terça-feira, 12 de agosto de 2014

BES: o bom, o mau e o vilão




crise no bes
BES: o bom, o mau e o vilão
  André Azevedo Alves
9/8/2014 / OBSERVADOR.

Com escassez de capitais próprios e um ambiente inimigo da poupança e do investimento, os negócios dependem em Portugal mais da gestão de contactos e do risco político do que da economia real.
No sistema vigente – reservas fraccionárias com uma entidade monopolista na emissão de moeda – é inevitável que a “confiança” seja um activo que facilmente fica colocado no fio da navalha. Neste tipo de sistema, todos os bancos acabam por funcionar em larga medida como filiais do Banco Central. No caso português, filiais de uma filial, já que o Banco de Portugal integra o Banco Central Europeu. A natureza do sistema leva a que a solução ideal do ponto de vista concorrencial para um banco insolvente – falência com a correspondente liquidação de activos – seja encarada como indesejável pelos “riscos sistémicos” que acarreta (leia-se: por colocar a nu as fragilidades intrínsecas do sistema).

Neste contexto, e considerando as restrições que lhe estão associadas, a solução anunciada para o BES pode ser considerada boa. O empréstimo por via do Fundo de Resolução é certamente preferível à via (directa ou indirecta) de um aumento de capital suportado pelos contribuintes, a opção seguida pelo Estado na tristemente célebre intervenção no BPN e nas sucessivas operações efectuadas na CGD. Como foi bom também, no período anterior, ter-se evitado um novo financiamento de conveniência para acorrer aos problemas do GES, por exemplo por parte da CGD, onde as ligações de alto risco são de longa data e se mantêm ao mais alto nível. A solução comporta riscos significativos para os contribuintes, mas também nesse plano se compara positivamente com intervenções anteriores. É no entanto de lamentar que Maria Luís Albuquerque tenha vindo assegurar que não há risco para os contribuintes. Afirmar que uma operação deste tipo não tem qualquer risco para os contribuintes tem mais ou menos a mesma credibilidade que a torrente de comentários que asseguravam ainda há bem pouco tempo que o GES estava mal mas o BES estava sólido.

Ainda que a solução possa ser classificada como relativamente boa, o problema que a motivou foi claramente mau. O colapso do GES e do BES evidencia, uma vez mais, a fragilidade da economia portuguesa e dos principais grupos económicos nacionais. Um diagnóstico agravado pelos indícios de actividade criminal que têm vindo a ser revelados. Nenhuma economia pode prosperar sem grupos económicos privados robustos e independentes e este caso vem mais uma vez deixar claro que o panorama português a esse respeito é sombrio.

Uma vez abordado o bom e o mau, falta apontar o vilão. O caso BES não surge isolado. Surge no contexto de uma economia sobreendividada, profundamente estatizada e com gritantes falhas de regulação. Com escassez de capitais próprios e um ambiente inimigo da poupança e do investimento, os negócios – em especial os grandes negócios – dependem em Portugal frequentemente mais da gestão de contactos e do risco político do que dos dados económicos fundamentais. O Estado intervencionista – uma tradição portuguesa de longa data – explica o que Rui Ramos designa de “promiscuidade opaca das elites nacionais” e também as redes de dependência mútua que simultaneamente exploram e asfixiam os sectores criadores de riqueza.

Um cenário agravado pelo deficiente funcionamento das instituições incumbidas de funções de regulação. É certo que não há reguladores infalíveis nem omniscientes (essa é aliás uma das principais razões pelas quais a melhor forma de regulação efectiva é a abertura à concorrência), mas o Banco de Portugal fica muito mal na fotografia do colapso do BES. Ainda no início de Julho, o Banco de Portugal assegurava que a “situação de solvabilidade do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento de capital” e afastava os riscos de contágio pelos problemas no GES. No cenário de avaliação mais benevolente para o Banco de Portugal (a comprovarem-se as gravíssimas acusações dirigidas por Carlos Costa a Ricardo Salgado), o Governador e a sua equipa foram grosseiramente enganados e o erro de permitir que a administração do BES continuasse em funções custou – pelo menos – 1500 milhões de euros, a que acresce um risco não negligenciável de ruptura do sistema financeiro português. Um cenário pouco abonatório para as instituições regulatórias a que acrescem as notórias divergências públicas entre a CMVM e o Banco de Portugal. Seria importante que, ao contrário do que aconteceu no passado recente, desta vez os principais protagonistas assumissem as responsabilidades devidas pelos graves erros de julgamento que cometeram.

Seria agradável terminar com uma nota positiva exprimindo a crença de que algo de estrutural pode estar a mudar, mas temo que também neste domínio o que se está a passar seja essencialmente consequência de se ter acabado o dinheiro. Aliás, com o Estado português a continuar a gastar muito acima das possibilidades do país e o financiamento internacional condicionado, a única coisa de que podemos estar certos é que, na eventualidade de um novo colapso similar nos próximos tempos, qualquer solução exequível será ainda mais penosa.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

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