quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Um legado comum, por Luís Rosa

"Marta Soares goza com os habitantes de Poiares mas, mais importante, ri-se à gargalhada na cara dos contribuintes de todo o país que vão ter de pagar as dívidas que deixou - tal como vão pagar a irresponsabilidade e a má gestão dos autarcas que levaram Portimão, Nazaré e Aveiro à situação calamitosa de não ter dinheiro em caixa para acorrer às despesas mais elementares.""Se pensarmos bem, Jaime Marta Soares é bem capaz de antecipar o futuro discurso de António Guterres quando regressar a Portugal. Também ele, Guterres, não deverá ter culpa nenhuma do pântano em que deixou o país. Também ele é um homem bom que fez o melhor pelo seu país - mesmo que o melhor tenha sido um legado de indecisão e estagnação económica."
Um legado comum
Por Luís Rosa
publicado em 27 Ago 2014 in (jornal) i online
António Guterres e Jaime Marta Soares são duas faces da mesma moeda: a gestão da engenharia financeira

Jaime Marta Soares é um homem bom. É um homem da política, do futebol e, mais importante que tudo, dos bombeiros. Gosta de apagar fogos - e não de ateá-los. Faz lembrar Valentim Loureiro pelo estilo de intervenção e pela extraordinária capacidade de acumulação de cargos públicos. Governou Vila Nova de Poiares durante 40 anos, como todos os dinossauros autárquicos: fazer obra a qualquer custo com recurso ao crédito fácil e aos fundos comunitários. Ou melhor, e pegando nas suas palavras que pode ler na página 5: "Soubemos fazer uma gestão com engenharia financeira para responder aos nossos compromissos."

Deixou a autarquia no final de 2013, obrigado pela lei de limite de mandatos, mas em Dezembro de 2010 foi obrigado a pedir um empréstimo de 7,3 milhões de euros à banca para pagar dívidas e em 2011 aderiu ao primeiro pacote de ajuda que o governo disponibilizou para o poder local. Hoje o seu sucessor não tem dinheiro para pagar os salários da edilidade e precisa de uma ajuda de emergência do poder central. Marta Soares deixou obra, mas também deixou uma autarquia, segundo dados de 2011, com uma receita corrente de 4,4 milhões de euros para uma despesa anual de 8,3 milhões de euros. Diz que recebeu um legado de nada, mas deixou uma dívida de 20 milhões de euros - o que suplanta quase 400% as suas receitas anuais. Ironicamente (ou cinicamente) diz que depois do tempo da "engenharia financeira", agora, sim, é "preciso fazer uma gestão rigorosa".

Marta Soares goza com os habitantes de Poiares mas, mais importante, ri-se à gargalhada na cara dos contribuintes de todo o país que vão ter de pagar as dívidas que deixou - tal como vão pagar a irresponsabilidade e a má gestão dos autarcas que levaram Portimão, Nazaré e Aveiro à situação calamitosa de não ter dinheiro em caixa para acorrer às despesas mais elementares.

São estas as consequências do esbanjamento a que assistimos na administração central e nas autarquias desde a nossa entrada na CEE. O dinheiro fácil dos fundos comunitários, numa primeira fase, e do crédito fácil, numa segunda fase, levaram a um desvario no investimento público. Sem rigor, sem planeamento orçamental e técnico e com muita corrupção e má gestão pelo meio. Os governos de Cavaco Silva e de António Guterres muito contribuíram para isso, mas enquanto entre 1988 e 1995 tivemos crescimento económico sustentado, entre 95 e 2001 caminhámos alegre e docilmente para a estagnação económica. Guterres foi uma espécie de flautista de Hamelin que hipnotizou os portugueses com a sua música mansa de diálogo com tudo e todos mas cujo legado em termos de desenvolvimento económico se resume também ao máximo expoente da engenharia financeira de que fala Jaime Marta Soares: as parcerias público-privadas rodoviárias. Numa altura em que é dada como certa uma candidatura presidencial de António Guterres, é bom recordarmos as consequências do seu legado, como faz Pedro Braz Teixeira na página 13.


Se pensarmos bem, Jaime Marta Soares é bem capaz de antecipar o futuro discurso de António Guterres quando regressar a Portugal. Também ele, Guterres, não deverá ter culpa nenhuma do pântano em que deixou o país. Também ele é um homem bom que fez o melhor pelo seu país - mesmo que o melhor tenha sido um legado de indecisão e estagnação económica.

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