Um legado comum
Por Luís Rosa
publicado em 27
Ago 2014 in
(jornal) i online
António Guterres e Jaime Marta Soares são duas faces da mesma moeda: a
gestão da engenharia financeira
Jaime Marta
Soares é um homem bom. É um homem da política, do futebol e, mais importante
que tudo, dos bombeiros. Gosta de apagar fogos - e não de ateá-los. Faz lembrar
Valentim Loureiro pelo estilo de intervenção e pela extraordinária capacidade
de acumulação de cargos públicos. Governou Vila Nova de Poiares durante 40
anos, como todos os dinossauros autárquicos: fazer obra a qualquer custo com
recurso ao crédito fácil e aos fundos comunitários. Ou melhor, e pegando nas
suas palavras que pode ler na página 5: "Soubemos fazer uma gestão com
engenharia financeira para responder aos nossos compromissos."
Deixou a
autarquia no final de 2013, obrigado pela lei de limite de mandatos, mas em
Dezembro de 2010 foi obrigado a pedir um empréstimo de 7,3 milhões de euros à
banca para pagar dívidas e em 2011 aderiu ao primeiro pacote de ajuda que o
governo disponibilizou para o poder local. Hoje o seu sucessor não tem dinheiro
para pagar os salários da edilidade e precisa de uma ajuda de emergência do
poder central. Marta Soares deixou obra, mas também deixou uma autarquia,
segundo dados de 2011, com uma receita corrente de 4,4 milhões de euros para
uma despesa anual de 8,3 milhões de euros. Diz que recebeu um legado de nada,
mas deixou uma dívida de 20 milhões de euros - o que suplanta quase 400% as
suas receitas anuais. Ironicamente (ou cinicamente) diz que depois do tempo da
"engenharia financeira", agora, sim, é "preciso fazer uma gestão
rigorosa".
Marta Soares goza
com os habitantes de Poiares mas, mais importante, ri-se à gargalhada na cara
dos contribuintes de todo o país que vão ter de pagar as dívidas que deixou -
tal como vão pagar a irresponsabilidade e a má gestão dos autarcas que levaram
Portimão, Nazaré e Aveiro à situação calamitosa de não ter dinheiro em caixa
para acorrer às despesas mais elementares.
São estas as
consequências do esbanjamento a que assistimos na administração central e nas
autarquias desde a nossa entrada na CEE. O dinheiro fácil dos fundos
comunitários, numa primeira fase, e do crédito fácil, numa segunda fase,
levaram a um desvario no investimento público. Sem rigor, sem planeamento
orçamental e técnico e com muita corrupção e má gestão pelo meio. Os governos
de Cavaco Silva e de António Guterres muito contribuíram para isso, mas
enquanto entre 1988 e 1995 tivemos crescimento económico sustentado, entre 95 e
2001 caminhámos alegre e docilmente para a estagnação económica. Guterres foi
uma espécie de flautista de Hamelin que hipnotizou os portugueses com a sua
música mansa de diálogo com tudo e todos mas cujo legado em termos de
desenvolvimento económico se resume também ao máximo expoente da engenharia
financeira de que fala Jaime Marta Soares: as parcerias público-privadas
rodoviárias. Numa altura em que é dada como certa uma candidatura presidencial
de António Guterres, é bom recordarmos as consequências do seu legado, como faz
Pedro Braz Teixeira na página 13.
Se pensarmos bem,
Jaime Marta Soares é bem capaz de antecipar o futuro discurso de António
Guterres quando regressar a Portugal. Também ele, Guterres, não deverá ter
culpa nenhuma do pântano em que deixou o país. Também ele é um homem bom que
fez o melhor pelo seu país - mesmo que o melhor tenha sido um legado de
indecisão e estagnação económica.
Sem comentários:
Enviar um comentário