O legado de Guterres
Por Pedro Braz
Teixeira
publicado em 27
Ago 2014 in
(Jornal) i online
Guterres foi um primeiro-ministro incapaz de pensamento e acção
estratégicas, tendo esbanjado o último período de vacas gordas
António Guterres
foi eleito primeiro- -ministro em Outubro de 1995, herdando uma economia em
recuperação, com as contas externas equilibradas. Foi o último chefe de governo
a viver em tempo de vacas gordas, aliás gordíssimas, que conseguiu desbaratar
sem propósito nem estratégia.
Nessa altura o
país enfrentava dois desafios evidentes: preparar-se para uma participação bem
sucedida no euro e responder ao desafio que se adivinhava da concorrência dos
países de Leste, então ainda a dar os primeiros passos em direcção a uma
economia de mercado.
Em relação ao
euro, convém recordar que este tinha sido concebido à imagem da Alemanha. Para
gerir a procura interna, este país tinha uma combinação muito particular de políticas
orçamental e monetária. Tendo uma política orçamental geralmente restritiva
(défices públicos baixos), podia ter uma política monetária razoavelmente
expansionista (taxas de juro baixas). Em Portugal, a combinação destas
políticas era exactamente a oposta: o laxismo orçamental forçava uma política
monetária restritiva (taxas de juro elevadas).
Dado que o nosso
país ia passar a ter uma política monetária à alemã, era essencial que a
política orçamental também passasse a ser germânica, sob pena de se criar um
excesso de procura interna, com a concomitante e habitual perda de
competitividade. Isto era tanto mais imprescindível quanto o instrumento
fundamental de correcção de problemas de competitividade, a desvalorização, ia
deixar de estar disponível, mesmo antes de entrarmos no euro. Recorde-se que as
taxas de câmbio irrevogáveis das moedas nacionais com o euro foram fixadas em
Maio de 1998 e que o critério cambial requeria dois anos de estabilidade da
taxa de câmbio. Ou seja, a partir de meados de 1996 já não poderia haver mais
desvalorizações.
Estas questões
elementares escaparam a Guterres e Sousa Franco, que acharam que os critérios
orçamentais de Maastricht eram uma mania, que nos bastava fingir que
cumpríamos. Não perceberam que um país como Portugal teria de ir muito mais
longe que aqueles critérios, sob pena de gerar graves problemas à nossa
economia. O desvario foi completo: desbaratou-se a enorme folga orçamental
criada pela gigantesca descida dos juros e ainda se inventaram as PPP, para
enganar os nossos parceiros comunitários, gastando debaixo da mesa. Os
problemas não tardaram a chegar, com uma perda de competitividade que criou uma
estagnação económica desde 2000 até hoje.
Em relação ao
dificílimo desafio da concorrência dos países de Leste, foi totalmente
ignorando, tendo Guterres e Cravinho dado início a uma extraordinária orgia de
betão, que jamais corrigiria os graves problemas que tínhamos face àqueles
países: mais longe do centro da Europa, com uma força de trabalho muito menos
qualificada e, mesmo assim, a pagarmos salários superiores ao desses países.
Voltando às
inacreditáveis PPP rodoviárias, o pináculo do disparate do betão, elas
constituíram um gigantesco erro estratégico (um equívoco em relação a tudo o
que era importante), um erro macroeconómico (foram lançadas na pior altura,
quando a economia já tinha procura a mais), um desastre de finanças públicas
(implicavam custos que eram o dobro do que se tivessem sido financiadas com
dívida pública) e a justificar as mais profundas suspeitas de corrupção (os
contratos são de tal modo contrários aos interesses do Estado e dos
contribuintes que é praticamente impossível imaginar que não tenham envolvido
corrupção).
Em resumo, apesar
de Guterres ser um político inteligente, culto e falar (demasiado) bem, foi um
primeiro-ministro da espuma dos dias, sem a menor capacidade de esboçar o mais
leve pensamento e acção estratégicas. Além disso, apesar de ser pessoalmente
honesto, permitiu à sua volta uma extraordinária profusão dos mais obscuros
negócios de Estado.
Veremos qual a
miséria de candidato que a direita nos vai apresentar, para revelar o
esgotamento definitivo do regime.
Investigador do Nova Finance
Center , Nova School of
Business and Economics
As opiniões
expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor
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