O fim do milagre económico
alemão?
NOAH BARKIN (Berlim)
20/08/2014 – PÚBLICO
A maior economia da Europa diminuiu inesperadamente no segundo trimestre.
Governo procura formas de combater a crise no investimento.
A vitória da equipa
alemã no Mundial de Futebol no mês passado foi saudada no país como um símbolo
da emergência da Alemanha como potência económica global segura. Mas, numa
reviravolta irónica, o agradável triunfo no Brasil pode ter surgido numa altura
em que o novo "Wirtschaftswunder", ou milagre económico da Alemanha,
está a chegar ao fim. Nas últimas semanas, a economia que políticos alemães
descreveram orgulhosamente como "locomotiva de crescimento" e
"âncora de estabilidade" para a Europa, foi assolada por uma série de
más notícias que surpreenderam até os mais ardentes cépticos da Alemanha.
O grande golpe
ocorreu na quinta-feira, quando o Departamento Federal de Estatística revelou
que o Produto Interno Bruto (PIB) tinha baixado 0,2% no segundo trimestre.
"A euforia a que assistimos, a percepção de que a economia alemã está em
expansão simplesmente não tem razão de ser" disse Marcel Fratzscher,
director do instituto económico DIW em Berlim. Então por que é que a economia
alemã ficou subitamente enferma? Os meios e comunicação social alemães
atribuíram boa parte da culpa ao impasse com a Rússia acerca da Ucrânia. Mas
esse conflito pode só afectar drasticamente a economia no terceiro trimestre.
Só no mês passado é que a Europa atingiu Moscovo com sanções económicas, levando
a uma resposta “olho por olho” por parte do presidente russo Vladimir Putin. Na
realidade, economistas e alguns responsáveis governamentais reconhecem que há
razões mais profundas para a recente reviravolta. E têm pouco a ver com o
aumento das tensões geopolíticas na Europa de leste ou no Médio Oriente.
Os problemas
começam em casa, onde a saída repentina da chanceler Angela Merkel da energia
nuclear, após o desastre de Fukushima no Japão e com a agressiva estratégia de
investimento nas renováveis, intimidou a indústria alemã. Uma revisão recente
da complexa lei das energias renováveis pouco fez para aliviar a incerteza em
relação à política energética futura ou para atenuar os receios sobre a
competitividade da energia alemã. "Em particular, as indústrias com uso
intensivo de energia perderam a confiança no futuro da Alemanha como
localização de empresas," disse Thomas Mayer, um antigo economista chefe
do Deutsche Bank agora à frente do Instituto de Investigação Flossbach von
Storch com sede em Colónia. "Penso que esta é uma questão importantíssima
que vai ser um peso para a indústria alemã nos próximos anos."
Recuo na reforma
Piorando ainda
mais a disposição das empresas tivemos um recuo nas reformas económicas que o
predecessor de Merkel, Gerhard Schroeder, introduziu há uma década, e que muita
gente acredita ter contribuído para a grande diminuição do desemprego na
Alemanha e para uma melhoria no crescimento que começou em 2006 – ano em que a
própria Alemanha acolheu (mas não conseguiu ganhar) o Campeonato do Mundo.
Desde que subiu ao poder em Dezembro do ano passado que o governo alemão de
coligação esquerda-direita tem vindo a implementar uma redução na idade da
reforma para alguns trabalhadores e ganhou a aprovação do Parlamento para um
salário mínimo nacional de 8,50 euros por hora.
O ponto seguinte
da agenda é uma maior restrição no trabalho temporário. A reforma das pensões
que permite aos trabalhadores com muitos anos de desconto aposentarem-se quatro
anos antes, aos 63, arrisca-se a agravar a escassez de trabalhadores
qualificados em alguns sectores da economia. A agência de rating Moody's já
disse que isso abalou a sustentabilidade do sistema de pensões alemão.
O efeito
inesperado destas políticas traduziu-se no desencorajamento das empresas em
investir no país. O investimento empresarial em maquinaria e equipamento, por
exemplo, atingiu a menor percentagem de sempre, 6,2% do PIB no ano passado,
como salienta Elga Bartsch da Morgan Stanley. Isto apesar de uma forte dinâmica
de procura interna, das baixas taxas de juro dos empréstimos e do sentimento de
optimismo ainda presente.
O problema tem
sido a descida acentuada do investimento público. Um estudo levado a cabo no
mês passado pela Câmara do Comércio e Indústria (DIHK) disse que a Alemanha
estava a sofrer uma quebra no investimento global que chegava aos 3% do PIB, ou
80 mil milhões de euros por ano. Nos cerca de 17% do PIB, os níveis de
investimento total por ano na Alemanha estão abaixo dos de outros países
industrializados, cuja média é de cerca de 21%. No país vizinho do Sul da
Alemanha, a Áustria, por exemplo, o nível é de 27%. Apontando para estes
números, o presidente da DIHK, Eric Schweitzer, compara o actual estado de
espírito na Alemanha ao do Titanic: "Estão todos em festa e ninguém se
apercebe da ameaça iminente do iceberg." Os responsáveis governamentais
admitem também, em privado, a sua preocupação.
O ministro da
Economia tem estado a estudar formas de combater o problema do investimento na
Alemanha e o ministro Sigmar Gabriel convidou especialistas estrangeiros para
discutir a questão mais para o final do mês. Depois de os sociais-democratas
(SPD) terem conseguido fazer passar a legislação do salário mínimo e da idade
da reforma, Gabriel esforça-se por mostrar à comunidade empresarial que está a
ouvir. No início deste mês passou quase uma semana a visitar pequenas e médias
empresas no leste da Alemanha. "Houve períodos, por exemplo no final da
década de 1990, em que a Alemanha perdeu a sua vantagem económica", disse
um responsável do governo que pediu anonimato dada a sensibilidade do debate
sobre o crescimento. "Será que nos aproximamos de mais um desses períodos?
Há quem esteja preocupado com essa possibilidade."
Rússia muda o jogo
A Alemanha
continua a estar bem em comparação com parceiros europeus como a Itália, cuja
economia contraiu também 0,2% no segundo trimestre, e com a Franç,a que admitiu
no final da semana passada não conseguir cumprir os seus objectivos para este
ano em relação ao défice, dada a estagnação da sua economia. Parte do
enfraquecimento da Alemanha neste segundo trimestre pode ser explicada por
efeitos meteorológicos: o inverno rigoroso levou as empresas de construção
civil a um investimento bastante maior nos três meses do ano, o que se
reflectiu no segundo trimestre. O desemprego alemão, com uma taxa de 6,7%, está
quase tão baixo como na pós-unificação e os salários estão a aumentar,
estimulando a procura que retirou à transacções comerciais o lugar de principal
pilar do crescimento.
Ao contrário do
que acontece noutros parceiros europeus, as finanças alemãs estão também em
excelente forma. Dados revelados na quinta-feira mostraram que a dívida pública
total – governos federal e estatal, autarquias locais e sistema de segurança
social em conjunto - diminuiu no ano passado pela primeira vez depois da
guerra. O orçamento do Governo para 2015 não inclui novas necessidades líquidas
de financiamento pela primeira vez desde 1969. "Não parecemos estar à
beira do precipício," disse Andreas Woergoetter, chefe do departamento
económico da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico
(OCDE), com sede em Paris.
No entanto,
economistas como, por exemplo, Fratzscher da DIW, crêem que a economia vai
continuar a contrair no terceiro trimestre colocando a Alemanha em recessão, e
aumentando as preocupações sobre uma recuperação europeia mais alargada.
Woergoetter diz que seria loucura menosprezar o impacto a longo prazo do
conflito com a Rússia que acredita poder ser muito maior do que os laços
comerciais bilaterais – a Rússia apenas constitui 3% do total de exportações
alemãs - poderiam fazer pensar. "Seja o que for que advenha desta crise há
uma alteração das regras do jogo porque a cooperação económica entre a Alemanha
e a Rússia ficou gravemente prejudicada," disse. "A Rússia era um
mercado extremamente lucrativo. Era uma oportunidade de investimento
insubstituível e neste momento os planos estratégicos de muitas empresas terão
de ser repensados. Também isso vai contribuir para a incerteza na
Alemanha".
PÚBLICO/Reuters
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