sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Quando as redes sociais saem à rua. #meets põem Corpo de Intervenção em alerta máximo. Meet: o convívio entre jovens acabou em acusações de racismo.



EDITORIAL
Quando as redes sociais saem à rua
DIRECÇÃO EDITORIAL 21/08/2014 – PÚBLICO

Foi no Centro Comercial Vasco da Gama que, segundo as contas da polícia, 600 jovens se reuniram para uma espécie de convívio que foi convocado através das redes sociais. O "meet", segundo os jovens, é um evento em que amigos no Facebook convivem fora do ambiente virtual. E para estes “encontros” vão os amigos, os amigos dos amigos e nem os próprios terão a noção do efeito multiplicador da convocatória, sobretudo numa altura em que muitos jovens estão de férias. O encontro de quarta-feira acabou por ser algo confuso, com quatro jovens detidos e cinco polícias com ferimentos. É um fenómeno recente para o qual a polícia terá de se preparar, e acompanhar nas próprias redes sociais; não só para garantir a segurança dos que se encontram nos locais dos "meet", quando existe uma grande concentração de pessoas, como também para garantir a segurança dos próprios jovens.


#meets põem Corpo de Intervenção em alerta máximo
Por Rosa Ramos
publicado em 22 Ago 2014 in (jornal) i online
PSP encarava fenómeno juvenil com ligeireza, mas acção vai mudar: a Investigação Criminal e as equipas da Escola Segura estarão atentas

Os desacatos no centro comercial Vasco da Gama, em Lisboa, durante um #meet - encontro de jovens convocado através das redes sociais - vão colocar o Corpo de Intervenção (CI) da PSP em alerta nos próximos eventos do mesmo género.

O #meet do Vasco Gama juntou, anteontem, cerca de 800 participantes e terminou com quatro detenções. Duas jovens foram apanhadas em flagrante quando roubavam uma rapariga de 15 anos. Depois de interrogadas no Tribunal de Pequena Instância Criminal, ficaram sujeitas a termo de identidade e residência e a apresentações semanais na esquadra. Os outros dois detidos, por desacatos à autoridade, só serão ouvidos na segunda-feira.

O encontro, que começou por ser pacífico, acabou em confrontos e com seis feridos. Na origem dos desacatos - que envolveram menos de 20 jovens - terá estado um desentendimento entre dois grupos de bairros rivais. Vários lojistas encerraram portas, mas o director do centro comercial adiantou ontem que não houve "vandalismo ou furtos" no interior do shopping.

Apesar de ser um fenómeno recente em Portugal, a PSP já tinha marcado presença em outros #meets - alguns até de maior dimensão. Rui Costa, porta-voz do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) recorda que cerca há um mês houve um outro, também no Parque das Nações, em que participaram cerca de mil jovens. Todos os #meets foram pacíficos e "nunca evoluíram para desacatos".

Por isso, o fenómeno - que começou nos Estados Unidos e tem grande expressão em países como o Brasil - foi sempre encarado com "normalidade" pela polícia. Devido aos incidentes de anteontem, a acção da PSP será agora diferente. "É evidente que, nas próximas situações, o Corpo de Intervenção estará em alerta máximo para responder a qualquer eventualidade", diz uma fonte do CI.

O porta-voz do COMETLIS admite que "terá de haver uma mudança" na forma de lidar com o fenómeno - até porque já estão agendados #meets para as próximas semanas. "Tivemos a noção de que aquilo que era um comportamento normal de jovens, com fins pacíficos, poderá evoluir para cenários de desordem", refere o comissário Rui Costa, acrescentando que a PSP está a "estudar o fenómeno, do ponto de vista sociológico e policial".

Garantir a segurança em #meets é um trabalho complexo. "Mais complexo até do que preparar uma manifestação", garante uma outra fonte da PSP. Os #meets são encontros espontâneos, organizados de forma rápida e é difícil prever quantas pessoas irão juntar, por serem convocados através das redes sociais. Além destas características, são concentrações de jovens, em que actuação da polícia não pode ser "reactiva" ou violenta.

Para garantir a segurança dos espaços, que são públicos, sem interferir no direito de reunião dos cidadãos, a acção da polícia tem de ser de prevenção. "Trabalho de bastidores", diz a mesma fonte. A PSP vai passar a monitorizar a marcação de #meets, num trabalho que envolve a investigação criminal e as equipas do programa Escola Segura. "É preciso referenciar os elementos com maior capacidade de mobilização nas redes sociais, nos bairros e na escola, para garantir que não há problemas no terreno", acrescenta. Estão previstos #meets, nas próximas semanas, no Vasco da Gama, no Dolce Vita da Amadora, no Terreiro do Paço e no Parque dos Poetas, em Oeiras.

Meet: o convívio entre jovens acabou em acusações de racismo
JOANA GORJÃO HENRIQUES 21/08/2014 - PÚBLICO
Jovem que participou num meet no Vasco da Gama diz que só queria conviver. No Facebook, houve posts a acusar a polícia de racismo. Especialistas dão a sua opinião. Há quem recorde os rolezinhos ou o arrastão.

Diana (nome fictício) tinha decidido ir ao encontro na quarta-feira, no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa. Aos 17 anos, já não era a primeira vez que participava num meet, reunião marcada para a diversão e convívio entre novos e velhos amigos.

A determinada altura, seriam umas 18h30/19h, instalou-se a confusão. Estava com um grupo de jovens negros, sentada, queria apanhar o comboio para casa, atravessar o shopping, mas foi barrada pela polícia. “Apanhei cacetada”, conta por chat no Facebook.

Um meet, esclarece, não é uma manifestação política ou social, nem tem por detrás qualquer activismo. Os jovens aproveitam os meets para “passar o tempo”, ainda por cima nas férias. Vêm de zonas como Amadora, Rio de Mouro, Bobadela, Catujal… “Só queria que as pessoas de fora compreendessem que o meet não é nada de mal, é só para os jovens conviverem. Não temos culpa de arranjarem confusão.”

Na quinta-feira, a imagem que passou dos meet foi, de facto, confusa. Depois dos incidentes, a PSP, os jovens e a direcção do Vasco da Gama apresentaram versões contraditórias. Do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP chegou a informação de que um grupo com cerca de 600 jovens se reuniu no Parque das Nações e, desses, dezenas “invadiram os corredores do centro comercial e começaram a correr desenfreadamente, entrando em algumas lojas”. Já a direcção do Vasco da Gama garantia que as imagens de videovigilância não mostram jovens a invadir o espaço e que “não houve nem vandalismo, nem furtos”, segundo Pedro Bandeira Pinto, o director. Quatro jovens seriam detidos e ouvidos em tribunal, cinco polícias ficaram com ferimentos ligeiros.

Na página do evento no Facebook, que entretanto foi desactivada, escreviam-se palavras de contestação contra o racismo e acusava-se a polícia de ter escolhido em quem batia: nos jovens negros. Diana confirma que sentiu discriminação no Vasco da Gama, na quarta-feira. “Os polícias não estavam a deixar os meus amigos e amigas de cor entrar e só lhes estavam a bater.” Mas “bateram em brancos e pretos”, acusa.

No Facebook, o post de um utilizador, Edson Chipenda, com um vídeo em que reproduz um encontro com a polícia no Vasco da Gama e a acusa de racismo, tornou-se num fórum de debate, com mais de 2500 partilhas, mais de 3500 likes, e centenas de comentários até ao final da tarde desta quinta-feira.

Rolezinho, arrastão e meet
O que se passou na quarta-feira trouxe à memória dois acontecimentos: os rolezinhos brasileiros, em que jovens da periferia se deslocavam para centros comerciais, gerando polémica por causa da violência policial no final de 2013; e o “arrastão de Carcavelos”, em 2005 em que se exagerou nos números de jovens que assaltaram banhistas na praia.

Afinal, quem é que foi ao meet? Podemos interpretar o que aconteceu na quarta-feira como um episódio de racismo?

Numa pesquisa pelos perfis dos jovens que fizeram likes, e disseram ir aos eventos de outros meet, percebe-se que alguns têm milhares de seguidores. Aparecem em selfies, muitos em poses inspiradas no hip hop, e há jovens brancos e jovens negros, rapazes e raparigas.

Flávio Almada, da Plataforma Ghetto, um movimento de luta anti-racista, já tinha ouvido falar dos meets como encontros ligados à popularidade nas redes sociais. “Há uns que são considerados uma espécie de estrelas, têm mais fãs.”

Mas o facto de jovens se terem queixado de não terem tido o mesmo tratamento pela polícia por serem negros leva-o a dizer: “A discriminação racial sobre os jovens negros é uma coisa que a polícia tem vindo a praticar em Portugal. Quando há um grupo de quatro jovens negros no centro de Lisboa automaticamente eles são parados pela polícia que julga que estão a praticar algum crime, e quando se trata de jovens socialmente considerados brancos isso não acontece. Imagine-se quando o número é superior…Essa é a experiência que temos na linha de Lisboa, de Cascais, na margem Sul, na periferia…”

Apesar da pouca informação de que dispõe sobre o que aconteceu, Gustavo Évora, 49 anos, professor no ensino secundário numa escola do Seixal, não notou algo substancialmente diferente no episódio em que um grupo de miúdos combina encontrar-se pelo Facebook, “alguns aproveitam-se para lançar confusão”. “É a réplica do que acontece em alguns centros comerciais noutros países.”

Autor de uma tese sobre o sucesso escolar de descendentes de imigrantes, e cabo-verdiano, confessa ter “dificuldade em ligar isto a questões de racismo”: “Não tenho informação que me permita dizer por que aconteceu e o que aconteceu.” Mas nota: “É natural que estas coisas aconteçam quando neste momento os miúdos não estão a fazer nada – a maior parte não tem nenhum tipo de ocupação, não vai de férias para lado nenhum e é fácil juntarem-se meia dúzia, dentre dessa meia dúzia haver dois que querem fazer confusão e fazerem mesmo.”

Ao psicólogo Luís Fernandes o episódio lembrou o Verão de 2005, em que “uma data de putos entrou pela praia de Carcavelos adentro e se falou logo em arrastão”. “Quando se foi  ver à lupa o que se tinha passado, concluiu-se que não tinha havido arrastão nenhum.”

Para este especialista em comportamentos desviantes os adolescentes, “sejam brancos, negros ou mulatos, precisam de visibilidade e de se afirmar”. O meet “pode ser apenas isso, uma manifestação de afirmação”. Sublinha: “Aparentemente é só um encontro, não tem que ser politizado, nós depois é o que o politizamos nas análises. O racismo é uma coisa muito espontânea em que há um nós e um eles. Na base, o racismo não é político, é uma reacção de grupos contra grupos em que o factor é a cor da pele, mas podia igualmente ser uma forma de vestir.”

Já o sociólogo João Teixeira Lopes compara o que se passou ao chamado “rolezinho”, em que, como aconteceu agora, parece-lhe, “não havia qualquer tipo de intenção de protesto”. Convém não esquecer que “os centros comerciais estão longe de ser espaços inteiramente públicos”, e que há “controlo, vigilância e selecção social”. “Não me admiraria que exista ali, embora não declarada, alguma vigilância que barra o acesso a jovens descendentes de africanos. Isso muitas vezes, quando as tensões estão latentes, pode ser o rastilho para que a mera convivialidade ganhe tons de protesto, embora muito difusos”.  E acrescenta que “embora não ache que este meet tenha sido organizado com essa intenção, há claramente o risco de funcionar como embrião das tensões étnicas e raciais que estão implícitas na sociedade portuguesa”.


Quando perguntamos a Diana porque é que ela criou dois novos meets, ela responde apenas: “Acho uma boa maneira de algumas pessoas conviverem.” Com Andreia Sanches, Maria João Lopes e Natália Faria

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