntamente com a pressão do grupo e alguma
impulsividade pode explicar (mas não justifica) alguns comportamentos
antissociais observados.
O que pensam
estes jovens? Uma grande parte destes jovens pensam essencialmente num assunto:
o presente. A satisfação dos desejos imediatos, encontra-se muito ligada à
cultura consumista e hedonista. A preocupação está muitas vezes em obter o
último gadget ou a roupa da moda. Mas não existe propriamente um comportamento
desviante nisto, pois todos nós somos um pouco assim. O problema reside na
incapacidade que muitos destes jovens têm em planear o futuro e adiar a
gratificação. Esforçar-se hoje para ser recompensado amanhã. Esta é uma
característica fundamental para se transitar de uma personalidade imatura para
uma personalidade matura. Infelizmente, muitos não são ajudados, nem motivados,
para adquirirem esta importante competência social.
O que sentem
estes jovens? Por experiência profissional posso afirmar que muitos destes
jovens sentem falta de amor, pois têm graves carências afectivas. Dentro de si
próprios persiste um enorme sentimento de revolta e rancor. Por vezes
mistura-se ainda um sentimento crónico de vazio interior. Assim, basta um
pequeno rastilho para surgir a agressividade e a violência. Mas o problema
também tem outra dimensão. A nossa sociedade tem promovido nos últimos anos,
junto dos jovens, uma cultura afectiva epidérmica, superficial, onde tudo é
sexualizado e erotizado. Por esse motivo, nota-se um autêntico analfabetismo
emocional, bem visível pelo fato de atualmente muitos jovens não disporem
sequer de um vocabulário diversificado para expressarem as suas emoções. Tudo
se resume ao “gosto”, “não gosto”, “desejo-te”, “já não significas nada para
mim”. Para os mais desatentos, bastará assistir a alguns reality shows para se
comprovar este fenómeno que não é mais do que a promoção da estupidificação
afetiva da sociedade.
Uma boa adaptação
social obriga a que possamos compreender os nossos sentimentos. As nossas
emoções também se pensam e isso é essencial para o autocontrolo, tão útil na
nossa vida. Sem autocontrolo não somos verdadeiramente pessoas livres, já que
ficamos escravos das nossas emoções. É nesta base que assenta o conceito de
inteligência emocional e que pode ser desenvolvido em qualquer um de nós.
As expectativas
sobre a vida de vários destes jovens são muito baixas e a sua existência está
frequentemente centrada no aqui e agora. Se perguntarmos a alguns deles qual é
o seu projeto de vida, a resposta habitual é o silêncio. Se insistirmos na
pergunta, a reposta surge num tom enfadado: “nunca pensei muito sobre isso”. Esta
é a maior pobreza: ser jovem e não conseguir pensar no futuro.
Médico Psiquiatra
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