Opinião
A crise no BES e os pobres
José António Pinto
25/08/2014 - PÚBLICO
Por que razão este Governo é
tão forte com os fracos e tão fraco com os fortes?
Que interferência terá a
actual crise do Banco Espírito Santo na vida das pessoas mais pobres que vivem
em Portugal? Esta catástrofe financeira, obscura, escondida, cheia de mentiras
e truques, caracterizada por fraudes, favorecimento de credores, falsificação
de contas, gestão danosa, entre outros expedientes, vai agravar ainda mais as
miseráveis condições de vida dos meus utentes.
As pessoas que vivem com
insuficiência de recursos económicos e com grande dependência dos serviços
sociais do Estado e das instituições particulares de solidariedade social não
costumam ter conta no banco, não têm dinheiro para encher o frigorífico de
alimentos, não têm dinheiro para comprar acções, não têm emprego. Não são
accionistas, não são depositantes, não são clientes, não são funcionários do
BES. São apenas beneficiários de Rendimento Social de Inserção, recebem 178
euros por mês. Se forem casados e tiverem três filhos, o valor do cheque pode
chegar aos 350 euros. Uma fortuna, uma pipa de massa, expressão recentemente
utilizada por Durão Barroso.
Para evitar que estas pessoas
prejudiquem o Estado e desequilibrem as contas da nação, para evitar que os
contribuintes através dos seus impostos não estejam a apoiar com esmolas quem
não merece, quem não precisa, quem não quer trabalhar, quem não está em
situação de emergência e aflição social, o Governo de Passos Coelho e Paulo
Portas fez uma lei de perseguição ideológica a estes pobres. A fraude existente
na atribuição do rendimento mínimo é um escândalo, uma vergonha nacional,
motivo de indignação por todos os que reclamam justiça e transparência na
gestão de dinheiros públicos, segundo estes governantes perdem-se muitos euros
que fazem falta a quem realmente está a precisar da ajuda do Estado.
Sobre isto sempre defendi,
como técnico do terreno, que é necessário combater todas as fraudes e
irregularidades, no acompanhamento diário destas famílias sempre colaborei com
os serviços de fiscalização da Segurança Social para evitar ilegalidades e
desincentivar os utentes a adaptarem comportamentos desviantes de
sobrevivência. Mesmo assim, a experiência profissional e alguns estudos
académicos já publicados têm-me ajudado a perceber que, afinal, a fraude na
atribuição do RSI é uma migalha insignificante, invisível, sem expressão no
bolo que o Estado gasta no conjunto das prestações sociais. Também tenho
percebido nesta ligação técnica às famílias que mais importante do que a
fiscalização repressiva, estas pessoas desqualificadas, desmunidas dos
principais recursos económicos, escolares, sociais e culturais, precisam é de
oportunidades para saírem da medida. Precisam que a dÍvida à troika seja
rapidamente renegociada e de emprego com direitos. Muitas recebem RSI e fazem
biscates, porque só assim conseguem dar de comer aos seus filhos. Mesmo a
trabalhar e com salário mínimo declarado, muitas famílias recebem RSI e não
conseguem romper com o seu ciclo de pobreza.
Para domesticar e humilhar
estas famílias existe legislação, existe tutela, supervisão, fiscalização,
vigilância, repressão. E castigo para quem mente, para quem engana o Estado,
para quem se quer apropriar indevidamente do pouco dinheiro dos contribuintes
que afinal é de todos?
Sendo assim, tenho agora de
perguntar o seguinte: por que razão este Governo é tão forte com os fracos e
tão fraco com os fortes?
Afinal quem mente, os pobres
do RSI ou o governador do Banco de Portugal? Que mentiras provocam mais
estragos ao país, as mentiras dos pobres ou as mentiras dos poderosos
respeitáveis da alta finança? Afinal não existia no BES nenhuma almofada
financeira para tapar os buracos do crédito malparado; afinal a crise no grupo
sempre afectou o funcionamento do banco; foi necessário afastar da gestão do banco
Ricardo Salgado; os testes de stress ao banco, afinal não provaram solidez
financeira nenhuma.
A maioria dos desempregados
em Portugal não tem acesso a qualquer apoio económico no período de desemprego.
As escolas públicas continuam a funcionar com menos professores e técnicos para
dar apoio a crianças com necessidades educativas especiais, os centros
educativos não têm vagas para acolher mais jovens condenados, um grupo de
organizações não governamentais, entre as quais a Amnistia Internacional e a Caritas
Portuguesa, considera que não existe estratégia nem políticas sociais
consistentes para combater a pobreza em Portugal. Em 2014, segundo dados do
Instituto da Segurança Social, 20,8% dos beneficiários de RSI foram excluídos
desta medida de apoio. Mais de 38 mil idosos perderam no mesmo ano o
complemento solidário para idosos. Não há dinheiro para proteger as pessoas da
pobreza e da exclusão social, mas há dinheiro para pagar as dívidas da família
Espírito Santo. Há dinheiro para em 2014 gastar 511 milhões de euros nas rendas
das parcerias público-privadas com derrapagem de 84 milhões de euros só nas
parcerias rodoviárias.
Há dinheiro para, sem
qualquer tipo de garantia ou segurança, o Estado emprestar ao Fundo de
Resolução 4400 milhões de euros para recapitalizar o BES.
Os banqueiros continuam a ter
na mão o poder politico e, quando não têm o dinheiro dos depositantes nos seus
cofres, têm o dinheiro dos contribuintes para os salvar de todas as
irresponsabilidades e manobras gananciosas do capitalismo financeiro. Os pobres
já pagaram a crise do BPN e vão pagar agora a crise do BES. Enquanto não chega
a informação, o esclarecimento, a consciencialização, a politização organizada
e a qualificação deste grupo social, os pobres, para melhorar a sua situação
social, têm rapidamente de se tornar donos de um banco falido, especializar-se
em gerar produtos financeiros tóxicos, obrigar o Estado a recapitalizar os seus
prejuízos, meter medo aos accionistas, surpreender os mercados e aterrorizar o
funcionamento da bolsa de valores
Assistente social
Sem comentários:
Enviar um comentário