Loja do banho.
Dono diz que "o fim do BES pode ser o fim do regime"
Por Margarida Bon
de Sousa
publicado em 13
Ago 2014 in
(jornal) i online
Para o
empresário, dono da Loja do Banho, que este ano faz 100 anos, Ricardo Salgado
subestimou Pedro Queiroz Pereira
António Ramalho
Carlos é dono da Loja do Banho, que este ano faz 100 anos. Tem como clientes a
fina flor de Lisboa, entre os quais a família Espírito Santo, e mais
recentemente as maiores fortunas de Angola. Convive de perto com muitos dos
envolvidos no caso GESgate e atribui a Pedro Queiroz Pereira o crédito de ter
trazido toda a história a público, Quanto à sua empresa, reconhece que a
longevidade assenta na capacidade dos donos de investirem capital sempre que
esta precisa. Mas que a maioria dos empresários portugueses opta pela falência
ao primeiro revés.
Como vê o que se
está a passar no grupo Espírito Santo e no BES?
Estou preocupado
porque ainda não consegui ter a certeza que o buraco foi totalmente apurado. A
paragem total das obras da Comporta mostra que a crise já se está a estender à
economia. Essa obra era feita em associação com um grupo tailandês, que iria
fazer ali um dos maiores resorts de qualidade na Europa.
Tinha aplicações
no BES?
Não. Trabalho com
o Montepio e a Caixa Geral de Depósitos, que são os bancos que me dão
verdadeiramente confiança e comercialmente não ficam atrás dos outros em termos
de resposta. Antes da crise trabalhava com o BCP e com o BES, mas as comissões
eram bárbaras. Ainda tenho uma conta no BES, que chegou a ser a minha conta
principal, e que deixei lá por questões afectivas. O balcão que está em frente
à Loja do Banho foi o terceiro a abrir em Lisboa e durante muitos anos foi a
escola do banco, o local por onde a família começava a sua formação. Por aqui
passaram grandes nomes do grupo, alguns deles já desaparecidos. Aos 16 anos,
quando só se podia abrir conta aos 18, o meu avô atravessou a rua e entrou lá
pela primeira vez como cliente para me abrir conta, pela qual se
responsabilizou. E é exactamente em honra da memória dele que não fecho essa
conta. O BES não só nos afectou a todos economicamente como também
afectivamente, porque por alguma razão, estando nós ligados ao comércio, aos serviços
e à indústria, foi muito difícil, por uma razão ou por outra, não termos
passado pelo banco.
Alguma vez pensou
que Ricardo Salgado pudesse estar envolvido num processo deste tip o?
Nunca. Para mim a
família Espírito Santo representava a imagem de credibilidade e de um banqueiro
em quem se pode confiar. Transmitia confiança, demonstrada ao longo de várias
gerações. E eram todos praticamente meus clientes aqui na loja.
A queda do BES
pode ser considerada uma queda do regime?
Foi. E vai ter
consequências em termos políticos e criminais também. Assim o Ministério
Público tenha força para isso, e protecção. Quando falo do BES não falo da
família Espírito Santo. A esmagadora maioria não sonhava sequer o que se
passava no banco e sempre acreditaram na boa gestão de Ricardo Salgado, tal
como nós, clientes, e investidores. Ser Espírito Santo Silva não é nem nunca
deverá ser uma vergonha para este país. Agora se a história do BES for levada
até às últimas consequências estou perfeitamente convencido que vai haver uma
razia na classe política pela, promiscuidade que vem sendo revelada aos poucos
nos meios de comunicação social. Poderá mesmo levar a um novo regime, se
coincidir com o fim do mandato de Passos Coelho e de Cavaco Silva. Tudo isto
está a convergir para o fim do mandato do governo e do Presidente da República,
o que pode ser uma altura fantástica para surgir uma nova ordem política,
económica e social.
Como viu o
empréstimo da PT à Rioforte?
A minha leitura é
simples. O Henrique Granadeiro foi um dos homens de confiança de Ricardo
Salgado e este limitou--se a cobrar-lhe um favor. E aquele sabia que ao assinar
o empréstimo ao GES estava a assinar também o pedido para passar à reforma.
Como vê o papel
do Pedro Queirós Pereira neste processo todo? E a entrega do dossiê ao Banco de
Portugal?
Houve um assalto
ao cash flow da Semapa, o Pedro Queirós Pereira conseguiu resistir porque
arranjou aliados internacionais e fez uma coisa muito latina, que é servir a
vingança num prato frio. O Ricardo Salgado subestimou-o completamente. E não
tenho a mínima duvida que foi ele quem espoletou tudo isto, quem deu as
informações necessárias ao Banco de Portugal, ao Luxemburgo e à Suíça.
Já tinha ouvido
falar do José Guilherme e do pagamento que alegadamente terá feito a Ricardo
Salgado?
Nunca. Só mostra
que realmente continuamos a ter uma segunda linha opaca dentro da economia, que
tem de acabar urgentemente. Nem a própria família Espírito Santo acreditava
nisso, achava que eram só más-línguas.
Economicamente,
já sente alguma espécie de retoma na sua loja?
Sinto uma ligeira
melhoria, mais a nível da confiança que propriamente no consumo. Essa confiança
está a traduzir-se num sentimento de recuperarão que penso que num a dois anos
se irá reflectir inevitavelmente no consumo. Não vejo as pessoas gastar mais,
antes pelo contrário, vejo-as a tentar recuperar o que têm. Uma grande parte
dos meus clientes vem cá comprar uma borracha ou uma peça que se estragou,
quando isso era impensável há uns anos. Deitavam fora e compravam novo.
Como é que a sua
loja sobreviveu à crise?
Através dos
profissionais, dos arquitectos de interiores e decoradores, porque continuamos
a ser a loja de eleição que tem sempre as novidades e se preocupa em mostrar
tudo o que se faz de novo a nível mundial. E são hoje em dia esses
profissionais que têm uma mais-valia, porque, juntamente com os clientes
portugueses, há uma grande quota de clientes angolanos, muito rigorosos e
exigentes, que também vêm através deles. Em termos de percentagem, hoje os meus
clientes são 60% angolanos e 40% portugueses. Foi uma internacionalização
indirecta através dos profissionais da decoração.
Como tem sido a
vida para as pequenas e médias empresas nos últimos anos?
Muito difícil.
Fecharam muitas empresas, estamos todos a passar por imensas dificuldades. Não
há planos de tesouraria que resistam, é tudo muito efémero e sem explicação. Ou
seja, qualquer plano é muito pouco sustentado. De repente está tudo bem, de
repente fica tudo mal. O consumo está aos soluços.
A Loja do Banho
resistiu. Faz este ano 100 anos...
Apesar das
dificuldades que tem e teve. O processo foi muito doloroso e muito rápido.
Porque de um momento para o outro Portugal foi classificado com um nível de
lixo, logo todas as seguradoras de crédito internacionais dos nossos
fornecedores anularam os seguros às empresas portuguesas. A Loja do Banho está
erradamente classificada no sector da construção civil. E foi isso que mais nos
afectou. Durante vários meses, em 2008, fui recebendo progressivamente cartas
de fornecedores internacionais com mais de 20, 30 e 40 anos de relações
comerciais explicando a situação, ao mesmo tempo que exigiam a liquidação
imediata saldada a zeros das contas correntes. Para agravar o problema e para
me poderem continuar a fornecer, obrigavam a que no futuro o pagamento da
mercadoria fosse integral e antecipado. Situação essa que se mantém até hoje.
Como resolveram o
problema?
Só tive uma
solução: vender património pessoal. O stock, na altura avaliado em 700 mil
euros, não era composto por mercadorias de rápido escoamento. E eu fui educado
na ideia de que a loja dá, a loja tira. E isto tem de ser uma conta corrente
permanente. Não podemos olhar para as empresas como um fornecedor permanente de
lucros. Muitas vezes também precisamos de fazer injecções de capital porque o
património pessoal também foi conseguido à custa das empresas. Houve muitos
empresários que não quiseram fazer o mesmo. Acham que as empresas são para
sugar até ao tutano e quando deixam de dar lucro, fecham-nas. Por isso é que
dificilmente conseguem chegar aos 100 anos. A Loja do Banho precisou de
recursos pessoais durante a primeira e a segunda guerra mundial, na revolução
do 25 de Abril e agora, durante esta crise económica mundial.
Qual foi a origem
da Loja do Banho?
Esta loja começou
por ser muito pequena. O meu bisavô António Carlos tinha uma quinta e abriu uma
loja em Lisboa para escoar os produtos. Em frente dessa loja existia uma
fábrica chamada Companhia Previdente, que vendia todo o tipo de tubagens de
chumbo para águas e saneamento. Depressa se apercebeu de que era muito mais
rentável esse negócio que a venda de produtos agrícolas. E complementou a
oferta das tubagens de chumbo com loiças sanitárias, azulejos e torneiras. E
assim nasceu, em 1914, a
Casa do Chumbo de António Carlos, rebaptizada por mim em 1987 como Loja do
Banho.
Interessou-se
logo pelo design?
A preocupação com
o design nasceu com a importação de produtos alemães, em 1955. A loja quando nasceu
tinha tudo para a casa de banho. O meu avô, mais preocupado com o lado estético
que com o técnico (tubagens e acessórios de canalização), encolheu a secção
técnica e destacou o lado estético, começando a importar da Alemanha
revestimentos, louças sanitárias e torneiras. O meu pai, agora com 81 anos, faz
o percurso exactamente oposto, porque não tinha paciência para as formas, para
as texturas e as cores. Eu voltei a fazer o inverso e mudei em 1987 o nome para
Loja do Banho. Aliás, entre nós os dois continua a haver uma grande discussão
entre o que é vender e o que é aviar. Aviar é fornecer exactamente aquilo que o
cliente quer e vender é ir ao encontro daquilo que o cliente procura. Ao
público vende-se, ao canalizador despacha-se uma encomenda.
Qual é o perfil
dos seus clientes?
De uma maneira
geral, os portugueses têm bom gosto mas não sabem comprar. Não comparam preços
líquidos. Comparam descontos. Nós sempre tivemos a política de aplicar os
descontos às tabelas de fábrica, enquanto outras lojas da concorrência
trabalham com tabelas próprias inflacionadas para poderem fazer grandes
descontos, o que é música para os ouvidos dos portugueses. Exceptuam--se,
claro, as empresas, que essas sim só olham para o líquido que pagam e não
querem saber dos descontos. Outra técnica muito desonesta que a maior parte da
concorrência usa habitualmente é fazerem orçamentos com códigos e designações
informáticas dos produtos que não podem ser entendidos nem comparados pelos
clientes indo a outra loja. A Lei da Concorrência tem de ser alterada de
maneira a ser normalizada a informação para os clientes e desta maneira haver
mais transparência para uma decisão de compra.
Qual é o seu
projecto para os próximos 100 anos?
Hoje em dia não
se justifica haver uma loja só para o banho. As pessoas querem comprar casas de
banho, cozinhas, pinturas, roupeiros e pavimentos. Decidi pois pegar na marca
registada pelo meu avo dos produtos ANCAR (diminutivo de António Carlos) e
lançar a nossa própria marca de cozinhas e roupeiros, complementando essa
oferta com a pintura e a pavimentação das casas. E a iluminação, para
oferecermos uma solução chave na mão, deixando ao cliente só a preocupação da
ocupação do espaço com os móveis. Dos vários parceiros escolhidos para esta
nova etapa da Loja do Banho quero salientar a parceria com a melhor e maior
fábrica portuguesa de iluminação e componentes eléctricos, a JSL.
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