Como se trava a perda de meio
milhão de jovens? Com mais emprego
Os jovens de hoje ganham menos do
que os de há dez anos. E a diferença de salário para os pais aumentou, Mais
pobres e sem trabalho, muitos emigraram, debilitando o país na sua capacidade
de renovação
A primeira
resposta tem de surgir no mercado laboral. “É preciso incentivar o emprego
jovem”, diz Pedro Góis. “Mas se a oferta for de salários baixos, eles vão-se
embora na mesma”
Samuel Silva /
12-8-2014 / PÚBLICO
A perda de meio milhão de jovens residentes
verificada na última década foi acelerada pela emigração. Sociólogos
consultados pelo PÚBLICO e um representante do Conselho Nacional de Juventude
(CNJ) coincidem nessa análise face aos dados revelados ontem pelo Instituto
Nacional de Estatística (INE), que mostram que os habitantes entre os 15 e os
29 anos nunca tiveram um peso tão pequeno na população nacional.
As opiniões de
jovens e de especialistas também coincidem numa possível solução: só criando
emprego será possível travar esta tendência.
Os indicadores
compilados pelo INE para assinalar o Dia Internacional da Juventude, que se
assinala hoje, mostram que os habitantes entre os 15 e os 29 anos valem 17% do
total de residentes no país, o número mais baixo desde que há estatísticas
oficiais. Este dado é fruto da perda de quase meio milhão de pessoas registada
ao longo da última década – como tinha sido revelado pelos Censos de 2011. Os
dados “alimentam a sensação de que todos os anos perdemos milhares de jovens”,
afirma a presidente do CNJ, Joana Lopes.
Para os
especialistas contactados pelo PÚBLICO, há dois factores decisivos: a quebra
demográfica, verificada na geração dos pais destes jovens, e a emigração, em
crescimento nos últimos anos. “São essas duas tendências que explicam este
resultado”, afirma o vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude
da Universidade de Lisboa, Vítor Sérgio Ferreira. Esta combinação resulta num
“cenário muito perigoso para o país”, que devia “fazer soar muitas campainhas”,
avalia por seu lado Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, que se tem dedicado ao tema das migrações.
Se o envelhecimento
da população é uma tendência “que já se vivia desde os anos 1980” , lembra Vítor Sérgio
Ferreira, a perda de habitantes no país na faixa etária até aos 30 anos foi
“acelerada pelo fenómeno da emigração”, argumenta. E esta é uma realidade que é
uma “novidade”, sobretudo “pela sua escala”, acrescenta Pedro Góis.
Segundo o INE, em
2012, emigraram 53 mil jovens de Portugal. Destes, cerca de 26 mil fizeram-no
de forma permanente, o que representa metade do total de emigrantes permanentes
que nesse ano deixaram o país. A relevância dos jovens neste contingente
aumentou 14,5 pontos percentuais face ao ano anterior. No mesmo período houve
ainda 27 mil jovens que emigraram de forma temporária (39% do total nacional).
“Mas não são só
os números que nos falam. Todos nós temos familiares e amigos constantemente a
sair de Portugal”, prossegue Joana Lopes. Essa realidade é “consequência da
fase económica que o país está a atravessar”, considera.
A análise é
validada por Pedro Góis e Vítor Sérgio Ferreira e os dados do INE apontam no
mesmo sentido. Esta geração representa 32% dos desempregados em Portugal. Na
população empregada, a participação deste grupo etário é bastante mais
reduzida, representando apenas 15,5% do total. Assim, a taxa de desemprego dos
jovens dos 15 aos 29 anos é de 26,3%, quase o dobro da taxa de desemprego total
(14,8%).
Ganham cada vez
menos
Ainda no mercado
de trabalho, o INE mostra como os jovens ganham cada vez menos em comparação
com outros grupos etários, quando trabalham por de outrem. O rendimento
salarial médio mensal líquido da actividade principal dos jovens trabalhadores
foi, em média, entre 2011 e 2013, inferior em 23,2% ao da generalidade dos
trabalhadores por conta de outrem. Enquanto a população com menos de 30 anos
ganha 622 euros, os colegas mais velhos recebem 810. “Esta diferença tem vindo
a agravar-se sucessivamente desde 2002” ,
sublinha o relatório divulgado pelo INE, indicando que há uma década a
diferença salarial média era de apenas 13,5%.
As dificuldades
de acesso ao mercado de trabalho e as desigualdades para aqueles que conseguem
ter emprego contribuem, em parte, para outra realidade patente nas estatísticas
oficiais: um quarto da população entre 16 e 24 anos encontra-se em risco de
pobreza. De acordo com o INE, cerca de 25,6% dos jovens desta faixa etária
residiam em agregados familiares com um rendimento abaixo do limiar de pobreza.
Os dois
sociólogos ouvidos pelo PÚBLICO concordam, por isso, que a primeira resposta
tem de surgir no campo económico, sobretudo no mercado do trabalho.
“São precisas
medidas de incentivo ao emprego jovem”, defende Pedro Góis. Mas, alerta o
investigador da Universidade de Coimbra, “não pode ser um emprego qualquer”:
“Se a oferta que exista for de salários muito baixos, eles vão-se embora na
mesma”.
A emigração dos
jovens não pode ser vista como um problema por si, avalia, porém, Pedro Góis.
“O facto de as pessoas saírem do país é positivo. Não podemos é deixar que se
quebrem os laços”, defende. E a situação é particularmente grave porque muitos
destes jovens “saem tristes com Portugal”. Para o mesmo sociólogo da
Universidade de Coimbra, o país deve criar condições para fazer regressar estes
jovens, até porque daí resultariam mais-valias em termos de organização dos
serviços públicos e competitividade da economia: “Podemos aprender com o que
eles já aprenderam lá fora”.
Vítor Ferreira,
do Observatório Permanente dos Jovens, chama a atenção para outra questão: o
desfasamento entre as qualificações dos jovens e o mercado de trabalho. O INE
destaca que a percentagem de jovens com curso superior passou de 8,3% em 2001
para 14,9% em 2011, mas o acesso ao primeiro emprego nunca foi tão difícil.
Sem salário, sem
filhos
“Vivemos muitos
anos numa lógica de economia de mão-de-obra barata. Apesar da evolução que
houve, o mercado laboral não acompanhou com a rapidez necessária o investimento
feito nas qualificações, sobretudo o investimento público no ensino superior”.
O investigador da Universidade de Lisboa lamenta, por isso, que a questão
esteja a ser vista pela perspectiva errada, tratando-se a questão como se fosse
“um problema de oferta formativa, restringindo-a”.
As propostas da
CNJ vão no mesmo sentido. A comissão vai lançar, depois do Verão, uma “campanha
pelo trabalho digno”, apostando em informar os jovens sobre os direitos
laborais e tentando sensibilizar as empresas para as vantagens de dar
oportunidades aos trabalhadores mais novos. A iniciativa terá também uma
componente política, com propostas ao governo. Aquele organismo está, para
isso, a preparar uma publicação, a lançar em Outubro, na qual se traça o
“estado da arte” do mercado laboral para os jovens e se apresenta um conjunto
de recomendações de políticas públicas.
A quebra da
natalidade foi registada na geração dos pais destes jovens, mas os indicadores
do INE revelam que essa tendência dificilmente será invertida. Os jovens casam
cada vez mais tarde e aumentou o número dos que vivem com os pais até aos 30
anos: em 2011, 68,3% residiam com pelo menos um dos pais, ao passo que 21,5%
tinham constituído a sua própria família.
“Ter filhos é uma
responsabilidade para o resto da vida”, sublinha a presidente do CNJ. “O facto
de a vida ser tão instável, sobretudo do ponto de vista profissional, torna
difícil pensar em ter filhos”, defende Joana Lopes. A dimensão do problema
demográfico não se resolve facilmente, até porque mesmo que esta geração
“começasse agora a ter filhos, teria que ter muitos para garantir uma inversão
desta realidade”, mas a falta de estabilidade está a comprometer os desejos da
população mais jovem, considera: “Não tenho é dúvidas de que a grande maioria
dos jovens quer ter filhos.”
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